“Deus tanto amou o mundo que enviou seu único filho para quê, por ele, todo mundo possa ser salvo, reconciliado…” costumava rezar irmão Roger de Taizé.

Irmão Cristóvão – Comunidade de Taizé de Alagoinhas/ BA

Cristo, durante sua vida, viveu a amizade especialmente com os pobres, as mulheres, as crianças e, de forma mais próxima, com todas as pessoas que foram colocadas à margem da sociedade ou excluídas. Mas também desejava ser amigo do jovem rico. Assim, podemos ver em Cristo o ícone do amigo.

No século VIII, os cristãos coptas escreveram um ícone, mostrando Cristo com abade Mena (ou Menas), um amigo de Cristo. Cristo coloca seu braço no ombro do amigo, confirma-o, acolhe-o, torna-se muito próximo e, através desse toque, desse abraço, demonstra sua amizade e amor. Como nos textos do Evangelho de João, onde está escrito ‘o discípulo que Jesus amou’, podemos colocar nossos nomes aqui também, podendo nos colocar sob o braço de Cristo e sentir sua amizade.

Neste texto, estou utilizando a expressão ‘amigo’, mas acredito que chegou o momento de também usarmos a palavra ‘amiga’. Podemos imaginar e aceitar que uma mulher, sua amiga, caminhe junto com Cristo, iluminada, aceita, santificada e abençoando (assim como na história de Emaús, onde uma mulher e seu marido Cléopas caminharam junto com Cristo).

Como poderíamos falar em ser dignos ou merecermos essa amizade? É Cristo quem salva, acolhe e santifica. Talvez pudéssemos ser, como o amigo desse ícone, tímidos, surpresos ou até assustados com tamanho amor e acolhida. Talvez até protestemos dizendo ao Cristo: ‘Senhor, não sou digno…’. Mas Cristo diz a cada um de nós: ‘Eu te escolhi, eu te amei primeiro, escrevi seu nome na palma da minha mão, você é precioso aos meus olhos e eu te amo’. Diante disso, todas as regras humanas que tentam limitar ou até proibir o acesso a essa comunhão e amizade com Cristo parecem contraditórias. Paulo escreveu: ‘Estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor’. A santidade de Cristo não é defensiva; não precisamos ser guardiões dela, pois ela é capaz de transformar toda adversidade e todo mal em bem.

A santidade de Cristo é comunicativa, e como o Rei Midas, na mitologia grega, tudo o que ele tocava transformava-se em ouro e assim o rei ficou sozinho e com fome. Aqui, Jesus, tudo o que ele toca, santifica e continua a fazê-lo pela ação do Espírito Santo. Tudo se torna santo, luminoso, cheio de bondade e amor. Nesse ícone, as roupas do amigo parecem resplandecer, ficam luminosas, como se Cristo o transformasse em ser transfigurado, luminoso. ‘Cristo, do mundo, a luz. Quem te acompanha terá a luz da vida’, cantamos nas orações em Taizé.

Cristo acompanha o amigo, caminha ao seu lado, e o amigo olha na mesma direção que Cristo. O que eles estão vendo? Talvez quando Cristo nos transforma em ícones de Deus, nos tornamos à sua semelhança (já somos a imagem dele), e através da contemplação podemos ver todas as nossas irmãs e irmãos como Deus os vê, como realmente são, amigas e amigos de Deus.

Os olhos de Cristo e do amigo são enormes, como se toda a beleza da criação e a santidade das pessoas caíssem neles. E as orelhas são desproporcionalmente maiores do que a boca, talvez para dizer que, entre amigos, a escuta e o silêncio são importantes.

O amigo poderia dizer junto com Paulo: ‘Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim’. E essa vida de Cristo em nós não anula a nossa, não a suprime. Ela devolve o sentido pleno à nossa vida e a santifica. Isso acontece a tal ponto que o amigo é quem abençoa agora, tornando-se a extensão da ação de Cristo. Os pés de Cristo não são visíveis nesse ícone, mas os do amigo sim, como para dizer que as amigas e os amigos de Cristo são sua porta-voz e portadores de sua ação. Cristo segura o livro da Boa Notícia, e o amigo segura um pequeno texto enrolado. Como dizia o irmão Roger: ‘Não se preocupe se você não entende tudo do Evangelho. Com o pouco que você compreendeu, você já pode vivê-lo’.

Nas Igrejas da tradição oriental e, cada vez mais, nas outras Igrejas, existe o costume de rezar com ícones, contemplá-los. O Pai Bento dizia: ‘O que é dito através da Palavra é revelado silenciosamente através da imagem’. Quando contemplamos o ícone de Cristo Amigo, quando rezamos diante dele, não precisamos usar palavras; podemos nos perceber debaixo do braço de Cristo, nos imaginar passeando ao seu lado e escutando o que ele nos diz, como se fosse num jardim ou numa praia ao pôr do sol.

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