“Tempo, tempo, tempo, tempo…
Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso,
Tempo, tempo, tempo, tempo, quando o tempo for propício…
Tempo, tempo, tempo, tempo…” (Caetano Veloso)

Escrito por Shirley Almeida

A “oração ao tempo” é uma das sabedorias mais profundas que o ser humano pode experimentar. Nela somos convidados e convidadas a aprofundarmo-nos em nós, na nossa história, na realidade em que estamos inseridos, e silenciar. Silenciar para observar, para contemplar, para saborear, para sentir, para nomear, para tomar consciência e, finalmente, para discernir, para decidir com clareza e, posteriormente, para agir com sentido.

Falando sobre o tempo, a Bíblia em Eclesiastes nos diz que “para tudo há um momento e um tempo certo para cada coisa debaixo do céu” (Ecl 3, 1) e, em uma narrativa de contrastes, o texto vai nos levando a perceber que os extremos se completam (mais do que se opõem) e que em tudo há aprendizados quando estamos atentos e abertos para acolhê-los. Este ensinamento, na cultura oriental, é o yin e o yang que, mesmo contrários, não se destroem, mas se fazem um. É, ainda, o jogo de luz e sombra. É por fim, talvez, a metáfora da vida nas suas consolações e desolações.

Na trajetória de Santo Inácio e de seus companheiros não foi diferente e, por isso, eles exercitavam-se cotidianamente nesse entendimento dos diversos tempos, das contrariedades que se colocavam como complementariedades e aprendizados. Diante de tantas dificuldades e “nãos” em busca do seu desejo de ir a Jerusalém, certamente se perguntavam: o que esse tempo quer nos dizer? E, possivelmente, observando os tempos e os momentos de cada um, dividiram-se no território de Veneza, enquanto esperavam por definições de transporte para chegar à terra onde Jesus foi crucificado ou ir para Roma.

Nessa divisão, coube ao Peregrino, ao Fabro e ao Laínez ir a Vicenza. Lá se alojaram numa casa fora do povoado, sem portas, nem janelas (Autobiografia 94). Era talvez uma metáfora dos seus momentos de vida. Diante do “não- saber”, era tempo de afastamento, silêncio, abertura, entrega e confiança.  Imitando, nesse sentido, a Quarentena de Cristo, estiveram aí vivendo do essencial: dormiam sobre palhas para descansar a mente, comiam um pouco de pão cozido para fortalecer o corpo e se concentravam nas orações para sintonizar o espírito.

Alinhando-se, portanto, corpo, mente e espírito, eles iam se dando conta de suas capacidades (uns saíam para pedir esmolas, outro ficava em casa para cozinhar o pão) e de seus limites (Inácio era quem cozinhava o pão, pois não podia suportar a luz do sol devido à vista doente de tantas lágrimas de devoção).

Era tempo de ser comunidade, cada um a seu tempo e momento se dava naquilo que era possível, mas se completavam mutuamente a fim de se manterem e seguirem buscando seus objetivos.

Certamente não foi um tempo fácil, o tempo quaresmal nunca é um tempo fácil, pois estamos diante das nossas dores, dos nossos limites, das nossas tentações, mas também é no deserto o tempo importante para reencontrarmos nossos oásis, darmos conta das nossas escolhas e realinharmos os passos para seguir a caminhada.

Da mesma maneira que Inácio e seus companheiros, queremos seguir-Te, Senhor Jesus, pelos caminhos que preparas para nós, mais do que pelos caminhos que porventura tenhamos planejado. Olhando essa realidade quaresmal pandêmica em que estamos inseridos, ainda atordoados de tanta fragilidade, de tanta violência, de tantas formas de morte, queremos estar sem porta, nem janela para que Tu possas entrar e cear conosco diante do essencial  “de modo que o – nosso – espírito ganhe um brilho definido (…) e – espalhemos – benefícios…” nesse “tempo, tempo, tempo, tempo” que parecem ser tantos, mas o Teu chamado é que ele seja apenas um: o tempo propício de revelar, a partir de nós, Teu rosto de presença, cuidado, compaixão e misericórdia.

Leitura Bíblica: Ecl 3, 1 – 8

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