Texto de Thadeu da Silva Souza, SJ

“Pelo conflito ético, Jesus impulsiona a mais  profunda revolução moral da história,  levada a cabo no anúncio da ética  evangélica do amor”
(Pe. Henrique C. de Lima Vaz, SJ)

O mundo está atravessado por conflitos. Papa Francisco, na recente Encíclica Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e a amizade social, denuncia a globalização de um modelo cultural único que acaba por dividir pessoas, grupos e nações, fazendo surgir mundos fechados e conflitivos. A pandemia causada pelo novo coronavírus parece ter acentuado o estado de conflitos. Pessoas, grupos e países ergueram como nunca seus limites imunológicos e trataram de se proteger em conflito com o externo. Um dos resultados é o avanço de falsos messianismos. Nas redes sociais se pode assistir a batalha messiânica entre os “sabe-tudo” de diversos segmentos ideológicos. Eles arrastam inúmeros seguidores. Uns anunciam a única “verdade” capaz de nos tornar imunes à desordem. Tudo que o cânone particular não legitima ou reconhece é declarado como ameaça. Outros prometem que um tempo de paz se estabelecerá por meio de uma única pessoa. Uma espécie de enviado de Deus. Um ungido de armas nas mãos. Na mesma encíclica, o Papa alerta para os fanatismos que induzem a conflitos para destruir os outros, protagonizados também por pessoas religiosas, principalmente nas mídias sociais. Nesse sentido, o Pontífice lança um questionamento: “qual contribuição [dos cristãos] para a fraternidade que o Pai comum nos propõe?” [46].

O evangelho segundo João (2, 13-24) relata uma ação conflitiva de Jesus. A Páscoa dos judeus estava próxima e o pátio externo do templo, onde os animais eram preparados para o sacrifício, ficava tomado por comerciantes e cambistas. Jesus entra no espaço religioso e fica indignado com os abusos do comércio e com a exploração do povo. Ele derruba as mesas de câmbio, expulsa com chicote os vendedores e os animais que serviriam para o rito sacrificial. A ação eloquente de Jesus provoca os poderes religiosos. O conflito está armado e o desfecho é a morte de Jesus. Questionado sobre o sinal de sua autoridade, Ele responde: “Derrubai este templo, e em três dias eu o reconstruirei” (Jo 2,19). No texto bíblico, o narrador dá a interpretação correta à luz da ressureição: “Mas ele se referia ao Templo do seu corpo” (Jo 2,21). O interprete revela o melhor do fato ao desocultar o sentido mais profundo da ação Jesus que se expressa no modo cotidiano de proceder do Nazareno.

Jesus é o peregrino do encontro

Jesus é o Templo santo do Senhor. Nele está superada a lógica do sagrado que orientava as autoridades do templo. Jesus não está dividido ou separado da realidade imediata. Ele não cabe no espaço reservado à divindade. Ele se deixa tocar pelas pessoas e compartilha a refeição com os que eram reconhecidos publicamente como impuros e pecadores. Ao seu toque, Jesus as santifica afim de que, resgatadas pela misericórdia, também se reconheçam como Templos santos de Deus (Cor1 3, 16). Muitas pessoas reconheciam nesses gestos extremamente humanos a divindade espantosa de Jesus. Ele é a salvação real do mundo e a possibilidade da verdadeira paz. Sua fama se espalhava e despertava a ira dos poderosos de sua época.

Ora, temos aqui duas situações de conflito. Qual seria a diferença? Inácio de Loyola, na Segunda Semana dos Exercícios Espirituais, propõe exames para que o exercitante alcance uma boa e sadia eleição [EE 169-189]. As indicações de Inácio sugerem que cada pessoa considere os motivos interiores que as movem a esta ou aquela ação. A ação em si não é ruim. Isso pode ser julgado apenas depois de se considerar os motivos interiores da ação e os seus frutos. As ações motivadas pela ganância, pelo desejo de honras e pela soberba, isto é, pela defesa dos próprios interesses são más. Elas levam ao pecado. É possível que estas más inclinações estejam adequadas aos conflitos de nosso tempo. Estes conflitos produzem frutos de divisão e de morte em abundância. A ação de Jesus no templo, ainda que conflituosa, gera frutos de salvação e de vida. Essa qualidade de frutos tem origem no desejo de anunciar o Reinado de Deus com tudo o que isso implica, ou seja, o amor e o serviço radical aos pobres (Lc 4, 14-20).

Discernir cotidianamente o que nos move a esta ou aquela ação e acompanhar outras pessoas, grupos e até nações para que se habituem ao exercício do discernimento para a escolha do bem mais universal é uma valiosa contribuição para a fraternidade que o Pai comum nos propõe.

Texto Bíblico  Jo 2, 13-25

 

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