Em agosto, a Igreja nos convida a refletir e rezar sobre nosso sentido de vida, nossa realização plena a partir da concretização das diversas vocações. O Programa MAGIS Brasil convida todas as juventudes, em comunhão com a Campanha Ser Mais Amazônia, a conhecer e vislumbrar a vida de pessoas que se doam junto às comunidades tradicionais amazônicas.
Nesta primeira semana, abrindo nosso mês de entrevistas, conversamos com Pe. Oziel e Pe. Silas, SJ, ambos naturais do norte do país e vivem hoje sua vocação sacerdotal fazendo comunhão com as realidades da Amazônia. Confiram abaixo o relato de ambos.
Oziel Cristo de Oliveira (40)
Padre Diocesano / Diocese de Parintins
Município de Maués (AM)
Ordenado há três anos, trabalha diretamente com os povos tradicionais indígenas Sateré Maué. 3º filho de José Francisco e de Júlia Souza, com 12 irmãos.
Silas Moesio Maciel da Silva (45)
Padre Jesuíta. Natural de Bragança (PA), atualmente vive em Manaus (AM)
Coordenador do Espaço MAGIS Manaus
Assessor da Pastoral Universitária da Arquidiocese de Manaus
1 – Qual seu serviço hoje junto dos povos amazônicos? Como ele acontece?
Pe. Oziel – Eu trabalho especificamente com os povos indígenas da etnia Sateré Maué. A minha atividade se resume nas atividades pastorais, sacramentais e também acompanho as lideranças em algumas situações sociais, como por exemplo essa questão de reivindicar direitos, orientar as lideranças de como buscar os seus direitos, junto e através do CIMI (Conselho Missionário Indigenista) e do SARES (Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental), que são projetos que têm como objetivo formar e fazer debates sobre reflexão social. E eu acompanho essas atividades, tanto no social, como na questão religiosa. Faço as minhas atividades nas comunidades. São 31 aldeias católicas e mais 27 aldeias evangélicas. Faço um itinerário de visitas às comunidades, mas também realizo durante o ano três formações no sítio chamado Paraíso 2. Lembrando também que essas visitas são via fluvial, nós temos um barco da missão e uma lancha voadeira à nossa disposição. Às vezes eu vou de barco, quando vou passar uma semana, três semanas, e quando vou um pouco mais rápido eu vou de lancha pra visitar algumas comunidades que pedem minha visita, algum encontro especial ou festa religiosa deles.
Pe. Silas – Tenho uma linda presença junto aos vários povos que fazem parte da nossa Amazônia. Atualmente, minha ação apostólica se desenvolve junto às juventudes da Amazônia, por meio do Espaço MAGIS Manaus e da Pastoral Universitária, que, além dos jovens, é formada também por adultos. A partir deste espaço vital para as juventudes, chegamos aos povos indígenas de Nova Olinda do Norte, junto aos Mundurucus, onde aconteceram, por exemplo, as primeiras Experiências MAGIS Puxirum, que depois migrou para Maués, junto ao povo Sateré Maué. Nesses anos que estou em Manaus, também criamos vínculos afetivos e de parcerias com estudantes indígenas que vivem aqui. Nossa presença também chega às diversas comunidades ribeirinhas e rurais localizadas próximo ao município de Manaus, por meio das missões e assessorias que oferecemos. Todas essas experiências nos ajudam a conhecer, amar e cuidar da diversidade de expressões culturais e existenciais que fazem parte da Amazônia.
2 – Como você começou a perceber a importância da Amazônia e as possibilidades da sua atuação nela, principalmente diante da sua vocação?
Pe. Oziel – Como eu sou daqui, nasci aqui bem do lado da etnia Sateré Maué, eu sou caboclo ribeirinho, e conheço muito bem a etnia. Saindo pra estudar e tudo mais, terminei minha formação, retornei e fui parar justamente nessa missão da qual eu vivi minha infância.
Eu percebi essa importância da Igreja presente na Amazônia e, de modo especial, aqui neste lugar, no município de Maués, Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Diocese de Parintins, a importância de estar junto desse povo. Sobretudo esse povo que muitas vezes é discriminado, tem seus direitos violados, que muitas vezes não são reconhecidos, sofrem preconceitos, então a Igreja faz esse papel de presença aos povos indígenas. E eu percebi que nossa presença faz um bem muito grande para eles, e como também para a Igreja. É uma presença nossa lá com eles, caminhando junto com eles, e isso eu vejo como sinal de Deus, a Igreja se fazendo presente junto a esse povo. Sendo um pouco como essa missão especial, mas também como irmã, aonde nós aprendemos com eles, com seu jeito de ser, com seu jeito de viver, com a sua cultura, e, nessa troca de experiência, a gente acaba aprendendo e também passando pra eles nossos valores. E dessas duas culturas que se encontram, aí brota a beleza do sentido de trazer e levar essa Palavra, e aí surge justamente esse Reino de Deus, que nós estamos construindo juntos. Então, a Igreja, ela é extremamente importante nesse trabalho de missão junto com os povos tradicionais, com os povos indígenas, porque ali marca a nossa missão como alguém que não vai apenas levar a Palavra, mas vai fazer uma troca de experiências, e aí se dá a conversão tanto de lá como de cá.
