Existe idade para descobrir a vocação ao estado da vida religiosa? É possível que pessoas com idade avançada se tornem vocacionados? Essa é uma dúvida comum daqueles que refletem sobre vocação e projeto de vida. Se for o seu caso – ou de alguém que conhece -, não se desespere! Sempre é tempo de buscar!

Por Renato Correia, SJ

Vocação é chamado, ou podemos dizer chamamento, pois é contínuo e dinâmico, de Deus para a realização daquilo que dá sentido à própria existência. Todo mundo tem uma vocação, logo, todos nós somos chamados. Dentro da perspectiva de uma cultura vocacional, é preciso desenvolvê-la, exercitá-la, aprimorá-la e assumi-la para que a pessoa seja cada vez mais ela mesma, discernindo, então, o estado de vida para qual deseja viver sua vocação, seja para a vida religiosa ou não. Isso tem relação direta com o projeto de vida de cada um e cada uma.

Ocorre que, está cada vez mais frequente que, só depois de adultos e de já terem experimentado o mundo dos estudos acadêmicos, das relações afetivas e do trabalho, muitos perceberem que o caminho de realização pessoal é outro, gerando dúvidas e incertezas, e que a vida religiosa possa ser o estado de vida que possibilite dar uma resposta e sentido para esse caminho.

Ainda é tempo de acertar! É possível, mesmo depois dos 25 anos e até mesmo depois dos 30, perceber que ainda há um tempo razoável para descobrir outra forma de ser e atuar no mundo, buscando o sentido para a própria vida e, assim, realizar uma reforma de vida, redirecionando seu projeto de vida.

Mas, por traz dessas novas opções, tratando-se de seguir no estado da vida religiosa, há algumas questões a serem respondidas: Por que só agora? O que o tornou incapaz de olhar para si mesmo e não ser assertivo na descoberta do próprio caminho de vida? Essa nova “descoberta ” não seria uma fantasia provocada por alguma situação nova? Quais as renúncias a serem feitas nesse novo caminho? Quais os ganhos? Há disposição e abertura suficientes para configurar-se a uma nova forma de ver e ser na vida?

Para responder a essas questões, faz-se necessário um tempo de discernimento muito sério lançando um olhar aprofundado sobre a história pessoal, rezando as opções feitas, abrindo-se para a novidade do tempo, fazendo tudo isso à luz da fé, deixando-se conduzir pelo Espírito de Deus. E isso não pode ser feito sem a ajuda de pessoas experientes e conhecedoras dos processos vocacionais, pessoas que podem contribuir para um discernimento profundo do projeto de vida.

Abdicar da vida que estava acostumado, de suas rotinas diárias, aceitar as rupturas necessárias, sejam materiais ou pessoais, para se tornar um padre ou religioso/a é uma decisão muito corajosa, que exige muita reflexão.

Muitos jovens-adultos, que depois de certa idade, sentem-se provocados, mesmo já tendo feito percursos semelhantes a outros: namoraram, iniciaram cursos, faculdades e até com experiência de trabalho – são médicos, arquitetos, engenheiros, enfermeiros, professores, bancários, advogados -, a encontrar a paz e sentido onde a família e os amigos menos esperam: na vida religiosa. Decidem consagrar as suas vidas a Jesus com o desejo de segui-lo numa congregação religiosa.

Tal como se casa cada vez mais tarde, também a decisão de assumir um chamado à religiosa é tomada depois dos 20 e até mais anos. Quem opta pela vida consagrada já não é o campesino, do interior ou aquele/a jovem recém-saído do ensino médio, sem quase experiência de vida, mas jovens de grandes centros, sem raízes em comunidades paroquiais, jovens da classe média, que estão no ensino superior, com experiência no mundo do trabalho. O discernimento já se faz na idade adulta. As primeiras dúvidas e interrogações até podem ser sentidas mais cedo, ainda na infância ou na adolescência, mas o ambiente social não permite que se clarifiquem, até mesmo por falta de um acompanhamento adequado para discernir seu projeto de vida.

Deste modo, o ensino superior pode tardar essa descoberta, uma vez que vivemos numa sociedade onde os/as jovens são impactados pela forma e dinâmica da vida social, e assim possuem papeis sociais esperados. Existe uma expectativa sobre quem deve ser o jovem – mesmo o/a jovem cristão/religioso. Por isso, a inquietação vocacional aparece depois de terminados os estudos. O que não é negativo: a Igreja tem despertado também para “vocações” mais amadurecidas, adultas, para que os interessados percebam se é realmente aquilo que querem. Mais ainda, há toda a vantagem em ter tido experiência de vida, para se compreender melhor as pessoas, os processos nos quais entregará a vida como consagrado/a.

Uma coisa é certa: o chamado de Deus não tem idade!

Em muitas congregações religiosas e dioceses existem relatos de homens e mulheres que conseguiram prosseguir na vocação religiosa e/ou sacerdotal acima dos 30 anos. 

A necessidade de acolher estes homens e mulheres com mais de 30 anos de idade para o processo vocacional se tornou necessária diante do novo contexto em que vive a juventude, onde as decisões importantes são tomadas mais tardiamente.

Neste sentido, chamamos “vocação adulta” a pessoa que já possui personalidade formada, é independente financeiramente, tem liberdade interior e que conseguiu determinado grau de sabedoria a partir de experiências de vida. O discernimento ao sacerdócio ou à vida religiosa é um processo e segue um caminho guiado por Deus. Cada um tem o seu tempo.

Como uma resposta da Igreja, que mantém um olhar atento ao surgimento de jovens-adultos na fase de confirmação para a vocação religiosa, algumas ordens/congregações religiosas e dioceses têm se preparado para esta novidade, principalmente por entenderem que o acompanhamento desses casos é preciso ser de outra forma, colaborando com a ampliação das perspectivas de vida de homens e mulheres, já em fase adulta, para que a generosidade do próprio Deus venha a desabrochar plenamente.

Na Exortação Apostólica Christus Vivit o Papa Francisco nos provoca sobre vocação como serviço aos outros. Ele afirma que para descobrir a vocação é fundamental “discernir e descobrir o sentido da própria vida”.[1] Nesse sentido, para viver a própria vocação é necessário estar atento a si mesmo, desenvolver-se, fazer germinar e crescer em tudo aquilo que a pessoa é. Não se trata de inventar-se ou reinventar a roda da vida, mas olhar para si próprio e descobrir-se. E para isso não há idade certa. É perceber a ação das surpresas de Deus na sua história, e fazer da própria vontade a vontade Dele. É Ele quem chama! Deste modo, somos convidados e convidadas a participar da obra criadora do Senhor, prestando nossa contribuição para o bem comum, de acordo com nossas capacidades que recebemos como Dom do próprio Deus.

Fomos criados pelo Amor e para o Amor[2], para assim vivermos nossa vocação primária: sermos felizes. Aí está o sentido central de nossas vidas: buscar a felicidade que vem de Deus que nos guia nesse caminho vocacional, independentemente da idade, para assim responder que somos chamamos a sair de si, a se doar, compreendendo que a vida é um projeto, uma missão a realizar para que o mundo seja melhor. Vocação tem relação íntima com a vida!

Referência Bibliográfica:

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus Vivit. Vaticano: 2019. In www.vatican.va.

INÁCIO DE LOYOLA (Santo). Exercícios espirituais. São Paulo: Edições Loyola, 2000.


[1] Francisco, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Christus Vivit”, nº 253.

[2] Loyola, Inácio de. Exercícios Espirituais, nº 231.

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