Acompanhamento espiritual das juventudes: ajudar o exercício da liberdade

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Padre Edson Tomé Pacheco, SJ 

O Acompanhamento Espiritual é uma experiência singular e essencial no processo de amadurecimento da fé dos batizados. O acompanhamento é uma mediação auxiliar no processo de amadurecimento na fé. O termo processo, em se tratando de jovens, pode nos remeter a pensar em passos a serem dados em um caminho de desenvolvimento humano e espiritual. Esse caminho não é uma estrada em linha reta. Podemos pensá-lo a partir do referencial da pessoa a realizá-lo ou a partir da meta de terminar o trecho a ser percorrido. O que propomos é nos voltarmos para a pessoa que se descobre e descortina o mundo em um processo de caminhar nas veredas da existência. 

No princípio do caminhar está a abertura de coração suscitada pelo Espírito (cf. Jr 20,7). O buscador em sua procura por compreender esse chamado vertiginoso sai ao encontro de ajuda. O Cristo presente na comunidade reunida (cf. Mt 18, 20) se revela ao peregrino na relação fraterna. Nesse encontro de batizados, emerge uma práxis de serviço caracterizada pela maneira de um cristão ajudar outro cristão a crescer em seu relacionamento com Cristo.  

O acompanhante o ajudará a organizar as dimensões da vida (intelectual, afetiva, relacional e espiritual) de acordo com a vontade de Deus (EE 234): “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). O objetivo principal do acompanhamento espiritual é ajudar o acompanhado a buscar e encontrar a vontade de Deus no cotidiano de sua vida para, em seguida, colocar-se a serviço com e para os demais. Sendo assim, o Acompanhamento Espiritual é uma mediação através da qual busca-se luz para o caminho em vez de soluções práticas e receitas prontas. 

O Acompanhamento Espiritual não é apenas mais um tipo de relacionamento de ajuda (assistente social, terapia psicológica etc.). Seu centro é o dinamismo do Espírito Santo que habita em cada ser humano. No Acompanhamento Espiritual pessoal, acompanhante e acompanhado aprendem a reconhecer, interpretar e decidir na perspectiva da fé. Voltar o olhar à escrita de Deus na história humana (teografia) e encontrar o sentido dessas marcas no caminho (mistagogia). “Relendo nossa vida, vamos ver que as marcas que aí se encontram são sinais indicadores do caminho que Deus me fez e faz andar” (MORO, Ulpiano Vazquez. A orientação espiritual: mistagogia e teografia. p. 11)

O Acompanhamento convida a desenvolver atitude de escuta ao que se passa na vida cotidiana buscando encontrar Deus em todas as coisas (cf. EG, n. 169-173).  Deus continua a se comunicar na história coletiva e individual. De modo geral, o acompanhamento diz respeito ao concreto e profundo da existência. A saber, a passagem de Deus por nossa vida que toca e alcança todo o nosso ser e nos convida a ser mais para e com os demais.  

O ministério do acompanhamento constitui uma verdadeira missão. Requer a disponibilidade apostólica do acompanhante. Acompanhar exige da pessoa que acompanha colocar-se à disposição do Espírito do Senhor que o convoca na vida do acompanhado. Com todas as suas qualidades e capacidades, a vida do outro é espaço da Revelação.  

Como nos lembra o Sínodo de 2018 sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional: “os jovens são um lugar teológico”. Precisamos escutar a vida. Na vida dos jovens Deus fala ao mundo e propõe um novo modo de caminhar. Por isso, procurar olhar para os jovens com a atitude de Jesus consiste em ajudá-los a discernir na própria vida os sinais do Espírito (DF, n.66). 

O segundo passo desse movimento é essencial. Colocar-se à disposição para escutar e ajudar o outro a escutar. Após esse movimento, a pessoa que acompanha precisa ter a consciência de humildemente manter-se em sua posição de quem caminha ao lado. O ministério exige respeito à autonomia do caminho trilhado pelo jovem. 

