Em agosto, a Igreja nos convida a refletir e rezar sobre nosso sentido de vida, nossa realização plena a partir da concretização das diversas vocações. O Programa MAGIS Brasil convida todas as juventudes, em comunhão com a Campanha Ser Mais Amazônia, a conhecer e vislumbrar a vida de pessoas que se doam junto às comunidades tradicionais amazônicas.

Na terceira semana, celebrando a vocação das religiosas e religiosos, conversamos com a Irmã Joaninha e o Irmão Arquelino, que fizeram seus votos junto às suas ordens religiosas e vivem hoje sua vocação consagrada junto das realidades da Amazônia. Confiram abaixo o relato de ambos.

 

 

Joaninha Honório Madeira (61), nasceu em Nova Venécia (ES) e faz parte da Congregação Imaculada Conceição-Azuis.
Vive em missão na pan-amazônia desde 2009, atualmente está na fronteira Bolpebra (Bolívia/ Peru/Brasil). Mora em Iñapari, lado peruano.

Arquelino Xavier dos Santos (36), nasceu em Alvorada do Oeste (RO) e faz parte da Companhia de Jesus (jesuítas).
Atua na Área Missionária Santa Margarida de Cortona, com a Pastoral da Juventude, Ministério Extraordinário da Palavra e da Eucaristia e contribuí com o serviço de acolhida aos imigrantes na área paroquial. Mora atualmente em Manaus (AM).

 

1 – Qual seu serviço hoje junto dos povos amazônicos? Como ele acontece?

Joaninha: Minha missão na Amazônia é ser missionária itinerante. Acontece indo de aldeia em aldeia, visitando os povos indígenas, vivendo com eles, comendo com eles e sendo uma presença gratuita; escutando suas demandas e ajudando no processo de empoderamento deles. Como Equipe Itinerante, seguindo as intuições de Pe. Claudio Perani, SJ – idealizador da Equipe Itinerante – é nosso jeito de estar na Amazônia, sem levar receitas prontas. Primeiro chegamos para escutar e depois atender as demandas segundo nos pedem.

Arquelino: Estou inserido no trabalho pastoral da Área Missionária Santa Margarida de Cortona, na periferia de Manaus. Sou uma presença que busca caminhar junto com os demais e de forma amistosa, escutando o povo aqui nos bairros Alfredo Nascimento e Aliança com Deus, na Zona leste da cidade. Tenho acompanhado a Pastoral da Juventude, o Ministério da Palavra e da Eucaristia nas comunidades.

Além disso, dediquei um tempo especial para acompanhar os migrantes que estão na área da paróquia desde que cheguei aqui há um ano. Este trabalho com os migrantes indígenas, da etnia warao, começou devido à procura deles nas comunidades da paróquia. Houve um impacto muito grande nos agentes de pastorais que não sabiam como atender e como organizar, por exemplo, uma pastoral do batismo com eles, pois as dificuldades com a língua e sua cultura eram grandes. Neste sentido, toda a população do bairro Alfredo Nascimento foi impactada.

Neste sentido, criou-se um abrigo com o apoio da ACNUR e da prefeitura de Manaus com o objetivo de tirá-los das ruas e instalá-los neste local, isto é, aqui no bairro, com aproximadamente 600 indígenas, todos migrantes indígenas warao, que se deslocaram da Venezuela para o Brasil. O motivo da vinda dos mesmos à terra brasileira se deve a questões políticas, sociais e econômicas, vivenciadas nos últimos anos.

Uma vez que muitos deles estavam aqui na área paroquial e o pároco, na época o Padre Roque Pedro Follmann, solicitou que eu os acompanhasse, já que era comum a participação deles nas missas e a procura por atividades pastorais, sacramento do batismo e matrimônio. As atividades desenvolvidas com os warao foram diversas: planejamentos de atividades e escutas dos warao para organizar as próprias atividades; visitação às famílias no abrigo; organização de missas no abrigo em sua própria língua; conversações sobre o batismo e momentos de esportes e cultura com jovens indígenas; aulas de português; atividades artesanais. Merece destaque algumas atividades exitosas como o diálogo com a prefeitura em relação aos funcionários que trabalham no abrigo e também com outras organizações que estão presentes lá como o ACNUR e o Instituto Mana.

