“E a Palavra se fez carne” (Jo 1,14)
E eis que o tempo vem ao nosso encontro. Cada mês, cada dia, cada hora com sua originalidade, novidade e surpresa, chamando-nos a fazer a travessia para descobrir o sentido da existência escondido na apressada rotina do cotidiano.
A Palavra se faz tempo e se aproxima de nós, criando pontes, horizontes, chegando a lugares jamais imaginados ou tocados por nós. É no encontro com a Palavra revelada que brotam palavras criativas, inspiradoras, carregadas de esperança e de sentido. Por que será que o Criador usou da Palavra para se encarnar em nosso meio? Quê mistério e força contém a palavra para merecer tanta exclusividade diante da Encarnação do Filho de Deus?
Vivemos neste tempo e desejamos a eternidade
“Nós somos palavras”. Temos respirado e respiramos palavras desde que nascemos. Basta abrir a boca que as palavras jorram. Povos de todos os tempos e lugares sempre chamaram a atenção para o vínculo que existe entre as palavras e a vida. É graças à força das palavras que derrotamos o silêncio angustiante da solidão, derretemos o gelo da apatia, aprendemos a partilhar o ser e o ter.
De modo particular os poetas, os amantes, os místicos e os filósofos perceberam, desde sempre, a força e a sedução da palavra. No entanto, as palavras podem mudar a vida, para o bem ou para o mal. Uma palavra que comunica calor e luz, outra que semeia frieza e escuridão, uma que infunde confiança e restitui o indivíduo a si mesmo e ao seu futuro, outra que o arrasa e o desola.
As palavras nos tocam e nos modelam. Às vezes, elas nos tocam como brisa suave, às vezes como punhais, mas sempre nos deixando marcas profundas de estímulos ou de desânimo: sentimentos de alegria ou tristeza, de paz ou guerra, de tranquilidade ou inquietação, de fé ou descrença, de amor ou ódio. Sinceras ou falsas, pensadas ou espontâneas, são um de nossos maiores tesouros.
As palavras perdem força e criatividade quando não nascem do silêncio. O mundo está repleto de papos vazios, confissões fáceis, palavras ocas, cumprimentos sem sentido, louvores desbotados e confidências tediosas. Nós somos as palavras que escutamos e aquelas que foram silenciadas, negadas ou omitidas dentro de nós. Falamos apenas das palavras ditas, mas não podemos nos esquecer daquelas comunicadas no silêncio da censura, da cobrança, da recriminação, da humilhação.
Há uma palavra que constrói e uma que destrói
Dúbios como nós, palavras podem criar armadilhas ou abrir portas para largos horizontes, podem embalar ou derrubar, acolher calorosamente ou matar dolorosamente. São Lucas (4,16-30) nos relata como as pessoas “ficavam admiradas com as palavras cheias de encanto que saíam da boca de Jesus”. Tal situação nos ajuda a considerar o mistério escondido naquela palavra que sai de nossa boca e de nosso coração de forma afirmativa, redentora, bendita. Quando assim conseguimos permitir com nossas palavras, estamos contribuindo, literalmente, para a edificação humana do outro. Com isso, estamos falando de um ser mais saudável, equilibrado, integrado em suas dimensões (psíquica, social, corpórea, espiritual).
É extraordinário perceber como as palavras ditas com cuidado e amor (pedagogia de Jesus) produzem efeitos benéficos para o ser humano. Como é importante para um adulto, um dia criança, ter escutado palavras ordenadoras de emoções, de autoestima. Essas palavras são bem-aventuradas, pois se tornam capazes de fazer crescer, sustentar, enfim, levantar pessoas mais saudáveis no convívio social, humano-afetivo, espiritual.
Formados e purificados pela própria Palavra no forno do silêncio, estaremos prontos para proferirmos palavras benditas, palavras que possuem um magnetismo especial, que libertam, acalentam, invocam emoções. Certas palavras nos acompanham durante muito tempo. Todos nos lembramos de palavras proferidas por pessoas especiais em momentos de dificuldade, que nos deram luz e força. Portanto, na oração, cave palavras nas minas do seu silêncio e deixe que o Espírito lhe diga a palavra misteriosa, a palavra diferente reveladora de sua verdadeira identidade. Palavra divinizada que favorece o encontro, a proximidade e a acolhida mútua.
Texto Bíblico Jo 1,14
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