No princípio era o nada, um infinito sem existências, sem histórias, nada além do vazio. Algo que nos transcende soprou e o universo fervilhou de luz e vida, num processo lento aos olhos humanos, contínuo, e que não para. Esse vento que sopra, essa vida que se movimenta, se multiplica, se transforma, torna-se cada vez mais complexa. É imensurável a quantidade de existências que esse sopro gerou e continua gerando, cada uma destas vidas com seu jeito de ser, fazendo parte de uma rede intricada, conectando-se com mais e mais seres a cada dia que passa. Parece simples olhar pela janela de casa e não conseguir enxergar essa grandeza, ou talvez enxergar, mas, mesmo enxergando, provavelmente não conseguir ver a real imensidão que há além. O incrível nisso tudo é que fazemos parte dessa rede.

Não foi e não é um processo fácil para estarmos onde estamos. A humanidade é recém chegada nessa rede e em tão pouco tempo conseguiu se espalhar e influenciar nesse fluxo de vida de maneira intensa muitas vezes. Talvez não entendamos toda essa vida por sermos como recém-nascidos, que aos poucos descobrem o que podem e o que não podem fazer. Às vezes descobrem o que não pode, mas permanecem fazendo por pirraça, será? Talvez. A intenção aqui não é justificar os tantos erros que cometemos nesta curta estadia aqui nessa casa comum. A questão é que não entendemos ainda o que é comum, por isso tantas atitudes egoístas. Há esperanças.

Quando falamos de biodiversidade, estamos falando sobre tudo isso e mais um monte de coisas que transversalmente fazem parte desse complexo. A exemplo, o Brasil é considerado um país megadiverso, pode-se imaginar que sim, já que somos um país de proporções continentais, com vários ecossistemas. Só a floresta amazônica abriga mais de trinta mil espécies de plantas, contendo talvez um quarto das espécies terrestres do planeta. Os serviços ecossistêmicos que toda essa vida gera são um dos grandes motivos do porquê queremos proteger essa biodiversidade, não só a Amazônia, mas todos os biomas e ecossistemas.

“Essa irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la.”  (Laudato Si’, 2)

Esses serviços acontecem pela dinâmica dos ecossistemas, estes, sendo equilibrados gratuitamente, nos provêm ar puro, polinização, uma temperatura amena, entre outras condições que são essenciais para nosso bem estar. Isso significa, para a economia global, uma estimativa de U$125 trilhões a U$145 trilhões por ano. Vale lembrar que o ser humano depende desses serviços e, sem biodiversidade, eles não vão cumprir suas funções naturais com a excelência que lhes cabe. Não é como se as abelhas estivessem fazendo um favor para a humanidade, por exemplo, elas só estão fazendo o que lhes garante vida abundante e, indiretamente, isso nos beneficia. Sem abelhas, não há polinização, o que por sua vez gera prejuízo para os sistemas agrícolas que vão ter que gastar com polinização artificial. Faz sentido? Não seria mais vantajoso ou ético garantirmos que elas consigam viver?

Para que as nossas amigas abelhas e outros seres vivos consigam ter uma vida tranquila, precisamos manter nossos ecossistemas equilibrados, florestas em pé com seus animais, microrganismos e grupos humanos coexistindo sem interferências excessivas. Perdemos, anualmente, vinte mil quilômetros de vegetação nativa no Brasil por consequência de derrubadas e incêndios, o que, além de levar à perda de biodiversidade, gera empobrecimento do solo, poluição da atmosfera, contribuindo com as mudanças climáticas globais.

“Que braseiro, que fornalha, nem um pé de plantação, por falta d’água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão.” Já dizia o grande Luiz Gonzaga em Asa Branca.

Nossos ecossistemas, além de uma beleza exuberante, nos garantem diversidade de alimentos e água potável e há tantas famílias que dependem diretamente desses recursos. Estamos acostumados a alimentar uma indústria muitas vezes cruel, que nos aliena em relação ao que colocamos em nossos pratos e copos, que faz o camponês sair de uma vida interiorana baseada no plantio orgânico para vender alimentos empestados de agrotóxicos agrícolas nas cidades. Essa mesma indústria faz de florestas ricas de diversidade um campo de monocultura de soja ou até campos de gado, de cana e de “florestas” de eucalipto que estão mais para desertos verdes.

“Quede água? Agora o clima muda tão depressa, que cada ação é tardia, que dá paralisia na cabeça, que é mais do que se previa. Algo que parecia tão distante periga, agora tá perto, flora que verdejava radiante desata a virar deserto” (Quede água? – Lenine)

Não temos noção dessas consequências, está tudo pronto no supermercado, é só ir lá e comprar. Estimular feiras agroecológicas também é defender a biodiversidade, assim como ter a curiosidade de saber de onde vêm nossos alimentos, por quais mãos passaram nosso feijão, se estamos comendo alimentos com ou sem veneno. Lembra das nossas abelhas amigas? Então, esse veneno que comemos em nossos alimentos, é o mesmo que as mata aos montes.

É difícil mudar práticas que estão conosco há muitos anos, não acontece do dia para a noite, mas é possível, e precisamos ajudar os que têm menos informação a estarem conosco nessas lutas diárias, exigindo, por exemplo, políticas públicas de estímulo aos pequenos agricultores e às feiras agroecológicas, para que nas escolas públicas nossas crianças e jovens merendem produtos orgânicos e de produtores da comunidade, se possível.

Na semana em que se realiza o Dia Mundial do Meio Ambiente (05 de junho), a ONU escolheu a biodiversidade como tema norteador, e o Programa MAGIS Brasil não poderia realizar a Semana Mundial do Meio Ambiente longe dessa temática, trazendo também recortes sociais, sabendo que as sociedades dependem do bem estar dos ecossistemas em geral. Comunicar aos adolescentes e jovens a importância da biodiversidade é fazê-los compreender que, sem um planeta equilibrado ambientalmente, as estruturas sociais não vão conseguir se sustentar. Não há como ignorar o desmonte nas políticas ambientais e isso está diretamente ligado às nossas vidas, seja na cidade ou nos interiores. O Papa Francisco nos convida para essa luta em sua encíclica, quando diz que “o grande desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar”. E completa dizendo que “o criador não nos abandona, nem recua no seu projeto de amor, nem se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum.”

Falar sobre diversidade de vidas, também é falar sobre pessoas, seus jeitos de viverem, de serem, de estarem. Esse projeto de amor inclui cuidar para que a dignidade de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e demais grupos humanos sejam respeitados, faz parte da luta pela ecologia. Assim, devemos lutar para que tenhamos um meio ambiente biologicamente equilibrado, por uma justiça socioambiental. “Tudo está interligado, como se fossemos um”. Não cantamos essa canção à toa, no fim, todos somos parte de um mesmo sopro de vida, então cuidemos da vida em toda sua diversidade.

#SMMA #PelaNatureza #SerMaisAmazônia

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