“Deus é maior porque se faz menor”

A pessoa inaciana vive de paradoxos desde o início de sua caminhada. Viver o paradoxo implica sempre o seguimento de Jesus (Deus homem), mas aqui, tomado como carisma, como modo habitual de ser. Santo Inácio de Loyola convida cada um a viver este paradoxo desde a contemplação da Encarnação onde, por uma parte, nos faz ver “como as três pessoas divinas olhavam toda a superfície plana ou curva do mundo”, nos faz contemplar “a sua eternidade” dessas três pessoas (EE 102), mas num segundo momento, nos faz verificar “particularmente a casa e os aposentos de nossa Senhora, na cidade de Nazaré, na província da Galiléia” (EE 103).
Ninguém como Inácio viveu a experiência de Deus como a de um Deus maior, sempre maior. Deus não tem tamanho para Inácio. E, no entanto, ele vê a revelação desse Deus privilegiadamente no menor. Em Jesus Cristo, Deus assume a condição humana, adentra nas dimensões mais negativas, humildes e difíceis da condição humana, na vulnerabilidade da humanidade, no caminho menor. É essa experiência que dá a Inácio a flexibilidade de ir do máximo para o mínimo e no mínimo encontrar o máximo, que no fundo é o segredo de “encontrar Deus em todas as coisas”.

Quem vive a inacianidade, aprende na escola da oração a frase que define o modo de Inácio de “non coerceri maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”, que pode traduzir-se como “não amedrontar-se diante do maior e, no entanto, caber no menor, isso é divino”. Também ali aprenderá a “fazer todas as coisas como se dependessem de nós, sabendo que, em definitiva, dependem de Deus”. Dois paradoxos significativos! Um nos dispõe à aparente contradição de não conhecer limites para enfrentar o maior e, no entanto, poder estar pacificamente ajustado no menor. O outro faz referência a pôr toda a confiança no Senhor – a tal ponto que não haja a mínima intimidação diante de qualquer empreendimento – e ao mesmo tempo pôr todos os meios humanos para sua realização, consciente sempre da própria limitação pessoal.

Esse é um dos traços característicos da personalidade de Inácio: não ser detido pelo máximo.

Nenhum ideal lhe parecia suficientemente grande. E, no entanto, sabia concretizar isso no mais humilde, no aparentemente insignificante. Essa capacidade de encontrar o máximo no mínimo gera audácia, criatividade, originalidade. Tudo passa a ter valor, tudo tem sentido, tudo é sagrado. Cada detalhe da vida se integra e se enriquece no conjunto, o cotidiano fica iluminado pela eternidade. Aqui nasce o impulso a fazer mais, sempre mais pelos demais, pondo o coração naquilo que faz.
Neste traço, novamente, a experiência de ser pecador/a perdoado/a lhe dá um matiz específico: é a grande mola da contínua conversão. É captar a essência mesma do Evangelho no qual o/a pecador/a é a quem mais se ama. É o grande paradoxo de sentir-se indigno e ao mesmo tempo ser chamado/a para a missão, para a tarefa do Reino (1Cor 1, 25ss). É nunca pedir diretamente para estar na bandeira de Jesus, mas suplicar para ser posto com o Filho, “somente se sua divina Majestade for servido e me quiser escolher e receber” (EE 147)

Este traço da espiritualidade favorecerá a que a pessoa inaciana realize tarefas de fronteira e de riscos extremos, abraçando, por exemplo, coisas que podem soar contraditórias em si mesmas: a máxima enculturação a partir da máxima fidelidade ao Evangelho. Poder ser revolucionário/a e cristão/ã, ser capaz de criticar a Igreja e, ao mesmo tempo, sentir-se filho/a, amante dela. O paradoxo, para a pessoa inaciana leiga, pode ser experimentado de maneira especial em determinados âmbitos. Por exemplo, o do prestígio profissional e o consequente melhoramento econômico, a necessidade de assegurar um futuro economicamente tranquilo, a busca do magis que impulsiona a querer melhorar, a buscar pontos chaves de influência, e, ao mesmo tempo, o convite a ir sempre “para baixo”, para as maiorias despossuídas, para o encontro com os mais pobres e excluídos. É ajudar a que o pobre acredite no pobre, o máximo paradoxo social e político.

Outro paradoxo, outra aparente contradição é a da primazia do agir, da participação na vida social do mundo, e ao mesmo tempo, a busca de espaços de silêncio, deserto e oração; a opção pela austeridade no modo de vida, mas não regateando a excelência dos meios; ou a dificuldade para conciliar o tempo que a família exige com o tempo que o trabalho apostólico também exige.

Textos Bíblicos: Mt 6, 25-34 / Lc 1, 26-38 / lCor 1, 17-31 / 2Cor 12, 1-10 / 2Cor 4, 7-15

 

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