Como sendo um padre da região, não tenho muita dificuldade em compreender a cultura, inclusive um irmão é casado com uma indígena. Então, pra mim, é muito mais tranquilo estar nessa missão, porque então nós nos reconhecemos como indígenas, porque vivemos e nasci nesse chão da Amazônia.
Pe. Silas – Sou filho desta terra querida. Minhas primeiras paixões pelo nosso território se deram pela minha pertença à Pastoral da Juventude, em Castanhal, e quando fiz a disciplina Antropologia Cultural, no curso de Pedagogia. Esses dois momentos formativos me ajudaram a dar os primeiros passos para me reconhecer amazônida. Contudo, duas experiências durante o noviciado da Companhia de Jesus me marcaram profundamente. Somos filhos da mistura dos povos que aqui chegam da Europa e África, contudo, aqui já estavam os diversos povos indígenas, inclusive na cidade onde nasci, Bragança. Porém, ainda não tinha feito uma experiência de convivência com eles e com os ribeirinhos. Foi o Noviciado Irmão Vicente Cañas que me proporcionou esta grata e desafiante experiência de passar o mês de dezembro visitando e convivendo com as diversas comunidades ribeirinhas do município de Tonantins. Mesmo sendo deste território, me deparei com uma outra configuração de nossa Amazônia, com seu linguajar, costumes e tradições regionais. Essa experiência me fez tomar consciência da diversidade de modos de ser amazônida. Foi a partir desta experiência que fiquei na expectativa de fazer o experimento junto ao povo Sateré Maué. Uma experiência que marca profundamente minha vida e minha vocação. Não dava para ser jesuíta amazônida sem ter feito esta experiência de aprender com os povos da floresta seu modo de ser e conviver com a mãe terra, o cuidado que eles têm entre si e com toda a obra da Criação. O maior desafio foi lidar com uma realidade em que a minoria fala português, mas só de estar ali já me fez ser e pensar diferente, amar aqui o que sou e minha pertença a este território existencial.
Tive a grata satisfação, depois de, ordenado presbítero, ter vindo morar em Manaus e fazer a linda experiência que o MAGIS nos proporciona, pois com todo o trabalho que realizamos e nossa reflexão e pertença à REPAM, nossa participação na construção do Sínodo para a Amazônia, a exortação apostólica Querida Amazônia e a Campanha Ser Mais Amazônia, me ajudaram e continuam ajudando a ser mais Amazônia, dando visibilidade aos traços e costumes presentes em minha pessoa, e a ajudar a outras pessoas a conhecerem, amarem e a cuidarem deste nosso território.
3 – Qual maior desafio que você vê hoje para essa região?
Pe. Oziel – Acredito que o maior desafio de realizar as atividades missionárias nessa região é, de fato, essa distância. São muito distantes as aldeias da sede do município. Então de barco a gente tem que navegar 7 horas pra chegar no começo da área indígena, e isso tem um custo alto de combustível pra realizar essas missões. Isso dificulta um pouco a nossa presença mais afetiva junto a esses povos indígenas. Portanto, é um desafio que a gente tem enfrentado com poucos recursos que nós temos do fundo da Diocese que é destinado à missão.
Depois, é essa questão do contato com o diferente. Eu penso que, apesar de viver lá, nascido naquele lugar, mas exige uma certa abertura da minha parte de acolher eles, como deles também de acolher a Igreja, então muitas vezes eu não sou compreendido e muitas vezes eu não compreendo certas manifestações culturais.
Outro desafio que eu também encontro é justamente na língua, eu não sei falar a língua da etnia Sateré Maué. Isso deixa muito a desejar, porque as senhoras, as crianças, da maioria delas, não entendem e não falam o português. Portanto, eu preciso de um professor que faz a tradução nas minhas homilias, nas minhas celebrações, nas minhas colocações de reflexão.
Eu acredito que esses são desafios pastorais, mas também tem os desafios sociais. Questões político-partidárias, onde muitas lideranças maiores são corrompidas e se deixam corromper, se vendem, deixando as lideranças das bases à mercê do sofrimento, no descaso à educação e à saúde dos povos indígenas. Portanto, esse desafio dá um sentido também de estar junto com eles, aquilo que o Papa Francisco sempre diz, estar junto com esse povo, conviver com eles, se alegrar com eles, sofrer com eles, se for necessário, também doar a vida pela missão.
Pe. Silas – Diante da exuberância e riqueza deste território, muitos estão de olho somente na riqueza que está no subsolo, tais como minério, gás e petróleo, e também no solo, com a plantação e criação de gado, entre outros. Contudo, esquecem da riqueza que são as pessoas que vivem aqui, com seus costumes, valores, com o dom da sua própria vida. Além disso, não podemos esquecer da importância de termos a floresta em pé, assim como os rios preservados, longe da poluição. Contudo, muitos estão de olho na primeira riqueza e o nosso grande desafio está em sensibilizar a população planetária para a segunda riqueza, que é o cuidado com todas as diversas manifestações da vida em nossa Amazônia e que qualquer desenvolvimento que possa ter por aqui tem que ser sustentável e que respeite e cuide da vida.
