“Mas os olhos estavam-lhes como que vendados e não o reconheceram.” (Lc 24,16)

Dois homens, antigos discípulos, desiludidos, fracassados, dão as costas a tudo aquilo que lhes havia feito viver até então. Deixam para trás Jerusalém e a comunidade, e mergulham num caminho deprimente onde já não percebem mais o sentido de sua existência. Nesse caminho, de tristeza e desânimo, Jesus se faz presente.

Ele não teme juntar-se a eles neste caminho, para fazer estrada com eles, de maneira anônima. Ele não tem intenção de discutir com eles, nem busca convertê-los, ou chamar-lhes a atenção. Colocando breves questões, Ele se interessa pelo que vivem, pelo seu problema. Deixa eles falarem e escuta longamente, dando tempo para manifestar um desejo não realizado, uma desilusão que atinge seu coração.

Citando a Escritura, familiar a seus companheiros de viagem, argumenta com eles, sem julgá-los, mas ilumina-os para perceber o sentido do mistério da vida. Penetrando no problema dos dois discípulos, Jesus os ajuda a reconhecer neles mesmos o bom desejo, mais forte que a desolação. Não se impõe de nenhuma maneira, com surpreendente discrição, finge prosseguir seu caminho: despertou neles um desejo e se contenta remetê-los à sua liberdade. Eles tomam consciência da obscuridade na qual estão avançando.

O desejo brota espontâneo e livre: “fica conosco!”

Há certo paralelismo entre a maneira de atuar do Ressuscitado e a de Santo Inácio, quando ele propõe os Exercícios Espirituais. Em ambos os casos há um imenso respeito à pessoa, uma preocupação minuciosa por tomar como ponto de partida o que esta pessoa vive, ajudando-a a descobrir por si mesma a presença de Deus em sua vida. Tudo sem atropelar, respeitando o tempo de desenvolvimento de uma tomada de consciência pessoal.

Os Exercícios são um instrumento pedagógico para ajudar a pessoa a tomar consciência de si mesma, dos talentos que lhe confiou o Criador, reavivar os sonhos e projetos, situar-se pessoalmente na história da Salvação, deixando-se interpelar por Cristo para o seguimento.

A prática dos Exercícios se caracterizam mais por sua pedagogia que por um conteúdo teológico. E esta pedagogia busca acompanhar a pessoa na sua experiência de Deus. Por isso, antes que propor uma teologia, Inácio se interessa pela pessoa que tem diante de si. É importante que tal pessoa possa aproveitar-se, que seja capaz de liberdade para seguir o desejo profundo que a anima, aberta à variedade dos espíritos, mesmo angustiada porque não encontrou ainda o sentido de sua vida.

Ainda que sejam profundamente teocêntricos e cristocêntricos, os Exercícios Espirituais põem o ser humano no centro. A pedagogia que propõem não tem seu ponto de partida numa estrutura eclesiástica ou em um corpo teológico particular, mas na experiência única da pessoa. Procede por indução, a partir da realidade vivida de maneira particular por uma pessoa precisa, sem outro instrumento específico que o discernimento.  Tem em conta uma situação, um desejo, uma vontade, algumas possibilidades. Apoiada sobre estes fatos, ela conduz à experiência imediata de Deus, descobrindo sua presença ativa na pessoa mesma. Funda-se sobre uma convicção: a vontade divina não existe independentemente desta pessoa e de suas circunstâncias, como se fosse uma entidade externa, que subsistisse por si mesma.

Encontrar a Deus em si

A originalidade do processo inaciano consiste na possibilidade da pessoa de encontrar a Deus em si mesma, através daquilo que ela vive. Santo Inácio não confunde Deus com algo no fundo do ser humano, à maneira panteísta. Deus existe em si mesmo, é o Criador e Senhor de quem “é próprio entrar, sair, causar moções na alma, atraindo-a toda ao amor de sua divina majestade” (EE 330). Ele age a partir do interior da pessoa, como uma força, um dinamismo, uma vitalidade.

A consolação espiritual, teste que comprova a decisão generosa, se caracteriza por um dinamismo vital: moção, amor, aumento, magis. Em outras palavras, trata-se de um aumento de vitalidade, um empurrão para frente, que proporciona bem-estar, regozijo e paz. E isto acontece no ser humano, enquanto totalidade, abarcando as dimensões corporal, espiritual, psíquica, etc. Para Inácio, o caminho de Deus e o do ser humano coincidem perfeitamente.

Texto Bíblico  Lc 24, 13-35

 

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