 

2 – Como você começou a perceber a importância da Amazônia e as possibilidades da sua atuação nela, principalmente diante sua vocação?

Joaninha: Há muito tempo sentia desejos de estar na Amazônia, desde a década dos noventa. Participando das atividades da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), nos momentos de mística quando a Região Norte e Noroeste apresentavam suas demandas, eu sentia minhas entranhas mover-se e eu dizia para mim mesma: “eu quero estar na Amazônia.” Saber das necessidades missionárias, as lutas do povo, as demandas e, sobretudo, a exploração e devastação que sofrem a Amazônia e os seres que nela vivem, algo me movia. Minha vocação fronteiriça também; enfim, uma série de chamados me puxava para estar aqui.

Arquelino: Penso que falar da importância que a Amazônia tem em meu coração requer compreender um pouco de minha história vocacional. O desejo missionário nasceu durante a minha preparação catequética para o batismo, quando conheci os passos da vida de Jesus, pois fui batizado adulto em uma comunidade ribeirinha no Vale do Guaporé, no interior de Rondônia, que também é região amazônica.

As visitas dos missionários combonianos era constante em nossa comunidade. Ademais, marcou o testemunho da minha catequista que decidiu ser missionária na África. Tudo isso chamou a minha atenção, despertou-me o desejo de também ser missionário e doar a minha vida. Mais adiante conheci a Companhia de Jesus, através da revista Mensageiro do Coração de Jesus, e entrando em contato com os jesuítas, fui acompanhado pelo Irmão Napoleão Nunes por algum tempo. Em seguida, fui acompanhado por dois anos, durante o qual fiz discernimento para a vida religiosa na comunidade vocacional Irmão Vicente Cañas, em Porto Velho.

Depois, fui enviado para fazer o noviciado em Manaus, fazendo uma experiência de missão intensa aqui na Amazônia devido a vários experimentos do noviciado: com os indígenas e ribeirinhos, como também com os marginalizados urbanos. Confesso que durante a formação me encantei pela disponibilidade do trabalho e testemunho profético da Equipe Itinerante. Estas experiências foram fundamentais para optar para esta missão aqui na Amazônia. Me encantei pelo testemunho dos irmãos jesuítas nas suas singularidades e na sua simplicidade de vida. Mais tarde, professei os votos religiosos na Companhia de Jesus como Irmão Jesuíta. Sinto-me feliz servindo a esta missão, considerando que muita gente não se dispôs a fazer um trabalho tão exigente. Esta realidade desafiadora me inspira a sair de mim e fazer-me um peregrino no serviço com Inácio e seus primeiros companheiros: “Homens ardentes de paixão pelo evangelho” (CG 36).

3 – Qual maior desafio que você vê hoje para essa região?

Joaninha: Estar na Amazônia, é um convite a “nascer de novo” (Jo 3,7). A Amazônia nos convida a estar abertos e deixar-se conduzir por Deus. Mundo das águas, cosmovisão totalmente distinta das demais regiões brasileiras. Aprender com o povo. Saber que Deus já está aqui antes que você chegasse. Experimentar e desenvolver a virtude da confiança… Estar dois dias numa canoa subindo ou descendo rios, e confiar totalmente no rio e no canoeiro. É uma experiencia onde você não controla nada. Ou você confia e experimenta Deus aí, cuidando de você, ou fica tenso e rígido o tempo todo perdendo esta aventura de abandono e confiança.

No meu caso, vivendo na fronteira entre Brasil/Peru/Bolívia, me deparo com situações bem desafiadoras: megaprojetos que devastam a vida da região, madeireiras, mineradoras, petroleira. Gente que queima aldeias e você se sente uma formiguinha diante da situação. No dizer do Papa Francisco, quando esteve em Peru no 2018, “provavelmente a Amazônia e seus povos nunca estiveram tão ameaçados como estão agora.”

Arquelino: Aqui temos vários desafios. A situação da migração forçada dos venezuelanos em Manaus exige mais devido à localização da cidade, que é uma metrópole amazônica e está próxima da fronteira com um número expressivo de migrantes que tendem a ficar por aqui. Outra questão são os povos indígenas dessa região amazônica que migram para a cidade de Manaus. Aqui, na cidade, seus direitos são violados e eles ficam marginalizados nas periferias. A situação da juventude da periferia está marcada pelo tráfico de drogas, prostituição, situação de desemprego e falta de políticas públicas. Além disso, ocorre também o aumento do suicídio desta população.

