Em 2019, a Companhia de Jesus comemora os 470 anos de sua chegada ao Brasil. Essa jornada teve início no dia 29 de março de 1549, após 56 dias de viagem, em um dos navios portugueses que desembarcava no Arraial do Pereira, na Bahia de Todos os Santos. A ordem religiosa recém oficializada, havia sido fundada em 15 de agosto de 1534, na cidade de Paris, foi aprovada em 27 de setembro de 1540 pelo Papa Paulo III, apenas nove anos antes de começar sua expedição para terras brasileiras. Nos navios havia mais de mil homens, entre eles, um grupo liderado pelo padre Manuel da Nóbrega, com seis re­ligiosos. Os integrantes desse grupo eram os Padres Antônio Pires, Leo­nardo Nunes e João de Azpilcueta, jun­to com os irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Foram eles os primei­ros jesuítas a chegar às Américas.

Ao chegarem aqui, os jesuítas tinham como motivação o desejo de transmitir o Reino de Deus. Faziam isso para “ajudar as almas”, uma expressão típica do século XVI, que significa auxiliar as pessoas, por meio de diferentes ministérios, como a pregação da Palavra e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Desde sua embarcação, a Companhia de Jesus teve uma imensurável influência na formação do Brasil, envolvendo aspectos religiosos, sociais, econômicos e artísticos. Visando isso, este ano é de celebração, de fazer memória e de tirarmos um momento para refletirmos sobre o lega­do que aportou na constituição da sociedade. Além de espalhar a fé, os jesuítas foram essenciais para a difusão dos fundamentos da civilização cristã, por meio do desenvolvimento do trabalho educacional e catequético, que no século XVI era um desejo da população.

Portanto, podemos destacar quatro elementos fundamentais como pon­tos marcantes da atuação dos jesuítas no Brasil. O primeiro é a educação, sendo o meio mais eficaz para promover o bem comum. Ressaltamos também a preocupação dos jesuítas com as pessoas como um todo, tendo sempre a promoção da justiça como marco do seu carisma. O ensinamento da doutrina cristã é o terceiro ponto, levando sempre em consideração o contexto histórico de um período tão distante. E por fim, o reconhecimento do território nacional, sendo os jesuítas os primeiros a percorrerem as terras nacionais de norte a sul.

Os jesuítas se dedicaram ao trabalho evangelizador das crianças indígenas, mestiças e negras, por meio de uma rede de instituições educativas gratuitas, enquanto os portugueses concentravam sua atenção na extração de mercadorias. Naquela época, não havia como prioridade uma educação popular, então cabia a Companhia a responsabilidade de ser a única representante do sistema de ensino formal e público do Brasil. Outro papel significativo que os jesuítas tiveram na construção da educação brasileira foi a importante atuação na formação do clero, através de seminários próprios ou de diversas dioceses, atuando como orientadores espirituais e de estudos, professores e em al­guns poucos também como diretores.

Nos dias de hoje, a Rede Jesuíta de Educação Básica no país é responsável por 17 instituições de educação básica e 6 instituições de ensino superior que reúnem mais de 31 mil alunos e também atua na área de Educação Popular em 14 estados, atendendo mais de 10 mil crianças, adolescentes e jovens, através de obras como a Fundação Fé e Alegria. A educação promovida pela Compa­nhia de Jesus acredita que a aprendizagem pode resultar em uma pers­pectiva de identidade. É educando que se permite a uma nação dizer quem é, e isso não só como pessoas, mas também quem nós somos como comunidade.

Já no contexto histórico nacional e cultural, os jesuítas estiveram intimamente relacionados com as transformações vividas. Para escrever a História do Brasil, é preciso primeiro escrever a História da Compa­nhia de Jesus no Brasil, isso porque, até o século XVIII, as duas histó­rias se entrelaçam.

Desde 1550, muitas transformações do nosso país têm a presença do legado jesuítico. Podemos dizer que os legados mais marcantes estão na criação do primeiro colégio do Brasil em Salvador e também no desenvolvimento do primeiro mapa das terras brasileiras. Na descoberta territorial, os jesuítas, em especial Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, estiveram presentes. São eles os fundadores das primeiras cidades brasileiras, no século XVI, participando da construção de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.

Além da colaboração na área educacional e na área das descobertas de terras, a Companhia de Jesus abriu-se a diferen­tes experiências, atuando também no cenário artístico e cultural no Brasil. A criação da pri­meira obra literária escrita e textos que marcam o início do desenvolvimento do teatro no Brasil foram realizados por jesuítas. Em 1567, em São Paulo, foi encenada a primeira peça teatral da cidade. Com o nome Pregação Universal, o espetá­culo foi montado pelo Apóstolo do Brasil, José de Anchieta, e apresentado em três línguas: tupi, português e espanhol.

No âmbito da saúde, a Companhia salvou vidas e renovou os métodos de cuidados aos feridos e enfermos da época. Quando chegaram ao país, viram um local sem médicos e cercado pelas doenças tropicais. Nesse contexto, os religiosos começaram a uti­lizar os escassos meios que tinham e passaram a utilizar a natureza como alia­da. Sem exceção, os jesuítas foram os primeiros coletores de ervas medicinais para tratar os colonos pobres e os indígenas desamparados. Eles criaram os primeiros hortos para cultivo de espécies botânicas nativas e também para aclimatar espécies de vegetais. Assim, podemos dizer que a Companhia de Jesus foi essencial para o desenvolvimento das áreas de saúde e de botânica.

Com mais de dois séculos vivendo em terras brasileiras, em 1759, por decreto do Marquês de Pombal, os jesuítas foram ex­pulsos de Portugal, do Brasil e dos de­mais domínios. Na época, cerca de 590 religiosos deixaram o país, fazendo com que a atuação da Ordem fosse abalada. Os jesuítas que aqui viviam foram forçados a abandonar os 17 colégios e 10 semi­nários que administravam em 12 municípios, desde Belém do Pará até Paranaguá. Encerraram cerca de 55 mis­sões entre os nativos, acabando com um total de 131 casas religiosas. Após as perseguições e até a extinção, a Companhia de Je­sus seria restaurada em 1814, mas os jesuítas só retornariam ao Bra­sil em 1841, 82 anos depois ao fim do episódio da expul­são. A partir de seu retorno, a continuidade da missão seguiu transformando o Brasil em diversos âmbitos.

O papel desempenhado pelos jesuítas, desde sua formação, se faz presente até hoje. A celebração da chegada dos jesuítas ao país é fundamental para que, fazendo memória do nosso passado, a gente possa efetivamente pensar a nossa missão atual e continuar, como os primeiros jesuítas em terras brasileiras, a ser mais para os demais.

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