Tradução do artigo de Alexander Zatyka, SJ (Revista magis México)

Para entender a espiritualidade inaciana e o modo de proceder da Companhia de Jesus, é fundamental nos aproximarmos do texto dos exercícios espirituais. É, sem dúvida, a ferramenta central de sua pedagogia espiritual, de sua mistagogia. Etimologicamente, mistagogia vem de dois verbos gregos que descrevem o objetivo (o Mistério) e o itinerário que nos leva até ele: μυειν (myein, “fechar” [os lábios]) e γωγος (go-gos, “conduzir”). Em outras palavras, é uma didática espiritual que visa conduzir o crente ao encontro com o Mistério, ou seja, com Deus.

Todas as grandes religiões nasceram como uma mistagogia, ou seja, um caminho prático e vivencial que ajuda os crentes a se aproximarem do Mistério, introduzindo-os na dinâmica do transcendente, como uma experiência de comunhão no Amor.

Se fizéssemos um estudo comparativo de diversos caminhos de interiorização e abertura à transcendência, poderíamos encontrar a seguinte sequência de etapas:

Preâmbulo: apresentação do itinerário de crescimento para torná-lo compreensível, razoável e desejável.

Reabilitação da sensibilidade contemplativa: crescimento na atitude de percepção correta (dispostos a “deixar ser”, “deixar ir”, renunciar a uma atitude proativa para desenvolver uma mais receptiva).

Explicitar o objetivo como a obtenção da plenitude humana: descrição dos alcances da natureza humana e seu potencial. Uma antropologia prospectiva.

Explicitação dos impedimentos para alcançar o ideal de plenitude humana e a maneira de remediá-los.

Discipulado como aprendizado por modelagem através da convivência com um mestre na arte de viver bem.

Amadurecer e manter a liberdade do coração que está sendo obtida.

Viver a partir da dinâmica do amor compartilhado (compaixão e misericórdia) em harmonia consigo, com os outros, com o cosmos.

A estrutura dos exercícios de Santo Inácio segue um esquema similar:

Princípio e fundamento (estabelecer o sentido e a direção do processo)
1ª semana: reconhecer a própria situação de doença (pecado) e ser curado dela (encontro com o Inocente, perdão e reconciliação).

Chamado de Cristo: “Segue-me”
2ª semana: discipulado, “conhecimento interno do Senhor Jesus para amá-lo mais e segui-lo melhor”.

Processo de escolha: com Cristo e a partir dele, encontrar a vocação pessoal
3ª semana: constatar a profundidade do nosso amor por Cristo, acompanhando-o em sua paixão e morte. Confirmação da escolha.

4ª semana: viver a graça de encontrar o Ressuscitado e receber dele nossa missão.
Contemplação para alcançar o Amor: constatar que vivemos inseridos no amor infinito e incondicional de Deus.

Notamos que Inácio não oferece em seu texto os dois primeiros momentos do caminho místico (apresentação do itinerário e reabilitação da percepção). Isso se deve ao fato de que ele dedicava tempo para acompanhar pessoalmente aqueles que considerava capazes de viver proveitosamente a experiência dos exercícios. Às vezes, levava até quatro anos esse propedêutico que permitia desenvolver uma prática de introspecção para cultivo da interioridade.

O Livro dos Exercícios (nº 23) começa com “o princípio e fundamento”, ou seja, aquilo que devemos sempre ter em mente (princípio) e como base (fundamento) da ação do cristão (e do companheiro de Jesus, claro). Expressa, em uma linguagem teológica própria de sua época e formação universitária, sua convicção sobre o sentido da vida humana (atingir a comunhão baseada no amor) e a maneira de obtê-la (amando concretamente, entregando livremente os dons que Deus nos confiou para vê-los transformados em vida, bênção, para os outros). A seguir, transcrevo o texto inaciano, autógrafo (em itálico), seguido de uma breve interpretação-atualização minha (entre parênteses) de seu significado em termos mais próximos à nossa sensibilidade e linguagem teológica:

I. O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor, e por meio disso salvar sua alma (nossa salvação está em entrar na vida de comunhão, na vida de/com/em Deus).

II. E as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem e para ajudá-lo na busca do fim para o qual foi criado; daí se segue que o homem deve usar delas tanto quanto elas o ajudam para seu fim e deve afastar-se delas tanto quanto elas o impedem (tudo o que somos e temos pode ser transformado em uma oportunidade para nos entregarmos, encarnando o amor ágape, à maneira de Deus. Mas esses recursos à nossa disposição também podem se tornar um obstáculo quando nos apegamos compulsivamente a eles).

III. Portanto, é necessário tornarmo-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade de nosso livre arbítrio e não é proibido. De tal maneira que não desejemos, por nossa parte, mais saúde do que doença, riqueza do que pobreza, honra do que desonra, vida longa do que curta e, consequentemente, tudo o mais; desejando e escolhendo apenas o que mais nos conduz ao fim para o qual fomos criados (para amar de forma saudável e correta com o que você é e possui é importante manter-se livre de todos os apegos, daquilo que te leva a se enganar, considerando os dons que Deus te deu para amar, como propriedades/seguridades suas, ao ponto de preferi-los acima das pessoas).

Aqui temos a formulação da antropologia fundamental inaciana. Para Santo Inácio, o ser humano é criatura, e criatura de um Deus que lhe deu a existência por Amor. Somos filhos de Abba, o Deus que Jesus, com sua vida, nos revela. Deus já nos amou e continua nos amando: ao nos dar a existência, ao sustentá-la, ao nos dar tudo o que precisamos para que possamos, a partir de seu estilo de doação modelado em nós, estabelecer relações de reciprocidade com Ele, com nossos semelhantes, com toda a Criação. Diante de todo esse amor, o ser humano responde:

I. Louvando: significa reconhecer (tornando-nos conscientes) quem é esse Deus como Pai amoroso e, ao mesmo tempo, Criador de tudo o que existe. Tornar-me consciente de que Deus cria amando. Eu o louvo agradecendo o Amor que derrama sobre nós.

II. Reverenciando: significa aceitar a vontade de Deus, viver em consonância com essa vontade (de amarmos como Ele nos ama), viver a “sinergia”, sentir-se e estar guiado por um Deus que sabemos desejar o melhor para nós.

III. Servindo: é a concretização do Amor, um serviço que não é para tirar proveito, nem por obrigação, nem por “trabalho”, mas uma forma particular de nos conectarmos com aquele a quem servimos, amando-o, construindo com ele e por ele, a comunhão. Esta é a Salvação.

Poderíamos dizer que o “princípio e fundamento” é a introdução e, ao mesmo tempo, o resumo do caminho dos exercícios: ordenar nosso afeto, movendo-o das coisas para as pessoas, descobrindo que o importante na vida é amar, construir comunhão. A pedagogia dos exercícios nos conduz a não viver dispersos na superficialidade e na contingência.

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