“A vida não é mais do que o alimento e  o corpo não é mais que as vestes?” (Mt 6, 25)

 Vivemos num ritmo frenético de trabalho, produção e consumo. A vivência distorcida e atormentada do tempo em nossa sociedade e cultura necessita uma nova perspectiva. Toda a indústria da saúde, do corpo, do exercício físico, do turismo, do descanso, é expressão da tentativa de sair da angústia de uma vivência sem sentido e desumanizadora do tempo. Os “spas”, os balneários, as escapadas nos feriados prolongados e finais de semana revelam a ansiedade e o mal-estar diante de nossa vida rotineira e estressante, bem como a necessidade de romper com a roda das pressas, dos nervosismos, do ativismo, das frustrações e inseguranças que o tempo gera. Temos a sensação de que o tempo nos escapa das mãos e, com ele, a vida mesma e seu sentido.

Precisamos de espaços e tempos para nós

Seja para a convivência, para a relação, para o repouso contemplativo, para o nosso corpo e suas exigências. Buscamos uma alternativa que seja mais humanizada. Integrar-se mais pacificamente no fluir do tempo, vivê-lo amavelmente sem estresse, reconciliar-se com o tempo, desfrutá-lo com prazer e alegria e ao mesmo tempo de modo distendido e com paixão, ter a tranquilidade suficiente para realizar com gosto, criatividade, paz e concentração as atividades que cabem a cada um assumir: eis a questão!

Buscar uma nova maneira de viver o tempo, de senti-lo, de captar sua força e beleza, seu sentido e sua plenitude, de perceber o pulsar profundo de nosso modo de estar na vida, este é nosso desafio diário. Nos momentos de alegria, de prazer, de descanso, de festa, o tempo torna-se um aliado que constrói nosso ser, uma energia que nos alimenta, que nos capacita para o melhor e o mais alto. Só assim estaremos no tempo, com o tempo e quase como fora do tempo. O sentido, o amor, a felicidade transbordam o tempo e o transformam, põem-no a nossos pés, à nossa disposição, o entregam como o dom de um momento especial para viver em plenitude.

Do ponto de vista da fé cristã, o tempo é um dom de Deus e está pleno de seu Espírito. O tempo cotidiano se converte no espaço da atuação benevolente de Deus, em seu Cristo e no Espírito. Nosso tempo é o objeto da amorosa comunicação divina, o ambiente da presença e da atuação progressiva do Santo Espírito de Deus, o espaço para ir amadurecendo e crescendo na vida cristã, como um caminho de progressiva cristificação e identificação com o jeito de Jesus viver o tempo.

Não vivemos mais na ansiedade e  urgência de ter mais tempo

Sobra-nos todo o tempo, como presente para dar glória a Deus e para dilatar seu Reino. O tempo é para viver os dons de Deus e desfrutá-los. Não há motivo para a angústia nem para a pressa superficial. Nesse sentido, para o cristão, o tempo não é desvalorizado, pois este sabe que o eterno se manifesta na temporalidade. O tempo histórico, em toda sua riqueza e significado, é o tempo da Graça e do dom. Por isso, o transcurso do tempo, longe de se constituir um peso, é um grande aliado de seu desejo, de sua vida e de sua fé.

Encontramo-nos mergulhados no tempo da história, levados e sustentados por Deus, Senhor do tempo, que nos fala no tempo, comunica-se a nós no tempo, nos conduz no tempo, nos perdoa no tempo, nos convida a trabalhar com Ele no tempo; no tempo nos sacode e nos interpela, no tempo nos capacita para anunciá-Lo e transformar o mundo segundo seu desígnio original. Cada dia, cada tempo se apresenta a nós como um dom de Deus, tal como aponta a “Contemplação para alcançar amor” nos Exercícios Espirituais. Segundo Santo Inácio, Deus cria o tempo e a história para “dar-se a mim quanto pode, segundo sua divina determinação” (EE 234). E nossa resposta se constrói, então, no “em tudo amar e servir”, conscientes de que “o amor deve-se pôr mais em obras que em palavras” (EE 230), para culminar, segundo a última frase do livro dos Exercícios Espirituais, no “estar em união com o amor divino” (EE 370).

A espiritualidade inaciana, marcada pelo tempo de Deus, pode nos ajudar a fazer essa passagem do tempo insensato (sem sentido) ao tempo sensato (com sentido). Tal espiritualidade é uma boa notícia com respeito ao modo de estar no tempo e nos introduz na dinâmica da vida que se abre às surpresas do Senhor dos tempos. Nessa perspectiva, não vivemos o tempo como se este fosse algo meramente plano e indistinto. Cada dia e cada momento tem seu matiz, sua cor e sua novidade. Não é o mesmo a primavera que o inverno, ou o sábado que a segunda-feira.

Texto Bíblico: Ecl 9, 7-12 / Gl 4, 4-11 / Ef 5, 15-20 / Mt 6, 25-34

 

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