“Pureza de coração é desejar uma só coisa” (Kierkegaard)

Havia, outrora, num país distante, um rei que todos amavam. Os sábios o amavam por sua sabedoria. As mulheres o amavam por sua beleza e suas palavras de poesia. Os soldados o amavam por sua coragem e bravura. O povo o amava por sua justiça. E todos o amavam porque sua face tinha a alegria do rosto de uma criança. Passou o tempo. Imperceptivelmente ele colocou no rosto do rei as marcas da velhice. Olhando-se no espelho e contemplando seu rosto marcado pelo tempo, ele disse para si mesmo: “Quero que o meu povo se lembre sempre do meu rosto de menino. Não quero que, olhando para mim, as pessoas digam com tristeza: Como ele era belo quando jovem!”

Assim, ordenou que se construísse para ele, num lugar alto e solitário de uma montanha, uma cabana simples, onde passaria o resto dos seus dias, longe dos olhos de todos. Terminada a construção, despediu-se dos que o amavam, da sua esposa e dos seus filhos, despediu-se dos seus palácios e jardins, do seu cão e dos seus cavalos, para nunca mais voltar.

Depois de muito caminhar chegou ao topo da montanha onde sua cabana fora construída. Olhou em volta e viu os cenários que se estendiam à sua volta, sem fim. Respirou o ar frio. Escutou o silêncio marcado pelo sopro do vento e o pio dos pássaros.  Examinou sua cabana tosca. Experimentou, então, algo que nunca havia experimentado em sua vida: a indescritível liberdade de nada possuir (Conto oriental de Marguerite Yourcenar).

É hora da pureza de coração, quando todos os  supérfluos têm de ser deixados de lado

Há momentos na vida em que o coração é como o voo dos pássaros durante o dia: oscila em todas as direções, sem saber direito o que quer, ao sabor das dez mil coisas que o fascinam, tão desejáveis, cada uma delas uma taça de prazer. Chega um momento, entretanto, em que é preciso escolher uma direção – é preciso descobrir aquela palavra, aquele valor, aquela consigna, aquele projeto, para sabermos por onde ir. Não existe nada que satisfaça o coração. As pessoas pensam que existe algo que, se elas tiverem, as fará felizes.

“Dá-me lírios, lírios, e rosas também.  Dá-me rosas, rosas, e lírios também. Crisântemos, dálias, violetas, e os girassóis acima de todas as flores. Dá-me às mancheias, por cima da alma, dá-me rosas, rosas e lírios também. Mas por mais rosas e lírios que me dês, eu nunca acharei que a vida é bastante. Faltar-me-á sempre qualquer coisa, sobrar-me-á sempre o que desejar” (Álvaro de Campos)

Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio apresenta uma meditação típica, com três classes de pessoas, no objetivo de provar a sinceridade do nosso querer e verificar se estamos dispostos a renunciar tudo aquilo que aprisiona a liberdade, não desejando nenhuma coisa a não ser o maior serviço e glória de Deus. Liberdade total.O terceiro tipo de pessoas quer proceder como quem deixa tudo afetivamente, esforçando-se em não querer aquilo ou outra qualquer coisa, a não ser movido somente pelo serviço de Deus Nosso Senhor, e assim que o desejo de melhor poder servir a Deus Nosso Senhor o mova a tomar uma “coisa” ou deixá-la” (EE 155).

Tomai senhor, e recebei, toda a minha liberdade

Texto Bíblico  Mc l0,17-22 / Lc 10,38-42

 

# Clique aqui e faça o download da versão para impressão desta reflexão
Veja também a reflexão de semana passada

 

Compartilhar.
Deixe uma resposta