“A arte de olhar a humanidade à maneira
de Inácio, é reflexo da bondade, benignidade,
simpatia de Deus pelo ser humano”

 É daqui também que brota o reconhecido como característica da espiritualidade inaciana: uma visão completa e amável do ser humano, de seus problemas e vicissitudes, uma sensibilidade para todo valor humano e um grande interesse em promover o ser humano enquanto tal, consciente de que isso forma parte da Redenção que se iniciou com a vinda do Verbo.” (Pe. Iglesias)

A grande contribuição e originalidade de Santo Inácio à história da humanidade diz respeito à aventura da descoberta do mundo interior, esse mundo desconhecido e surpreendente, que é o coração, onde acontece o mais importante e decisivo em cada pessoa. Enquanto seus contemporâneos aventuravam-se nas descobertas de novas terras, Inácio caminhava para as terras desconhecidas da própria existência. Ele descobre que toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.

Viver em profundidade significa entrar no âmago da própria vida, descer até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Ali se pode encontrar o sentido de tudo aquilo que se é, daquilo que se faz, se espera, busca e deseja. É no eu mais profundo que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser. Trata-se da dimensão mais verdadeira de si, a sede das decisões vitais, o lugar das riquezas pessoais, onde ela vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde partem as suas aspirações e desejos mobilizadores, onde a criatividade busca inspiração.

O coração está habitado de sonhos de vida

A vivência da espiritualidade inaciana nos revela que o subir até Deus passa pelo descer às profundezas da própria humanidade. Santo Inácio nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea, aqui experimentamos a unidade de nosso ser.

Desta fonte brotam em nós as melhores possibilidades, capacidades, intuições, de futuro, de projetos; sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo, busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos. Sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude, sente-se atraído por um desejo irreprimível de ir além, de sair de seus lugares estreitos, de romper, de fazer a travessia.

Portanto, a espiritualidade inaciana é uma espiritualidade de descida em direção a tudo o que é humano. E isso é possível porque Deus já desceu à condição humana. Deus revela sua transcendência humanizando-se até onde nós somos incapazes de chegar. Tal é o sentido profundo da contemplação do mistério da Encarnação.

Somos convocados a olhar nossa terra cotidiana

Para Santo Inácio, a Encarnação começa com um olhar, com um modo de olhar que compromete o interior das pessoas divinas. O Exercício da Contemplação da Encarnação consistirá em acompanhar o olhar amoroso e compassivo da Trindade sobre a humanidade, em ver a humanidade com os olhos da Trindade. O olhar da Trindade é um olhar inovador, olhar comprometido que faz acontecer a nova criação.

A partir deste divino olhar contemplativo é que somos chamados a olhar, escutar, observar os outros com os olhos de ternura, de compaixão, de acolhida. Olhar não contaminado, sem veneno. Olhar sem suspeita, sem julgamento, sem comparações. Olhar que recria o ser humano, que abre futuro novo, que percebe no outro uma originalidade divina. Olhar criador que semeia vida e paraíso. Olhar inquietante que sonda a verdade.

Ao contemplar a Trindade olhando, desperta-se em nós um olhar amoroso que desvenda as entranhas da realidade, que capta o mistério íntimo das pessoas e das criaturas. Olhar amoroso que não só registra o que aparece, mas que garimpa o que se esconde, olhar apaixonado, que caça luz, que deslumbra, que fica admirado e assombrado diante da nobreza do outro e da maravilha da criação. É através dos olhos que as crianças, pela primeira vez, tomam contato com a beleza e o fascínio das pessoas e do mundo.

A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é. É olhar as pessoas e o mundo como sacramento de Deus: tudo está inundado de Deus, tudo é sagrado. A partir do olhar de Deus podemos transformar uma pessoa, reconstruí-la, fazê-la renascer, restitui-la a si mesma e ao futuro. Muitas vezes, o presente mais precioso que podemos dar a alguém é um olhar diferente; o futuro, a acolhida, o perdão, a alegria dessa pessoa podem depender desse olhar novo, cheio de afeto e confiança. Em muitas situações difíceis da vida, o que salva é o olhar.

Texto Bíblico  Lc 19, 1-10

 

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