Comprometidos com a humanidade: juventudes e participação eclesial e social 

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Giovani do Carmo Junior

Caros (as) Leitores (as), faz bem iniciarmos o texto de hoje retomando alguns elementos tratados nos dois primeiros textos desta série. No primeiro texto tratamos das condições materiais, psíquicas e espirituais elementares para a formação de lideranças juvenis em vista dos desafios da contemporaneidade. No segundo texto dialogamos sobre o esfacelamento da experiência comunitária causada pela determinação de dois modelos presentes nos ambientes eclesiais: a sociedade da honra e a sociedade de consumo e produtividade.  

Esses paradigmas condicionam os modos de compreensão do fenômeno da liderança. Mais ainda, condicionam o enfraquecimento progressivo da experiência em comunidades. Por isso, à luz do magistério do Papa Francisco e das experiências comunitárias juvenis, apontamos a via da sinodalidade como um caminho profético crítico. 

Todavia, antes de avançarmos a passos largos, quero tratar de alguns pressupostos fundamentais da pastoral juvenil os quais estão imbricados na prática evangelizadora. Uma prática sempre carrega consigo uma racionalidade. Isto é, há uma lógica interna que dá uma certa racionalidade ao modo das pessoas sentirem, agirem e viverem.  

Sendo assim, os textos anteriores podem ser questionados sob o prisma da verdadeira Tradição e do autêntico Magistério a respeito da relação da Igreja com o mundo ou do mundo com a Igreja. Por que a nucleação juvenil e a formação de lideranças são importantes para a pastoral juvenil? Por que formar lideranças juvenis engajadas na pastoral de conjunto e abertas às realidades do mundo é relevante para a evangelização? Por que ser mais com e para os demais? Qual a relação da formação de liderança juvenil com o Evangelho?  

Discípulos-missionários solidários com a humanidade 

O povo de Deus, comunidade dos discípulos-missionários, se autocompreende como sinal peregrino de unidade e promoção da dignidade humana na história. Deus chama seu povo a, como Ele, não ser indiferente às angústias, dores, incertezas, alegrias e realizações do humano (cf. Ex 3, 7). Diante de uma realidade de desumanização, a comunidade eclesial se compromente com a garantia do bem-comum. O bem em comum consiste no conjunto de necessidades fundamentais para a existência de uma vida verdadeiramente humana para todos (Gaudium et Spes, n. 26).  

O Filho de Deus ao se encarnar na história encarna o modo de ser da Trindade: relação e solidariedade. Deus deseja fazer comunidade com a humanidade (Gaudium et Spes, n. 32). O anúncio do seu Reino implica todos os discípulos-missionários na construção de laços sociais justos e fraternos. Por isso, o serviço à integralidade da vida se torna a marca distintiva dos discípulos-missionários radicados no Evangelho. Estes carregam consigo a convicção que “sobre a terra, o reino já está misteriosamente presente; quando o Senhor vier, atingirá a perfeição” (Gaudium et Spes, n. 39). Assim, a participação consciente, ativa e responsável em vista do bem comum é um dever de todo cristão para com a humanidade por causa do Reino de Deus.  

“A pessoa humana se constrói no tempo” relacionada a si, aos outros e ao mundo (Dignitas infinita, n. 9). Ao apontarmos os desafios e obstáculos nos textos anteriores, desejamos superar o que impede ou mesmo leva os e as jovens a construirem uma participação insuficiente na comunidade humana (Doutrina Social da Igreja, n. 191). Precisamos colaborar com a difícil tarefa de “nos constituirmos como um ‘nós’ que habita a casa comum” (Fratelli Tutti, n. 17).  

Nesse sentido, percebemos como a solidariedade do Mestre de Nazaré com a humanidade nos comunica as dimensões do agir de Deus. A solidariedade consiste na “exigência de reconhecer, no conjunto dos liames que unem os homens e os grupos sociais entre si, o espaço oferecido à liberdade humana para prover ao crescimento comum, de que todos partilhem” (Doutrina Social da Igreja, n. 194). Portanto, a pastoral juvenil se dedica a educar-evangelizar os e as jovens para a participação eclesial e social consciente, profética e solidária. 

