“Conhece-se a Deus pelos pés” (Carlos Mesters)

Os Exercícios Espirituais são o fruto de um caminho de fé vivido por Santo Inácio. Para ele, o caminho não é só o trajeto de uma pessoa para Deus, mas também o trajeto de Deus em sua aproximação à pessoa. A realidade está dominada por um Deus que também empreendeu um caminho para o ser humano. O ser peregrino por parte da pessoa corresponde ao ser peregrino por parte de Deus.

O caminho se converte, então, em caminho para um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos. Tanto nos Exercícios como nas outras fontes inacianas, descobre-se que Inácio recorre com frequência à linguagem metafórica do caminho para descrever a mobilidade, o dinamismo do encontro pessoa-Graça. De fato, a Graça, longe de ser vista como algo estático, é apresentada como “um poder vivo, que desperta no homem um movimento. Não é um dom puramente ocasional, mas um acontecimento contínuo” (Kraus).

Deus é o que move

Tal afirmação acima (retirada da Carta de Santo Inácio a Alexio Fontana, 08/10/1555) é a síntese não tanto do que é a Graça para Inácio, quanto de sua manifestação mais patente no acontecimento de seu encontro com o ser humano. A aceitação da Graça, equivale, então, à incorporação a uma caminhada.

À ação da Graça associa-se o desejo da pessoa. Na união de ambos está a condição de possibilidade por meio da qual a pessoa acaba constituindo-se em caminhante. Para o povo que caminha no deserto, é essencial conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos da Graça. Esta é a grandeza do ser humano: ser um caminhante que, de acampamento em acampamento, não cessa de passar da servidão à terra da liberdade.

O encontro Pessoa x Graça, em Inácio, é “excêntrico”.  Os Exercícios conduzem efetivamente a um descentramento, deslocando a pessoa e colocando-a num movimento para fora. Não podemos esquecer aqui o princípio inaciano de que “cada um deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto mais sair do seu próprio amor, querer e interesse” (EE 189). Em cada exercitante brilha uma luz que aponta para a fonte e conduz para a meta que o faz peregrinar. Os Exercícios não ensinam chegadas, só partidas. Esse é o desafio: “entrar” no caminho de Deus é viver em terra de andanças. E a pessoa, impelida e atraída pela mão divina, há de evoluir numa peregrinação sem fim.

Em nossas entranhas, fomos feitos com “fome de estrada”. Nascemos com essa inquietude: nossa vida é uma longa jornada. “Temos fome e sede de estrada, e ela está ardendo por dentro”. Guimarães Rosa dizia que a coisa não estava nem na partida e nem na chegada, mas na travessia. A vida é uma travessia. Os convites de Deus são absolutos e constantes. Se estamos apegados ao que temos, jamais seremos capazes de “fazer estrada com Deus” e participar da preciosa vida que Ele nos oferece.

“Não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar” (Thiago de Mello)

Inácio vê o exercitante em direção, em tensão-para, diante da inevitável pergunta: “que mais nos conduz para o fim que somos criados?” A resposta a esta pergunta não se limita a um instante, senão que se prolonga sem fim num somente desejando e elegendo, num confronto contínuo com moções e com espíritos. O desafio de situar-se novamente e continuamente diante de seu fim transcendente representa para a pessoa um “pôr-se em marcha”.

Ela tem de aventurar-se, abrir-se “à Vontade divina na disposição de sua vida para a sua salvação” (EE 1).
Se há algum significado na vida, ele se encontra no caminho, entre o aqui e algum outro lugar.
Pioneiras são as pessoas que vão a lugares em que ninguém esteve antes: “gente de fronteira”.

“Peregrino, peregrino, que não sabes o caminho: aonde vais? Sou peregrino de hoje, não me importa onde vou; amanhã? Nunca talvez. Admirável peregrino, todos seguem teu caminho” (Manuel Machado)

Jesus Cristo é o modelo de toda peregrinação; com sua peregrinação Ele abre possibilidades de outros caminhos. O Rei Eterno convoca a um seguimento que não está desligado de seu próprio caminho. Jesus, o homem dos Caminhos, chama na vida e para a vida e põe as pessoas em movimento. Faz-se do chamado um caminho, quando se partilha a vida com quem chamou. Responder ao chamado feito por Jesus significa tornar esse chamado um caminho de entrega e de serviço.

Textos Bíblicos: 2Sm 7,1-17 / Ex 33, 7-23 / Hb 11, 8-16 / Mc 10, 46-52 / Gn 12, 1-12

Na Oração: Rezar pela bagagem da vida.

 

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