A convite é para praticarmos este “esvaziamento” uns pelos outros na construção de uma realidade pessoal e comunitária que reflete o dinamismo do Amor intra-trinitário de Deus.

Por Pe. Alexander Zatyrka Pacheco, SJ
(Traduzido do artigo publicado na Revista Christus)

O campo semântico “vazio-esvaziamento” tem grande importância na tradição cristã. Evoca especialmente o hino cristológico de Filipenses 2, 5-10. Neste texto, afirma-se que “Cristo, sendo em forma de Deus, não considerou ser igual a Deus algo a que deveria se apegar, mas esvaziou-se a si mesmo [literalmente, ‘se esvaziou’], assumindo a forma de servo”.

O termo grego kénosis, “esvaziamento”, descreve essa entrega radical de Jesus que se dá (se esvazia) completamente pela humanidade. Ou seja, toma tudo o que é e entrega (se esvazia), tornando-se um dom para os outros.

A fé trinitária parte da convicção de que Deus não é uma solidão fechada em si mesma, mas sim uma comunidade de Amor: Pai, Filho e Espírito Santo, cuja doação mútua, radical e completa “sustenta” a natureza divina (isto é, o que chamamos Deus): todo o Pai se esvazia por Amor gerando o Filho. Nada do Pai é estranho ao Filho, porque o Pai se entregou completamente a Ele, sem guardar nada para si. O Filho o ama em reciprocidade, entregando-se totalmente Nele. O Espírito Santo é a personificação desse dinamismo. A paradoja é que justamente essa entrega mútua é o que permite que o Pai, o Filho e o Espírito sejam quem são.

Como cristãos, acreditamos que fomos criados à “imagem e semelhança” de Deus. Mas não de qualquer deus, mas dessa comunidade trinitária. Jesus de Nazaré é o Filho de Deus que, assumindo plenamente nossa condição humana, nos ensina a viver essa entrega mútua “humanamente”. Toda a sua vida é kénosis, esvaziamento, entrega de si para se tornar vida para nós. Com seu amor livre e incondicional, ele nos capacita e molda para nos amarmos mutuamente da mesma forma.

O convite é para praticarmos esse “esvaziamento” uns pelos outros na construção de uma realidade pessoal e comunitária que reflita o dinamismo do Amor intra-trinitário. Inácio retoma essa verdade na meditação central dos Exercícios Espirituais: “A Contemplação para Alcançar Amor” (EE 230). Parte da convicção de que Deus é Amor (1 Jo 4, 8), ou melhor, “Deus é amando”. Amar livre e incondicionalmente é “ser/existir” à maneira de Deus.

Esse Amor não é mera especulação ou boa intenção. Inácio diz que “o amor deve ser colocado mais em obras do que em palavras”. Enfatiza que o amor consiste em uma troca de bens: cada um compartilha com o outro (com os outros) o que tem e pode, e vice-versa. Nós nos “esvaziamos” uns pelos outros, dando o melhor de nós, que se torna vida para o amado. Por sua vez, em reciprocidade, recebemos o melhor dos outros, que passa a fazer parte integral de quem somos.

Assim, experimentamos a paradoxa de que, quanto mais nos entregamos (nos esvaziamos) pelos outros e crescemos na valorização do dom que recebemos da doação de cada pessoa, mais seguros estamos de nossa identidade. Esta é uma convicção fundamental da espiritualidade cristã e inaciana.

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