“O sentido está guardado no rosto com que te miro” (Cecília Meireles)

Nós conhecemos os rostos, temos familiaridade com os rostos, aprendemos a colher as suas expressões e nelas ler a alma da pessoa. Na realidade, não vemos com os olhos, vemos com o nosso rosto. Dizendo de outro modo, o olhar não se encontra nos olhos, mas no rosto. Os olhos nada dizem, mas o rosto com que olhamos guarda um segredo. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do seu olhar. E o rosto da criança revela à mãe o segredo do seu olhar.

A palavra é a linguagem dos pensamentos, o rosto a linguagem das emoções, uma linguagem universal, não ensinada e não aprendida em parte nenhuma, mas por todos compreendida. As emoções falam a mesma língua em todos os tempos e lugares. A face humana é carregada de sentido. Fala, sem utilizar palavras, diz sem soltar a voz. De repente, a face humana apresenta-se, comparece inesperadamente. A face humana é mistério. Ata e desata segredos. É presença. Está exposta a todos. É patente. Está aí. Pode ser vista, pode ser comentada, pode ser seguida.

Palavras e expressões do rosto andam juntas e se interpenetram

As expressões do semblante, o olhar, a voz, o sorriso, é uma linguagem na linguagem, um dizer no dizer, um texto inconsciente, sanguíneo, que se insere no texto verbal consciente. As expressões do rosto falam mais do que as palavras, porque manifestam inúmeros significados a partir da personalidade humana. Elas completam, confirmam e por vezes contradizem o que é dito com palavras e revelam, muitas vezes melhor que as palavras, a veracidade da pessoa. Acrescentam um complemento inconsciente de cor e de verdade às palavras, às vezes absolutamente contra a vontade de quem fala. A sua espontaneidade imediata precede as intenções.

A linguagem do rosto vem do fundo. Nas suas expressões aflora o íntimo do indivíduo, o mundo dos seus estados de ânimo, os quais, sendo intrinsecamente não verbais, fogem à linguagem articulada. E é uma linguagem verdadeira porque as emoções não mentem. A face expressa a identidade da pessoa, ela revela o universo humano, é cenário de certezas, de decisões, de dúvidas, de aspirações, de dramas, de temores, de arte. Não basta contemplar faces humanas. Importa ler e entender a face humana. É preciso ser perspicaz para interpretar o sentido da face humana.

Na face humana escondem-se mensagens intrigantes

Há face humana que nos tranquiliza e há face humana que nos inquieta. Há face que nos desafia e há face que nos acalma. Há face que nos sossega e há face que nos encabula. Há face que nos acorda e há face que nos entorpece. Há face que nos questiona e há face que nos cala. Há face que nos estimula a partir e há face que nos convida a voltar atrás. Há face que nos agita e há face que nos imobiliza. Há face que nos acaricia e há face que nos agride. Há face que nos alenta e há face que nos deprime. Há face sincera e face desleal, face responsável e face fugidia, face destemida e face covarde, face resoluta e face imatura, face pacífica e face violenta. A face humana pode ser ousada ou amedrontada, alegre ou tristonha, atraente ou esquiva, acolhedora ou ríspida, audaciosa ou traiçoeira, inocente ou culpada. Há face de amor e face de ódio, face de ternura e face de cólera, face de esperança e face de angústia, face de protesto e face de silêncio. Há face dialogal e face narcisista, face solidária e face egoísta, face sensível e face petrificada, face sublime e face trágica, face repousante e face atormentada, face festiva e face sofrida, face orante e face incrédula. Há face humana que liberta e face humana que escraviza, face que defende e face que acusa, face que aplaude e face que condena, face que encanta e face que desencanta, face que luta e face que foge, face que dança e face que chora.” (J. Arduini)

É muito frequente na bíblia a menção à face de Deus para indicar a sua presença e o reconhecimento recíproco entre Ele e a criatura. “É tua face, Senhor, que eu procuro, não me escondas tua face” (Sl 27,8). A face humana tem sempre muito a dizer, por isso, é preciso iluminá-la com a transparência da face de Deus. E, assim, a face humana se tornará, cada vez mais, clareira inapagável.

Texto Bíblico  Mt 6, 16-18

 

# Clique aqui e faça o download da versão impressa desta reflexão
Veja também a reflexão de semana passada

 

Compartilhar.
Deixe uma resposta