Pe. Oziel e Pe. Silas em missão junto às aldeias da etnia Sateré Maués
4 – Qual maior alegria que você já viveu ou vive no cotidiano dessa região?
Pe. Oziel – Alegrias são muitas! Acho que a vocação é o chamado de amor de Deus a nós, e é uma resposta de amor também a Deus. Então, eu não conseguiria, assim, descrever, decifrando as alegrias. Mas o fato de estar junto desse povo, celebrar a Santa Missa, comer com eles, andar pelas roças próximas das aldeias, partilhar o que nós trazemos e o que eles também trazem, e a alegria ao qual eles nos recebem nas aldeias. Essa alegria é contagiante demais, eu fico muito feliz ao chegar nas aldeias, o quanto eles estão esperando chegar o padre. O padre que vem abençoar, vem ser irmão, que veio ser essa presença. O povo Sateré Maué leva no rosto um sorriso, que está comunicando pra nós “seja bem-vindo à nossa aldeia”. São tantas alegrias, mas o que mais me deixa contente e feliz é que a minha presença se torna uma alegria também para eles, o sorriso comunica isso. Apesar do cansaço, apesar da fadiga, mas quando chego nas aldeias, tudo passa, todo esse cansaço se transforma em alegria, em prazer de estar junto desse povo. Ali, eu sinto e presencio a presença de Deus naquelas crianças, naquelas senhoras, naqueles jovens, que estão ali comunicando pra mim o sorriso, o abraço e o carinho de Deus e de Nossa Senhora. Essa é a alegria, resumidamente, que eu tenho em estar em contato com os povos indígenas da etnia Sateré Maué.
Pe. Silas – As minhas maiores alegrias têm sido minha presença junto às juventudes, tanto da PJ (Pastoral da Juventude), do Espaço MAGIS Manaus, Amazônia e Brasil. Também minha presença na Pastoral Universitária e a formação inicial à Companhia de Jesus ter acontecido em Belém e Manaus. Sou grato a estes espaços vitais, pois eles me formaram com um coração sensível às causas das juventudes, das políticas públicas geradoras de vida e de bem comum, do cuidado com a minha vida, das outras pessoas e com a nossa Casa Comum. Espaços vitais de crescimento e experimentação de um Deus que é comunidade de amor, que se encarna em nossa realidade e que nos convida a cuidar da vida e a conviver com a diversidade existencial que somos.
5 – O que você diria para as pessoas que ainda não vivenciaram a Amazônia?
Pe. Oziel – Acredito que aqui eu deixo um convite. Não vou fazer uma propaganda, digamos assim, da Amazônia. Só quem já veio aqui, só quem vive aqui, se encanta com a beleza amazônica. Se encanta com os povos que vivem na floresta, que são guardiões da floresta, com a natureza da Amazônia, com as árvores, os rios, um povo acolhedor. Um lugar que inspira a nós. Um lugar que a gente vê na natureza como Deus é bom, como Deus é lindo, como Deus fez isso perfeito para os povos que vivem na Amazônia. Então, queridos irmãos de outros estados, queridos jovens de outros estados, sobretudo o sul do Brasil, faço um convite pra vocês: venham conhecer a Amazônia, venham fazer experiências de como o povo vive na Amazônia. Muitas vezes, as notícias da Amazônia que vão pra fora são notícias sem sentido, não acabadas, às vezes mostram algo desinteressante da Amazônia. Mas a Amazônia é um mundo, a Amazônia é um país, é um lugar especial no planeta Terra, com todas as suas riquezas, com todas as suas bondades, com todos os seus desafios também. Acredito que a alegria de quem vive na Amazônia, de quem mora na Amazônia, de fato é um lugar que não tem escassez de terra, de água, tudo temos em abundância. Portanto, deixo aqui o desafio para todos nossos jovens de outros estados, que venham conhecer a Amazônia. E, de modo particular, a Diocese de Parintins, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Maués, o Padre Oziel acolhe com muita alegria esse projeto MAGIS Brasil.
Pe. Silas – Venham viver e sentir a Amazônia. Brincadeiras à parte, convido a conhecer a Amazônia, por meio das reportagens, artigos, vídeos, mas se um dia puderem vir à Amazônia e fazer uma experiência de passar um tempinho por aqui, não pense duas vezes e nem perca esta oportunidade, pois, colocando os pés neste território, vocês sentirão ainda mais a energia que emana deste território e que te lança a ser mais Amazônia, a cuidar com ações concretas do território onde estás. Ser mais Amazônia é ser mais para e com os demais na defesa e no cuidado da vida, principalmente, onde ela se encontra ameaçada.
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– Vocação Religiosas/os
– Vocação Familiar
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E anote na agenda: 31 de agosto, às 19h, em nosso YouTube, teremos um painel ao vivo com as diversas vocações.