Juventudes: participação eclesial e social 

“Os jovens do nosso tempo, como os de todas as épocas, constituem um vulcão de vida, de energias, de sentimentos, de ideias. Vê-se isto a partir das maravilhas que sabem fazer, em tantos setores” (Papa Leão XIV. Discurso aos Irmãos das Escolas Cristãs em 15 de maio de 2025). A Igreja cresce progressivamente na compreensão que as juventudes são e devem ser encorajadas a serem sujeitos ativos no hoje da história, pois são “protagonistas da evangelização e artífices da renovação social” (Christifidelis laici, n. 46).  

O processo educativo-evangelizador das juventudes requer compreendê-las como indivíduos capazes de agir sobre a realidade pessoal e coletiva mesmo diante da diversidade, da diferença e da desigualdade. “Um jovem já não é uma criança, encontra-se num momento da vida em que começa a assumir várias responsabilidades, participando com os adultos no desenvolvimento da família, da sociedade, da Igreja” (Christus Vivit, n. 64). São capazes de responderem com autonomia transformando a própria vida em um ato corajoso (παρρησία-parresia) de construção ativa da Civilização do Amor (Civilização do amor: projeto e missão. p. 305). 

Os jovens são singularidades ao mesmo tempo abertas ao desenvolvimento e marcadas pela historicidade. Detém uma forma de interpretar o mundo e produzir sentido. Criam mundos e também são produzidos por eles. Esses sistemas de sentidos são importantes para compreender as juventudes, pois são as relações e os processos que “dizem quem ele é, quem é o mundo e quem são os outros” (DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação. p. 43).  

O seu desenvolvimento está diretamente influenciado pela qualidade dessas relações das quais fazem parte. Produzir experiências educativas geradoras de relações estimuladoras de liderança ajuda sobremaneira o engajamento e a participação juvenil. Por isso, poder oferecer experiências de desenvolvimento de sistemas de sentidos pode ajudar as juventudes a educarem-se à liderança sócio-transformadora. 

Entretanto, a participação juvenil parece estar relacionada à transitoriedade da sua condição. A dificuldade de mobilização e de influência institucional das pautas juvenis, em contraposição às demandas materiais de outros grupos sociais como os trabalhadores impedem a maior participação juvenil (CARDOZO, Carlos Eduardo. Juventudes: percepções atuais múltiplos olhares, p. 106). Esses elementos influem, mas não impedem a participação.  

Os jovens estão capilarizados e pulverizados em grupos e movimentos eclesiais e sociais predominantemente juvenis. Ou participam em movimentos em que coexistem com pessoas de diversas faixas etárias (NOVAES, Regina. Juventud, religión y política: ¿qué hay de nuevo en el Brasil del siglo XXI?). O relatório “Juventude e Democracia na América Latina” de 2022 fruto da pesquisa realizada pela Luminate apontou que os jovens veem como necessários os processos políticos institucionais como é o caso das eleições e os processos horizontais de participação coletiva. 

Ainda mais, a juventude tem predisposição maior a se organizar em torno de pautas como meio ambiente, desigualdades sociais, feminismos e direitos LGBT+ (TEIXEIRA, Rylanneive Leonardo Pontes; SILVA JÚNIOR, Marcos Aurélio Freira da; ANDRADE, Flávia Alessandra Souza de. Juventude, mobilizações e mudanças climáticas. p. 36). Os jovens são sensíveis à imbricação entre os dilemas da vida pessoal e os dilemas sociopolíticos (CARDOZO, Carlos Eduardo. Participação juvenil: novas formas de participação social. p. 81). Por um lado, conectam-se por pautas cotidianas e do âmbito da vida subjetiva. Por outro lado, não perdem de vista a conexão com os dilemas globais. Afinal, o mesmo sistema que destrói o planeta, explora o trabalhador, racializa as pessoas, violenta as mulheres, as pessoas LGBT+ e os indígenas, exclui os pobres, causa fome e pobreza e, por fim, oprime e mata os que não se enquadram no perfil produtivo. 

