Padre Edson Tomé Pacheco, SJ
Acompanhar a pessoa jovem será sempre um processo desafiador, uma vez que o mundo, a realidade e a vida dos e das jovens mudam constantemente. Os desafios são próprios de qualquer tipo de acompanhamento. Isso requer que ampliemos o nosso olhar para um horizonte mais amplo de mudanças próprias à historicidade, aos comportamentos em nível cultural e, por conseguinte, às percepções e projeções de futuro para a vida. Assim, acompanhar os e as jovens na construção do seu projeto de vida compreendendo-se como dom para os demais, implica aos acompanhadores cultivarem uma vida de fé, de espiritualidade e um amplo conhecimento reflexivo e crítico acerca do fenômeno juvenil e vocacional.
Acompanhar requer atitude humana e disposição de espírito. Quando acompanhamos, o fazemos sempre com uma pessoa real. Em nosso caso, as pessoas jovens com sua história de vida que precisam ser vistos (as) em sua totalidade:
Onde vivem? Quem são? Em que etapa da vida se encontram? Como são? O que buscam? Qual sua realidade? Como vivem? Como se organizam? Como amam? O que dizem de si mesmos? Quais suas perguntas fundamentais? Quais seus dilemas e sonhos? O que dizem de si mesmo? Qual sua imagem de Deus? Como é sua relação com Deus? Como o/a recebo?
Enfim, conhecer aquele ou aquela com quem desejamos caminhar. Faz-se necessário também perguntar-nos sobre quem sou eu que acompanho: qual a minha relação com Deus? Qual o meu itinerário humano espiritual? Qual o meu projeto de vida? Isso exige um profundo conhecimento de si mesmo para poder conhecer aquele que desejo acompanhar.
Adequada preparação para acompanhar
Um dos grandes desafios atuais é a ausência de formação e consciência sobre a realidade juvenil contemporânea que nos desafia e provoca a buscar o autoconhecimento e o conhecimento amplo da vida como forma de nutrir a capacidade de escuta, diálogo e acolhida das mais diversas realidades e culturas vividas pelas juventudes.
O Documento Final do Sínodo de 2018 diz que o ponto de partida para a evangelização das juventudes é conhecer o contexto em que vivem os jovens. Nesse ponto, destacam-se os pontos de força e desafios da realidade que se apresenta. Tudo parte de uma escuta empática que, com humildade, paciência e disponibilidade, permite dialogar realmente com os jovens evitando “respostas pré-concebidas e receitas prontas”. Os jovens, de fato, querem ser “ouvidos, reconhecidos, acompanhados” e querem que sua voz seja “considerada interessante e útil no campo social e eclesial“. Para essa importante missão de acompanhar os e as jovens não basta boa vontade, é preciso conhecimento e formação acerca do sujeito que somos chamados a acompanhar. Conhecimento da juventude e do sujeito jovem em processo de desenvolvimento humano e espiritual, o que reclama uma visão conjunta da pessoa humana e, consequentemente, das grandes questões vividas pela juventude na contemporaneidade.
Ser um bom acompanhante requer uma formação nas coisas de Deus. Esta é forjada em sua própria experiência de oração e em um relacionamento honesto e profundo com as pessoas. Formação que deve incluir também aspectos teológicos específicos da vida espiritual e do discernimento dos espíritos juntamente com aspectos importantes da psicologia humana que não podem ser negligenciados atualmente. Além disso, os acompanhadores devem ter vivido a experiência de serem intensamente acompanhados em sua própria jornada de vida como uma existência aberta a Deus.
Cultivo da Vida Espiritual
Um dos grandes desafios atuais consiste em acompanhadores despersonalizados, desnorteados em seu percurso de vida, superficiais e obtusos no caminho de fé e, como último baluarte no qual se agarrar, vivem a regurgitar moralismos hipócritas. Como disse Jesus, colocam pesos nos ombros dos outros para carregarem, ao invés de colaborar para a libertação da liberdade.
Um dos principais desafios, a meu ver, no processo de acompanhamento humano e espiritual é o cultivo de uma vida espiritual e um amplo caminho de fé. O mundo atual é caraterizado pelo secularismo e pelo pluralismo. Cada vez mais esse cenário torna-se evidente quando um leque de opções sempre mais amplo é apresentado no tocante a “fazer escolhas” com particular intensidade e em vários níveis. Diante de itinerários de vida cada vez menos lineares e marcados por uma grande precariedade, o acompanhamento é um caminho privilegiado para fazer escolhas válidas, estáveis e bem fundamentadas. Fazer-se presente, apoiar e acompanhar o itinerário rumo a escolhas autênticas é, para a Igreja, uma maneira de exercer a sua função materna, gerando para a liberdade dos filhos de Deus. Tal serviço constitui simplesmente a continuação do modo como o Deus de Jesus Cristo age em relação ao seu povo: através de uma presença constante e cordial, de uma proximidade dedicada e amorosa e de uma ternura sem limites.
Espaços de escuta e acolhida
Um dos grandes desafios atuais é promover espaços de confiança e escuta mútua capazes de alterarem as lógicas adultocentricas e utilitaristas em vista de uma gramática do amor, da acolhida e do encontro generoso e confiante.
