“A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (1Tm 6, 10)

Na perspectiva bíblica, há uma incompatibilidade radical entre a paixão pelas riquezas e a paixão pelo Reino. “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6, 24 / Lc 16, 13). Não é possível amar a Deus, isto é, amar a generosidade, a entrega, a solidariedade, a compaixão, a misericórdia, e ao mesmo tempo amar o dinheiro, isto é, amar ou tomar tudo para si, a acumulação que é base de toda injustiça e de todo desamor: fome, guerra, exclusão, exploração.

A fidelidade ao Deus único fica interditada e o seguimento a Jesus Cristo fica fragilizado. O apego aos bens de consumo apresenta-se como uma das tentações mais poderosas para todo seguidor de Jesus. Como todo ídolo, o dinheiro provoca o fascínio, a adoração e as identificações mais maléficas.

A busca da própria segurança é a base da tentação pelo dinheiro. De fato, a tentação de riquezas tem suas raízes fundadas no pânico produzido pela insegurança. O dinheiro, os bens, as posses apresentam-se, então, como solo firme sob nossos pés. Mais ainda: o dinheiro é algo maior do que solo firme e apoio, é carapaça protetora, é um objeto interno, corpo do corpo, ou coisa com a qualidade do eu. A dinâmica acumulativa, possessiva, própria do apego ao dinheiro, possui toda a força do narcisismo e da autoafirmação infantil.

Temos medo de perder o pé

Por isso, com o dinheiro, pensamos agradar e robustecer nosso ego. Daí surgem as racionalizações com a desculpa de servir a Deus. No fundo, manipulamos Deus para santificar nossos afetos desordenados. Eu quero um Deus que queira o que eu quero”. A proposta do Evangelho, nesse sentido, é clara e contundente. Jesus que “se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua pobreza” (2Cor 8, 9) e que “não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8, 20), não deixa nenhuma dúvida a esse respeito.

Eleger a partilha e o despojamento é a base e condição para poder segui-Lo no trabalho do Reino, barcos, redes ou mesa de negócios devem ser abandonados (Mt 4, 20-22; 8, 18-20; Mc 10, 17-21). A escolha de uma vida despojada expressa a liberdade para colocar-se a serviço do Reino. A afeição aos bens, à acumulação, segue um caminho contrário à essa liberdade, acarreta o enorme risco de se ficar cego e surdo para atender ao chamado de Jesus. A criação da nova comunidade como alternativa às relações perversas do mundo passa necessariamente pela ruptura com o que se encontra na própria base da desigualdade e da injustiça, que é a afeição ao dinheiro.

Na proposta evangélica encontramos algo que ultrapassa muito a questão da mera renúncia à riqueza. Trata-se de um problema de liberdade em relação ao dinheiro. Ele é hoje um objeto que facilmente extravia o desejo e acaba convertendo-se em seu senhor. No centro da mensagem de Jesus, encontramos a revelação de Deus como Pai e a proclamação da igualdade e da fraternidade de todos os homens. A criação de uma comunidade onde o compartilhar substitua a acumulação, e que se apresente como alternativa àquilo que o mundo propõe, configura-se como uma das propostas mestras na proclamação do Reino de Deus.

Na partilha,
a primitiva tendência e
goísta e agressiva,
dá lugar  
a uma atitude aberta

Contra a tendência a querer apropriar-se de tudo como busca de segurança e como defesa hostil diante do outros, Jesus nos convida a compartilhar, como abertura e serviço aos outros, e como possibilidade para a criação da “nova comunidade” que se constitua como alternativa às relações interpessoais de opressão e exclusão.

Uma atitude acolhedora e benevolente frente ao outro. Além disso, onde há partilha, há superabundância (Mc 6, 30-46). Por isso, para ouvir o chamado e realizar a missão a serviço do Reino, é inevitável um despojamento prévio: “Não leveis ouro, nem prata, nem dinheiro nos vossos cintos, nem sacolas para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado” (Mt 10, 9-10).

Texto Bíblico  Lc. 12, 32-48 / 1Tm 6, 3-10

 

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