O acompanhamento trabalha com a alteridade da relação entre Deus e o acompanhado. Para tal, é necessário que a pessoa que acompanha tenha consciência firme que o escopo do ministério exige uma profunda radicação na vida espiritual. Se assim o for, respeitará o êxito do percurso dos acompanhados assistindo-os com a oração e alegrando-se com os frutos que brotam na vida daqueles que abrem o coração ao Espírito.  

O acompanhamento jamais poderá ser atravessado pela imposição da vontade ou das preferências da pessoa que acompanha e nem mesmo do acompanhado. Esse é um critério fundante. O acompanhante não pode ocupar o centro da situação assumindo atitudes possessivas e manipuladoras que criam dependência nas pessoas. Uma relação pautada nesses valores tem por consequência o abuso espiritual. Esses são sinais evidentes para discernir se está ou não em um caminho saudável e autêntico de acompanhamento espiritual.  

São Paulo nos exorta, “foi para liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). A história de Jesus é uma história da sua liberdade. Jesus de Nazaré situado em um contexto, libertou-se dos condicionamentos e determinações para se entregar ao Pai e aos irmãos. O acompanhado, livre por condição humana, se entrega ativamente e se deixa ser conduzido pelo Espírito em um processo de libertar a sua liberdade para se lançar a ser mais (EE 5).  

Logo, o acompanhamento precisa ser integral. Focalizar a pessoa em todas as suas dimensões: corporal, intelectual, afetiva, volitiva, relacional e comunitária, espiritual, biográfica (PRIETO, 2020, p. 16-18). Então, quem acompanha “se preocupará menos em ‘curar’ as deformações ou em eliminar os impedimentos em sua raiz (o que muitas vezes será impossível, ainda que fosse o ideal) e, mais em ajudar a liberdade a exercer seu dinamismo próprio o máximo que a pessoa puder” (MIRANDA, Tomás Rodríguez. A direção espiritual: pastoral do acompanhamento. p. 164). 

Tendo isso em vista, torna-se premente relevar o apelo dos jovens no Sínodo sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” ao exigirem que os acompanhadores sejam pessoas equilibradas, com capacidade de escuta e amadurecidas na fé e na oração. Sobretudo, pessoas que já se confrontaram e se confrontam cotidianamente com as suas próprias fraquezas e fragilidades. Esse caminho os torna acolhedores e misericordiosos, sem moralismos e nem falsas condescendências. Pois, os acompanhadores precisam saber oferecer também uma palavra de correção fraterna quando oportuno. Portanto, o ministério do acompanhamento espiritual de pessoas jovens ancora-se no respeito profundo ao outro como melhor garantia contra os riscos de imitação servil e de abusos de todos os tipos (DF, n.102). 

Sendo assim, o acompanhamento espiritual de jovens é uma mediação de serviço voltada para ajudá-los (as) na construção do sentido da vida. Jesus Cristo oferece a luz e a força nesse caminho (GS, n.10). O (a) acompanhador (a) ajuda os e as jovens nesse processo de busca e encontro verdadeiro com Jesus de Nazaré que dá sentido ao existir. Ajudar os jovens encontrarem a Cristo é um serviço de colaboração para a libertação da liberdade para que se possa ser mais com e para os demais. 

REFERÊNCIAS 

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. In: _____. Compêndio Vaticano II. 28. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 

PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Brasília: CNBB, 2013. 

MIRANDA, Tomás Rodríguez. A direção espiritual: pastoral do acompanhamento. Trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2009.  

PRIETO, Xosé M. D. A arte de acompanhar. Trad. Beatriz Aratangy Berger. São Paulo: Paulinas, 2020. 

SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Exercícios Espirituais. 12.ed. São Paulo: Loyola, 1985. 

MORO, Ulpiano Vazquez. A orientação espiritual: mistagogia e teografia. São Paulo: Loyola, 2001. 

XV ASSEMBLEIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS. Documento Final: Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Brasília: CNBB, 2019. 

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