Santo Inácio: o homem que sonhou com outra realidade possível
Quando uma pessoa revela aquilo que a plenifica e dá sentido à sua existência, no fundo ela está formulando seu desejo de fazer o caminho presente a partir do sonho do futuro. Ela tem o desejo de explorar as novas possibilidades e criatividades humanas, confrontando a imaginação com a realidade que a cerca. A convicção disto é que nós, seres humanos, temos necessidade de formular nossos sonhos e expressar nossas aspirações mais profundas, para poder dinamizar nossa existência a partir de uma utopia que deve ser construída e antecipada no nosso cotidiano.
No sonho, o “final” já está presente no começo do caminho. Quando damos o primeiro passo, como Abraão, já carregamos nas costas a terra prometida, para onde nos move a promessa divina.
De uma maneira diferente, assim expressa Ira Progoff: “Como o carvalho está latente no interior da semente, assim a plenitude da personalidade humana, a totalidade de suas possibilidades criadoras e espirituais está latente no interior do ser humano incompleto que espera, em silêncio, a possibilidade de aflorar”.
Sonhar é uma atividade gratificante em alto grau; é completa, gratuita, indispensável para pôr em marcha qualquer projeto. Sonhar desperta as energias adormecidas, a criatividade reprimida, põe em movimento as intuições escondidas. Sonhar significa não se prender à “lógica inflexível da mera repetição”, e sim embarcar numa viagem arriscada, mas fascinante, de pensar e sentir o “novo” e querer vivê-lo no cotidiano. Todos sonhamos com o “novo”. Temos direito de fazê-lo.
Este novo pode vir ou de alguma realidade ainda não criada, diferente, ou de uma maneira original de realizar as coisas que fazemos. Mesmo os sonhos antigos nunca são esquecidos; eles estão lá presentes na força escondida dos nossos sonhos novos. O sonho nasce do contraste entre um presente limitado e um futuro luminoso. É da fraqueza e da fragilidade que brotam os sonhos.
Diante da dura realidade do presente nos é permitido sonhar que “outro mundo é possível”. Geralmente os sonhos nos surpreendem e nos superam por sua grandeza; por isso, muitas vezes os deixamos escapar como algo impossível ou por medo de não darmos conta.
“Não tenho medo do mundo novo que surge. Espanta-me que possamos dar respostas de ontem aos problemas de amanhã. Não pretendemos defender nossos equívocos; mas tampouco queremos cometer o maior de todos: o de esperar com os braços cruzados e não fazer nada por medo de errar” (Pe Pedro Arrupe).
É óbvio que, antes da realização de qualquer sonho, é necessário um longo período de vigília. Mas chega o momento em que o sonhador tem de ser também realizador. Ninguém interpreta melhor os sonhos que o próprio sonhador. Ele precisa se empenhar em conseguir realizar os sonhos concretos de cada dia, para chegar às grandes realizações. Por isso, realizar sonhos tem um preço que se paga com a fidelidade, com a constância, com o esforço, com o desejo de crescer, com a busca do mais… e uma boa dose de risco, de valentia que não mede dificuldades, de ousadia criativa.
Os sonhos revelam aquilo que é mais humano e divino, em nós.
Morrem as ideologias, as filosofias passam, mas os sonhos permanecem. São eles que mantêm o horizonte da esperança sempre aberto. Eles criam o húmus propício de onde nascem novas possibilidades, uma percepção diferente da realidade, uma visão ampliada da história.
Quando nossos sonhos afloram e alcançam uma grande amplitude, eles revelam tudo o que temos de melhor. Eles falam de nós. O que está no nosso sonho é a nossa força, a nossa possibilidade, a nossa energia de ser, a nossa originalidade, a nossa identidade. “Diga-me quais são seus sonhos e lhe direi quem você é!”
Apoiados na prática do discernimento espiritual inaciano e acreditando na força do Espírito Santo, caminhamos em direção a novos horizontes, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e pelo qual merece a pena lutar.
Daqui surge a importância e o lugar da experiência atualizada dos Exercícios Espirituais, como fonte e inspiração para uma “fidelidade criativa”, na busca de responder, de forma ousada e atual, aos desafios do presente. Sem essa perspectiva inaciana, dificilmente se realizarão os sonhos que nos visitam.
Textos Bíblicos: Gn 12, 1-9 / Ex 13, 1-10 / Is 35
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