Ronnaldh Oliveira
Texto publicado via CNBB

Acompanhar as juventudes nunca foi uma tarefa fácil. Exige predisposição, estudo constante e um coração aberto para ouvir e perceber as vozes que nem sempre saem pela boca. 

O estudo é amplo, porque exige olhar para a humanidade e seus processos históricos como um todo, além claro, da percepção sociológica, psíquica, espiritual entre outros. Somos frutos de nosso meio e as nossas respostas são realizadas segundo as nossas histórias, a partir do chão que pisamos e dos olhos que temos. 

O acompanhador, portanto, não pode apenar deixar-se levar pelo “tenho jeito com jovem” porque pode ser facilmente iludido pelas adversidades do caminho. É necessário um olhar rotineiramente aguçado para perceber as ações metafisicas dos confrontos e partilhas: o que o sujeito quis dizer de fato com essa fala, com esse silêncio, gesto, ou simplesmente o franzino da sobrancelha? Não se trata do raso desconfiar de tudo e de todos, mas da sensibilidade equilibrada de interpretar a verdadeira comunicação.

Entendendo essa premissa essencial para se dizer “acompanhador de jovens”, quero me deter sobre um fenômeno que tem cada vez mais assolado as juventudes: o suicídio. 

Um problema de saúde pública

Além de ser umas das três maiores causas de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo, é um problema de saúde pública. Os números mesmo subestimados, são assustadores. Para cada suicídio que acontece, houve entre 10 e 20 tentativas, e cada morte por suicídio afeta emocionalmente outras 60 pessoas próximas à vítima. É uma fragilidade social que surge como um pedido de socorro dos jovens à família e à sociedade, uma vez que os eventos que ocorrem na exterioridade das frágeis relações sociais impactam diretamente na formação da subjetividade de cada individuo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, sendo a segunda principal causa entre os jovens, perdendo apenas para os atos de violência. Ainda destacou a Organização que há uma estreita relação entre suicídio e distúrbios mentais como a depressão e o uso excessivo de bebidas alcoólicas. Contudo, momentos de crise (financeira, relacional e de saúde) e experiências associadas a abusos, violências, desastres, experiências de grupos vulneráveis que sofrem discriminação e enfrentamento de conflitos ajudam a aumentar essa triste estatística.

Igreja: o lugar da acolhida

Um jovem quando pensa em se matar, tem como desejo na realidade, deixar de sofrer, acabar com algo que é intolerável e não com a sua própria vida. O ambiente eclesial tem forte apelo na procura desse público. Querem ajuda para não precisar fazer o que pensam e articulam. Querem encontrar saídas. Isso dá a Igreja uma responsabilidade de ser sempre a “casa aberta do Pai” e não Alfândegas da Fé ou juízes implacáveis. Esperam encontrar um espaço seguro, afetivo e cuidadoso, onde possam se expressar e quase sempre “se salvar”. 

Tanto os presbíteros, como os consagrados e leigos precisam cada vez mais, se prepararem para conversas e acompanhamentos nesta toada. A comunidade torna-se corresponsável por seus membros e ajudá-los na qualificação da vida é também a missão do cristão. 

Alguns possíveis caminhos

Aqui quero partilhar mesmo que seja para a abertura de um diálogo com você leitor, alguns possíveis luzeiros que me ajudam na experiência prática de acompanhar jovens nesses estados limites. Não quero que trate isso com a rigidez de um manual, mas como uma provocação de um ponto de partida. É preciso mais, sempre mais, quando tratamos da vida, sempre podemos pensar mais, refletir mais, agir mais. 

Ao ser confrontado por um jovem que diz querer se matar, já possui um plano ou/e escreveu uma carta, cabe ao acompanhador com amabilidade dizer que ele e que outras pessoas se preocupam com o jovem. Que diante dessa realidade, precisa comunicar a alguém que seja também de confiança do acompanhado. 

Por se tratar de uma situação de risco, o sigilo deve ser quebrado. Igualmente acontece nas sessões terapêuticas quando o paciente partilha com seu psicólogo/psicanalista a ação. Para a segurança desse jovem, é importante que ele mesmo diga de uma terceira pessoa, seja um familiar, um amigo, um responsável para ser comunicado do que está acontecendo o mais rápido possível. 