O Documento Final do Sínodo de 2018 e o documento sobre o estado atual da Companhia de Jesus, convidam-nos a aprender a escutar os jovens. O que exige dedicar tempo para estar com eles gratuitamente: sem pressas ou metas a alcançar. Alterar a lógica do adultocentrismo e do utilitarismo. Estas concepções, por um lado, obrigam os jovens a se tornarem adultos em seu modo de ser e existir caso queiram habitar os espaços. Por outro lado, olham para os jovens somente a partir da perspectiva da utilidade: o que eles podem oferecer e fazer pela comunidade ou mercado de trabalho. O seu valor está em fazer coisas ou em dar visibilidade para determinadas figuras de poder. Neste sentido, o acompanhante espiritual, ao contrário, está interessado no conjunto todo da pessoa, pois não reduz a vida a determinados aspectos. Somos chamados a transformar os espaços existentes de trabalho com os jovens em lugares de escuta mútua, criando as condições para um diálogo aberto em que aprendamos uns com os outros, conscientes de que os adultos de todas as idades podem oferecer muito para, juntamente com os jovens, construir esse futuro cheio de esperança.
Valorização da Juventude como fase importante da vida
Um dos grandes desafios atuais é se aproximar e acompanhar os jovens. Papa Francisco já nos dizia do perigo do fechamento e enclausuramento dentro das estruturas ou do “sempre se fez assim”. Urge tomarmos a iniciativa e sair em direção aos jovens e colocarmo-nos à sua disposição para escutar, caminhar e acompanhar.
Para P. Adolfo Nicolás, devemos valorizar a juventude como uma fase muito especial da vida de toda pessoa humana. O primeiro passo, como jesuítas, é nos perguntarmos se estamos onde os jovens estão, afirmava ele (Resposta as cartas “Ex Officio”: Sobre os jovens. 21 de outubro de 2011). A presença é a principal e mais valiosa contribuição. Ao mesmo tempo, precisamos perguntar-nos sobre a qualidade de nossa presença entre os jovens que vivem na pobreza ou na exclusão, aqueles que são mais vulneráveis, os mais necessitados. O segundo passo é o empenho para ajudar os jovens a serem livres. O modo inaciano de servir as juventudes é um serviço em profundidade, exige uma proximidade que ajude os e as jovens a tomarem suas grandes decisões. Ajudar a tomarem consciência das suas forças e potencialidades. O terceiro passo é acompanhar os jovens no seu caminho de vida. Vale tomar a iniciativa e dizer aos jovens: “Permita-me acompanhá-lo na opção de vida que escolheu”. O projeto de vida não termina quando se faz a sua “grande escolha”. Os jovens adultos continuarão a precisar de apoio. O acompanhamento de jovens adultos é um sério desafio. Precisamos refletir sobre este desafio e fazer um discernimento sobre como responder, dando pistas para bem acompanhá-los nos primeiros desafios da vida adulta.
Processo de escuta, discernimento e coerência de vida
Um dos grandes desafios atuais é a ausência de profundidade de vida humana-espiritual por parte dos acompanhadores conjugada com a ausência de critérios de fé e discernimento para o acompanhamento. O acompanhamento é deturpado por autoreferencialidade, obscurantismo, fundamentalismo, abuso de consciência etc.
Todo esse processo de escuta e discernimento exige um profundo conhecimento da tradição cristã do acompanhamento espiritual e da realidade dos e das jovens a quem desejamos acompanhar. Por isso mesmo, faz-se necessário um profundo conhecimento e experiência da fé cristã, sem a qual, não será possível acompanhar espiritualmente a pessoa jovem. Uma vez que, o acompanhante acompanhará a partir da sua experiência de fé o processo de amadurecimento humano e espiritual do outro ou da outra.
Para P. Arturo Sosa, atual superior Geral da Companhia de Jesus, o acompanhamento das juventudes exige de cada acompanhante coerência de vida. Em carta a toda a Companhia de Jesus, tratando sobre as preferências apostólicas universais, P. Sosa reitera que devemos acompanhar os jovens a partir do processo de discernimento. “Acompanhar este processo, a partir da experiência do discernimento e acompanhamento da Boa Nova de Jesus Cristo, como uma oportunidade para mostrar o caminho que leva a Deus, caminho que passa pela solidariedade com os seres humanos, para a construção de um mundo mais justo”. Para tal, a coerência de vida do acompanhante é condição essencial. “Acompanhar os jovens exige de nós coerência de vida, profundidade espiritual, abertura à partilha da vida-missão na qual encontramos sentido para o que somos e fazemos”.
Para concluir
O contexto contemporâneo se apresenta de maneira complexa e desafiadora. Os e as jovens encontram-se nessa realidade construindo seus projetos de vida a partir de suas escolhas e da responsabilidade sobre a própria vida. São sujeitos de sua própria história, sujeitos do seu tempo. A Rede Inaciana de Juventude – MAGIS Brasil, por meio de um acompanhamento comprometido busca acompanhá-los sempre em perspectivas e horizontes de aproximação, escuta, discernimento e realização pessoal e comunitária. Neste sentido, acompanhá-los na construção de um futuro de esperança requer escuta atenta e dialógica sobre percepções e vivências que nem sempre fazem sentido para o adulto. É importante gerar espaços e tempos capazes de possibilitarem relações livres, autênticas e seguras nas quais o próprio jovem, a partir de sua experiência humana e espiritual, apresente pistas para desempenharmos nosso papel de acompanhadores. Por isso, precisamos cultivar atitudes de abertura e acolhida à pessoa em sua totalidade.