“Viver é a coisa mais rara do mundo” (Oscar Wilde)

Conta-se que o notável pintor francês Renoir, já sexagenário e bastante afamado pela vitalidade que deu ao impressionismo, foi procurado por um jovem admirador interessado em aprender as artes do desenho. Porém, alegando um tempo escasso para tal empreitada, o apressado discípulo desejava saber quanto tempo duraria o aprendizado, pois ficara assombrado ao ver que o grande mestre fora capaz de fazer uma bela pintura com delicadas pinceladas, mas com uma rapidez espantosa. Diz Renoir: “Fiz este desenho em cinco minutos, mas demorei 60 anos para consegui-lo”.

Esta é a resposta de alguém que é um sábio consistente e que ultrapassa o senso comum e o óbvio, gerando o novo (em vez de produzir mera novidade). É a revelação da sabedoria daquele que consegue maturar, sem pressa, a experiência de vida. Esse é o problema do mundo moderno: a agitação e a preocupação se tornam um estilo de vida e acabam controlando nosso ritmo cotidiano, tornando-se fonte inesgotável de ansiedade.

Há muita inquietação por baixo das águas do cotidiano

Em nosso padrão cultural, somos pressionados a mostrar o tempo todo que estamos ocupados e produzindo alguma coisa. Vivemos perdidos numa floresta de compromissos e atividades, incapazes de perceber alguma trilha estreita para poder andar e respirar. Mesmo com tudo que foi inventado para facilitar a vida – celular, internet, e-mail, mensagens instantâneas – parece que não temos tempo para nada. Acuados pelo relógio, pelo ativismo, pela agenda, pela opinião alheia, disparamos sem rumo feito “hamster’s” que se alimentam de sua própria agitação.

A pressa constante é mais um dos muitos transtornos que vem afetar nossa qualidade de vida. Quem sofre deste mal sente a necessidade compulsiva de cumprir tarefas durante 24 horas por dia e, se por algum instante, se encontra sem nada para fazer, se sente culpado. Além disso, a pressa, ao nos tornar superficiais, nos impede de perceber o verdadeiro valor e originalidade do trabalho próprio e dos outros. Quanto vale o trabalho de um artesão, uma cozinheira, um mecânico, uma professora, um palestrante, uma médica, um cientista?

O escritor alemão Lothar J. Seiwert, autor do best-seller “Se tiver pressa, ande devagar”, afirma: “Se você negligencia suas próprias necessidades e trabalha até cair de cansaço, desprezando férias e lazer, se torna uma pessoa de difícil trato e uma ameaça para aqueles com quem convive, desperdiça o tempo por falta de atenção e cria um clima de tensão permanente”.

Em oposição à pressa doentia, Santo Inácio nos propõe na 4ª adição dos Exercícios Espirituais (EE. 76): “no ponto em que achar o que quero ali me repousarei, sem pressa de passar adiante, até que me sinta satisfeito”. Isto vale para os tempos de oração como também para viver e saborear, de uma maneira mais tranquila, as atividades cotidianas.

Qual o sentido e a direção daquilo que fazemos?

Para quê fazemos? E para quem? Qual é a intenção ou a motivação que está por trás de nossa ação? Esta indicação inaciana ajuda a superar a ansiedade e a pressa, harmonizando-nos com o tempo e fazendo as pazes com o relógio. Normalmente, vivemos ações insensatas, ou seja, sem sentido, sem direção. Se fizéssemos uma faxina em nossos compromissos e deveres, boa parte desapareceria rápido no ralo do bom senso. Se examinássemos o baú de nossas prioridades, certamente a arrumação interior seria outra. Aliviar a vida, o coração e o pensamento, eis o desafio. Não para inventar de acumular ali mais alguns compromissos estéreis e sem sentido, mas para trazer real e profundo significado.

Espere o momento

Não apresse a chuva, ela tem seu tempo de cair e saciar a sede da terra. Não apresse o pôr do sol, ele vem, em seu tempo anunciar o anoitecer até seu último raio de luz. Não apresse tua alegria, ela tem seu tempo para aprender com a tua tristeza. Não apresse teu silêncio, ele tem seu tempo de paz após o barulho cessar. Não apresse teu amor, ele tem seu tempo de semear, mesmo nos solos mais áridos do teu coação. Não apresse tua raiva, ela tem seu tempo para diluir-se nas águas mansas da tua consciência. Não apresse o outro, pois ele tem seu tempo para florescer aos olhos do Criador. Não apresse a ti mesmo, pois precisa de tempo para sentir tua própria evolução.

Texto Bíblico  Lc 14, 28-33

 

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