Não agir dessa forma, pode configurar-se como omissão de socorro. E omissão de socorro não é apenas uma infração ética, mas encontra-se no rol de crimes do Código Penal Brasileiro. A omissão é penalmente relevante quando o emitente devia e podia agir para evitar o resultado.

Já em uma partilha onde o acompanhado diz já ter pensado em tirar a própria vida, podendo já ter tentado, mas que atualmente não considera fazer isso novamente, a postura do acompanhador é diferente. Não é hora de julgar, de apresentar pareceres disciplinares, condenatórios ou algo do tipo. É preciso neste caso deixar que ele se sinta amado e valorizado por aquele que está junto. É hora de agradecer pela confiança da partilha e acima de tudo se alegrar por estar pensando diferente. 

Uma atitude como essa, faz a pessoa se sentir mais livre para falar o que se sente e dessa forma o acompanhante pode conduzir um caminho de autoconhecimento e de olhar diferenciado sobre si mesmo e a situação como um todo.

Por fim, se o acompanhador é confrontado por um jovem que considera executar o ato suicida mas não explana algo específico, é de total importância que sem desesperos o ouça de forma compromissada e de forma respeitosa também, ouça os motivos que o levam a considerar isso. Após a escuta, sugerir fortemente que procure ajuda profissional para uma ajuda e escuta qualificada, oferecendo se for o caso, de ir junto com o jovem.

Vale dizer ainda do compromisso que o acompanhador tem com a pessoa que confia a ele tal situação. O acompanhamento precisa ser cada vez mais personalizado, constante, propositivo e familiar. Muitas vezes não é tanto o falar, mas fazer-se presente e nesta presença, fazê-lo se sentir amado. 

Atenção nas Redes!

Olhando agora para o campo das redes sociais, que usamos com muita frequência e que cada vez somos chamados a nos tornarmos criadores de conteúdos, recomendo ainda algumas coisas que a OMS nos ajuda na compreensão: não publicar fotografias explícitas ou cartas suicidas; não informar detalhes específicos do método utilizado; não fornecer explicações simplistas; não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso; não atribuir culpas.

Recordar que sempre lidamos com vidas

Para concluir, gostaria de trazer duas imagens que podem nos ajudar a nos recordar que seja qual for a situação, lidamos com vidas. 

Em uma empresa, por mais neoliberal que seja, ao chegar no consenso de uma demissão, faça um processo de feedbacks, de um caminho que chegue ao desligamento. Nunca sabemos de fato o que o outro vive, no extramuros do trabalho. Ir preparando-o é um caminho ético, profissional e sobretudo, humano.

Num seminário ou casa religiosa, o jovem que percorre um itinerário para ser sacerdote, carrega consigo uma “maleta” que compõe essa identidade (os amigos que adquiriu por meio da vocação, os espaços que frequenta, a ligação que tem com o Sagrado e com a Igreja, as roupas que veste etc). Se o conselho vocacional entende a necessidade do desligamento, também deve oferecer um itinerário claro, verdadeiro, misericordioso e humano. 

Ambos carregam fatores motivacionais para estarem onde estão e isso deve ser respeitado. O caminho que percorremos junto com o jovem diz mais que o fim, e na realidade, pode mudar o fim. 

A ruptura de forma violenta pode ocasionar reações também violentas. Como disse, cada um responde a partir de sua própria história, com os olhos que tem e do chão que pisa. 

O vazio existencial, dentro de uma ótica logoterapêutica pode acontecer nos dois âmbitos, civil e religioso, mas seu agravamento pode dizer muito, da forma como as coisas que antecederam este processo, aconteceram. Propor um acompanhamento após os desligamentos é quase sempre essencial. 

Observar os sinais

Ditos como : “se matou porque a mente é fraca”, “se disse que ia se matar é porque não vai. Quem se mata não diz”, “não dá bola porque só quer se aparecer”, devem ser fortemente abolidos do nosso vocabulário e pensamento. Observar os sinais evitam muitas fatalidades.

É importante lembrar em um acompanhamento: estamos lidando com processos, com desejos, com desesperos, perdas e ganhos, mas sobretudo com vidas. Disso, não podemos abrir mão. 

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