Discernir não é apenas decidir

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Autobiografia, 96

Escrito por Shirley Almeida

Frio ou calor? Doce ou salgado? Romance ou ficção científica? Certamente, enquanto íamos lendo essas perguntas, mentalmente, já íamos respondendo. Mas se as perguntas fossem: mudar ou permanecer? Ficar ou partir? Desistir ou insistir? Possivelmente, muitas outras perguntas surgiriam antes de as respostas estarem prontas. Eis aí a diferença entre decidir e discernir.

Decidir já vem pronto, embalado, é, muitas vezes, a continuidade de uma experiência anterior. Se já experimentou, já sabe a resposta. Caso não, basta experimentar para dizer dali em diante.

Discernir vai muito além, não deixa de ser uma decisão, é claro, mas é uma decisão mais profunda, que requer análise de cenário, requer tempo, requer escuta atenta, requer entrega, requer confiança.

É necessário análise de cenário, porque o discernimento se baseia na realidade onde os pés pisam… E isso tem uma geografia, tem um momento histórico e tem suas circunstâncias presentes. Uma decisão de mesma natureza já pode ter sido tomada anteriormente, mas se ela é colocada em discernimento, trará novas justificativas, no mínimo.

Há também que se ter em conta a perspectiva do processo, ir contra a celeridade dos tempos e encontrar uma fenda no tempo absoluto para olhar o tempo relativo. Assim, encontrar o tempo exato que dá conta daquela decisão específica, nem tardando, nem atropelando.

Tem-se ainda de favorecer a escuta atenta. Escutar sem julgamento a si, aos outros e à realidade, a fim de se colecionar elementos que favoreçam esse momento de escolha. No discernimento, estamos diante de duas coisas boas e definir qual delas seguir, tem de levar em conta, necessariamente, o bem maior.

E isso é importante, inclusive, para entender que tal escolha não é a partir dos nossos racionalismos, somente, mas precisa ser iluminada pela Graça, por isso a entrega.

Esta ação cruza a linha do óbvio e abraça o transcendente, vislumbra-se, aqui, portanto, a confiança na ação do Espírito.

E tudo isso embebido sempre da pergunta: o que mais leva “à maior glória de Deus”?

Dessa maneira, em discernimento, também agiram Inácio e seus companheiros que tanto desejavam ir a Jerusalém, mas que diante dos desafios, refletiram: o melhor seria ir a Jerusalém ou a Roma?

Confiaram nos desígnios de Deus (“Eu vos serei propício em Roma”¹, sente na oração, Inácio); se entregaram diante do Mistério (“Eu não sei o que será de nós: talvez sejamos crucificados em Roma”¹, reflete Inácio sobre o que ouvia na oração); escutaram os apelos (“Quero que tomes este por teu servidor¹, contemplava o Peregrino, enquanto rezava); deram o tempo necessário e analisaram o cenário (“Depois, terminado o ano, não se encontrando passagem para ir a Jerusalém, decidiram ir para Roma”)¹.

Nessa época, não estiveram acomodados, mas deram o melhor de si dentro das circunstâncias que tinham e se colocaram humildemente diante de Deus nesse um ano determinado para a definição da decisão. Estiveram atentos à oração e tiveram seus momentos de mais inspiração (“nesta viagem o Peregrino foi muito visitado pelo Senhor”¹). Foi nesse período que, depois de uma visão marcante de Inácio, ele se inspirou para escolher o nome da Congregação: “Parecia ver Cristo com a cruz às costas e o Pai Eterno junto d’Ele que lhe dizia: ‘Quero que tu nos sirva’. E, com isto, tomando grande devoção ao nome de Jesus, quis que a Congregação fosse chamada Companhia de Jesus”.

Tudo isso nos faz olhar para a caminhada da vida. Normalmente, temos pelo menos dois caminhos a escolher e o evangelho é muito claro sobre em que se baseia a escolha: “escolhe, pois a vida”; escolhe “cantar a beleza da vida, presente do amor sem igual, missão do teu povo escolhido”. É nossa missão.

Assim, na gravidade do momento histórico que temos vivido, precisamos nos refazer, revisar as escolhas já feitas, ratificá-las e, outras vezes, retificá-las. Portanto, em oração, nos coloquemos diante de Maria, peçamos a Graça de nos fazer grávidos, em resposta a todo mal a nós imposto, a fim de dar à luz a novos tempos, tempos de Verdade, Fraternidade e Justiça.

Então: o que precisamos, hoje, colocar em discernimento na nossa vida? Quem e o que pode nos ajudar nesse processo? Que passos preciso dar para me colocar a caminho “para a maior Glória de Deus?”

Leitura Bíblica: Dt 30, 15-20

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Veja também a última reflexão.


¹ Autobiografia de Santo Inácio de Loyola

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