“Estamos prontos para sermos líderes” 

O Sínodo dos Bispos sobre os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional de 2018 defendeu com veemência: a vida dos e das jovens é lugar teológico. Se soubermos escutar o Espírito a falar em suas vidas, perceberemos o anseio profundo por experiências educativas e evangelizadoras que os impulsionem a serem livres e protagonistas no anúncio do Evangelho (Christus Vivit, n. 240). Na reunião Pré-sinodal suas vozes expressaram com coragem: 

Nós sentimos fortemente que estamos prontos para sermos líderes, amadurecermos e aprendermos com os membros mais experientes da Igreja, religiosos ou leigos. Nós precisamos de programas de liderança e formação para o desenvolvimento contínuo de lideranças jovens. […] Os jovens da Igreja querem ter também um olhar para fora. Eles têm paixão por atividades políticas, civis e humanitárias. Eles querem agir como católicos na esfera pública para o aperfeiçoamento da sociedade como um todo. Em todas estas dimensões da vida da Igreja, os jovens desejam ser acompanhados e levados a sério, como membros responsáveis da Comunidade eclesial ( [Grifo nosso]. Documento da Reunião Pré-sinodal. Parte III, n. 12). 

Os acompanhadores e os processos de acompanhamento de jovens devem “confiar sinceramente na capacidade que tem cada jovem de participar na vida da Igreja” (Christus vivit, n. 246), nos ensinava o Papa Francisco. Os jovens nativos digitais continuam a se engajarem de maneira ativa na vida sociopolítica utilizando as maneiras que dispõem e conhecem. Atuam no mundo digital e participam de programas e movimentos sociais  revelando violações de direitos, construindo casas, agindo em áreas contaminadas por desastres ambientais ou recolhendo ajudas humanitárias. É inegável que as juventudes mobilizam uma energia comunitária (Chistus vivit, n. 172).  

Assim, como acompanhadores de jovens, precisamos nos perguntar: como estamos nos dedicando a proporcionar processos voltados à energia comunitária das juventudes? Como estamos escutando e promovendo o desejo e a capacidade dos e das jovens de participarem e exercerem liderança na vida eclesial e social? Estamos abrindo portas e dando espaço às dúvidas, aos traumas, aos problemas cotidianos e globais como a busca por identidade, aos erros, às suas histórias pessoais, às suas experiências de pecado e às suas dificuldades e angústias reais (Christus vivit, n. 234)?  

REFERÊNCIAS 

CARDOZO, Carlos Eduardo. Juventudes: percepções atuais e múltiplos olhares. São Paulo: Delicatta, 2020.  

CARDOZO, Carlos Eduardo. Participação juvenil: novas formas de participação social. In: ______. Jovens construindo juventudes: reflexões sobre o contemporâneo. 3.ed. São Paulo: Delicatta, 2019.  

COMPÊNDIO DE DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Disponível em: < https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html>. Acesso em 22 mai. 2025. 

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. In: _____. Compêndio Vaticano II. 28. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.  

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Civilização do amor – Projeto e Missão. Brasília: CNBB, 2013.  

DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação. N.24, set./dez. 2003, p. 40-52 

DICASTÉRIO PARA DOUTRINA DA FÉ. Dignitas infinita. Disponível em: < https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_ddf_doc_20240402_dignitas-infinita_po.html>. Acesso em 22 mai. 2025.  

Documento Final da Reunião Pré-sinodal. Disponível em: < http://secretariat.synod.va/content/synod2018/pt/apresentacao-della-reuniao/documento-final-da-reuniao-pre-sinodal.html >. Acesso em 22 mai. 2025.  

FRANCISCO. Christus Vivit. Brasília: CNBB, 2019. 

FRANCISCO. Fratelli Tutti. São Paulo: Paulus, 2020.  

NOVAES, Regina. Juventud, religión y política: ¿qué hay de nuevo en el Brasil del siglo XXI? Disponível em: < https://oji.fundacion-sm.org/descifrando-la-juventud/espiritualidad/juventud-religion-y-politica-que-hay-de-nuevo-en-el-brasil-del-siglo-xxi/>. Acesso em 22 mai. 2025. 

PAPA LEÃO XIV. Discurso aos Irmãos das Escolas Cristãs em 15 de maio de 2025. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/leo-xiv/pt/speeches/2025/may/documents/20250515-fratelli-scuole-cristiane.html>. Acesso em 22 mai. 2025. 

SÃO JOÃO PAULO II. Christifidelis laici. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_30121988_christifideles-laici.html>. Acesso em 22 mai. 2025. 

TEIXEIRA, Rylanneive Leonardo Pontes; SILVA JÚNIOR, Marcos Aurélio Freira da; ANDRADE, Flávia Alessandra Souza de. Juventude, mobilizações e mudanças climáticas. OLIVEIRA, Victor Hugo Nedel. Juventudes e mudanças climáticas. Porto Alegre: GEPJUVE, 2025. 

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