Em sua análise sobre o comportamento humano, Erich Fromm destaca a profunda alienação que se produz a partir dos modos ocidentais de consumir. “Consumir” deixou de ser uma experiência significativa, humana, para converter-se em um modo de satisfazer fantasias artificialmente estimuladas, fantasias que na realidade são alheias a nosso ser real e concreto. Comemos e bebemos as fantasias que a publicidade nos fornece e impõe. Consumir se fez deste modo um fim em si mesmo; um fim, além do mais, de caráter claramente compulsivo e irracional e com o qual o ser fica substituído pelo ter; e isso a tal ponto que, na sociedade atual, se pode chegar à identificação perversa segundo a qual o sujeito poderia afirmar com verdade: “eu sou o que consumo”.

O desejo se enlouquece numa dinâmica de insatisfação permanente. A partir da negativa em reconhecer o limite, sempre há um algo mais que a sociedade parece querer mostrar-nos para que nossa necessidade se multiplique ao ritmo de seus interesses de produção. A sociedade de consumo sabe que nos falta algo e se oferece, diante de nós, como quem o possui e pode oferecê-lo. A estratégia é inteligente. Porque esse algo que nos falta é, na realidade, um objeto impossível. Por isso o engano funciona: nos iludimos que é o carro, a casa, o aparelho eletrônico, mas nada disso chegará jamais a suprir a carência de base que é a fonte do desejo. 

Por isso, sempre poderá aparecer uma outra coisa que desperte a fantasia e que essa sim poderá, finalmente, suprir e completar o que nos falta. O engano se faz permanente e infinito. Nunca o automóvel que temos será o melhor, nunca nosso aparelho eletrônico terá as qualidades que nos fariam mais eficientes, nunca a casa que habitamos terá as comodidades que nos proporcionem uma suficiente qualidade de vida, nunca a roupa que vestimos estará à altura do status social que pretendemos ostentar frente os outros. E assim até o infinito.

A insatisfação pode chegar  a ser muito profunda

Deste modo, também o próprio desejo fica encoberto, obturado, substituído pelo discurso do outro, neste caso, desse outro que é o sistema socioeconômico. A pessoa se perde e tão longe fica de seu próprio desejo que, com toda razão, pode-se dizer que já não sabe o que quer. Os outros dizem por ela. Tanto mais profunda quanto mais apareçam outros que revelam ter conseguido de modo mais completo as aspirações falsamente suscitadas por esta ordem socioeconômica. A rivalidade, a inveja, a destrutividade e a privação dos mais fracos, se desencadeiam com toda facilidade.

Tudo isso a partir de uma consciência anestesiada pelo mesmo sistema, que parece converter em natural os maiores despropósitos e atropelos. Neste sentido, torna-se surpreendente e alarmante ao mesmo tempo, essa boa consciência no “homo economicus” de nossos dias. Inclusive a corrupção pode chegar a converter-se em algo absolutamente normal, norma do jogo, algo obrigatório para o desenvolvimento de qualquer tipo de atividade econômica que se pretenda realizar. A culpa praticamente desaparece da consciência por efeito desta anestesia ambiental. E serão pouquíssimos também os que conseguem perceber a necessidade de uma denúncia.  Quem se atreve se são tão evidentes os “bons resultados” desta lógica do negócio?

Os caminhos atuais nos  conduzem a uma lógica perversa

Cuja imagem mais lúcida são os santuários de consumo (shopping centers) de nossas cidades convertidos na “representação mais acabada do jardim das delícias”, tal a profusão de elementos e fantasia. Torrentes de luz, quilômetros de vitrines, colorido infinito: é a vitória da cidade capitalista sobre a escassez. Não se pode abarcar todo conjunto de manjares e bens. Ser consumidor significa saber que nas vitrines sempre há mais do que pode levar.

O que importa é mostrar que ali existe tudo e muito mais do que podemos desejar. Por isso, às vezes vamos ao shopping não para comprar, mas para constatar que tudo está ao alcance da mão ou que sempre haverá inclusive mais do que hoje podemos conseguir. Deste modo, o possível se faz desejável e o desejável acaba se convertendo em necessário. O desejo se perverte, assim, em um maléfico deslocamento para a possessividade material, desencadeando uma dinâmica autenticamente perversa. O império do consumismo e da diversão inscreveu o direito da regressão no registro geral dos direitos humanos.

Uma mentalidade de “uso e consumo” impregna,
com efeito, os modos de relação

Se a finalidade é consumir e acumular para continuar consumindo, o outro se converte numa realidade secundária ou, pior ainda, num mero instrumento que se manipula para conseguir um maior proveito. Desse modo, a manipulação superficial e descomprometida do outro, tal como encontramos na dinâmica mais íntima da atualidade, se converte em modo social de encontro.

Texto Bíblico: Lc 12, 13-21  /  Lc 12, 22-32

 

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