“Santo Inácio me ensinou a teologia do coração”
(São Felipe Neri)
Inácio nos apresenta uma antropologia da interioridade, do “sentir e saborear as coisas internamente”. Mas não se trata de uma interioridade puramente introspectiva ou sentimental, e sim uma interioridade alterada, habitada e constituída por uma relação com Alguém. Inácio distingue 03 pensamentos que podem alterar-nos: “um propriamente meu, o qual sai de minha mera liberdade e querer, e os outros dois que vem de fora: um que vem do bom espírito e o outro do mau” (EE 32).
Isto implica uma antropologia com alteridade, uma pessoa alterada e afetada por Outro. A pessoa dos Exercícios se experimenta a si mesma constitutivamente alterada por Outro: “o ser humano é criado” e chamado, busca viver em sintonia com a Criação, deixando-se conduzir somente por um amor que desce do alto.
A interioridade, nos Exercícios, não se deleita nela mesma, senão que se constitui numa relação, na qual o Criador e Senhor se comunica à pessoa abrazando-a e dispondo-a, tirando-a de si, “alçando-a toda a seu divino amor”. Uma relação Criador-criatura na qual é desejável que não haja interferências, para que se “deixe agir imediatamente o Criador com a criatura e a criatura com o Criador” (EE 15). Mas a relacionalidade, a interioridade e a alteridade encontram seu cumprimento fora de si mesmo, pois “tanto se aproveitará cada um em todas as coisas espirituais, quanto mais sair de seu próprio amor, querer e interesse” (EE 169).
Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal
“Viver em profundidade” significa entrar no âmago da própria vida, descer até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo “aquilo que se é, o porque do que se faz, se espera, busca e deseja”. A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida.
É no eu mais profundo que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser. Assim, a descoberta do nosso próprio ser profundo nos aproxima do autor da vida: Deus. É no coração, “última solidão do ser”, que a pessoa se decide por Deus e a Ele adere. Aqui Deus marca encontro com a pessoa.
“Deus é mais íntimo a cada um de nós do que nós mesmos”
(Santo Agostinho)
Cada pessoa leva dentro de si mesma a pegada de Deus, que atua sob a forma de desejo insatisfeito. A oração inaciana é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.
Inácio nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece. Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades, riquezas insuspeitas, capacidades, intuições, e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis. É ele que cava no nosso coração o espaço amplo e profundo para nos comunicar a sua própria interioridade.
Os que mergulham nas profundidades do oceano interior ficam fascinados pelo esplendor daquilo que contemplam
O coração de cada um está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo; busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos; sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude; sente-se atraído por um desejo irreprimível de auto-transcendência.
Textos Bíblicos: Mt 13, 44-46 / Sb 7, 7-30 / Sl 138
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