 

4 – Qual maior alegria que você já viveu ou vive no cotidiano dessa região?

Joaninha: Minha maior alegria é chegar nas aldeias, depois de dois dias e meios de viagem, “quebrada” fisicamente. E as pessoas descem correndo os barrancos e me recebem com tanta alegria e gratidão por eu ter ido visitá-las, que me enche de alegria e me faz esquecer a dureza do caminho. Também quando andando pelas ruas de Assis Brasil, no Acre, fronteira com Peru e Bolívia onde estou, e os indígenas me param e perguntam: “Irmã, quando você vai nos visitar de novo?” Isso para mim confirma a necessidade de estar ali “onde ninguém que estar, como ninguém quer estar e onde ninguém quer estar.” (Pepe H, SJ)

Arquelino: É ver as atividades se realizando mesmo que a passos lentos. Principalmente, no trabalho com os warao e nas parcerias de organizações, nas quais organizei atividades em comum com o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), nas Aldeias Infantis SOS – Super Panas, Acnur e Instituto Mana. Outro ponto favorável foi ver a realização desses migrantes reconstruindo suas vidas e se tornando autônomos, isto é, começando uma nova vida aqui no Brasil, mesmo com todos os preconceitos e dificuldades enfrentadas. Outro aspecto que me deixou feliz foi quando servi de intermediário ou “ponte” entre o povo warao e as igrejas aqui de nossa paróquia.

5 – O que você diria para as pessoas que ainda não vivenciaram a Amazônia?

Joaninha: Venha! A Amazônia precisa de você. Amazônia é um lugar de missão. É lugar de estar ao serviço da ecologia, dos seres, em um espírito totalmente desprendido e interligado, aberto a acolher e aprender, desconstruir e reconstruir. Amazônia tem um encanto próprio. Uma vez na Amazônia, você se sente da casa e já não deseja mais sair. Há uma magia própria. Venha, “Avance para águas mais profundas. E lance suas redes para pescar!” (Lc 5,4)

Arquelino:  Que a Amazônia é um lugar de missão além “fronteira”: com cultura viva de povos originários, com biodiversidade e, um lugar de muita riqueza ecológica que nos abre a possibilidade de uma ecologia integral. Lugar que exige um olhar de cuidado por parte de todo mundo. Penso que todos somos chamados a viver esta espiritualidade amazônica da integralidade do bem viver, buscando a harmonia com a natureza e com as culturas tradicionais e lutar por equidade.

Cada pessoa que vem para cá deve estar aberta para acolher o novo da espiritualidade amazônica. Precisamos “desmatar” não a floresta, mas a “amazônia” de nossas ignorâncias, para melhor compreender e viver a realidade daqui. Ou seja, somos chamados a uma conversão à Amazônia, isto é, a tudo o que ela representa para a vida da humanidade e do planeta e, desta forma, transformar as nossas vidas.

Ampliando a questão da Amazônia, é preciso compreender que não é uma questão reduzida a problemática regional, embora esteja inseparável dela. Trata-se de uma questão que abrange o globo terrestre, ou seja, é um problema mundial e que envolve a sobrevivência da humanidade. Exige o cuidado de “nossa casa comum”, cujos os problemas estão relacionados com todas as regiões do planeta. Para o cristão é fundamental conhecer o documento “Laudato Si’”, do Papa Francisco, como também conhecer os debates atuais relacionados com o saneamento básico, a questão da privatização da água – Fórum das Águas –  o debate sobre o desenvolvimento – o problema do desmatamento de um modelo econômico depredador. Devemos aprender com povos originários uma nova relação com natureza, isto é, uma relação respeitosa, que também envolve uma mística em que o ser humano e a natureza são aliados e não inimigos.

 

Confira as entrevistas relacionadas a:
– Vocação Sacerdotal
– Vocação Familiar

 

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E anote na agenda: 31 de agosto, às 19h, em nosso YouTube e Facebook teremos um painel ao vivo com as diversas vocações.

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