“Vai, e faze tu o mesmo”  (Lc 10,37)

O ícone do bom samaritano apresenta o próximo em situação, o próximo concreto, histórico, que interpela e compromete cada um em escolhas decisivas, em relação às quais se demonstra se é ou não próximo do necessitado. Por isso a interrogação inicial se inverte: já não se trata de perguntar-se “quem é meu próximo?”, mas “de quem eu sou próximo e como me aproximo?”. O próximo não é somente o outro para mim, mas eu para o outro. O próximo, no sentido expresso pela parábola, não pode nos deixar indiferentes. Provoca uma resposta, compromete em uma ternura concreta, oblativa, capaz de risco, para socorrer o ferido. A conclusão da parábola é um projeto de vida. Jesus não diz: “agora, sabes, podes ficar tranquilo”. Afirma antes: “Agora vai, e também tu faz o mesmo”.  Neste fato temos a magna carta do encontro humanizador como resposta do discipulado e forma de atualização concreta do amor evangélico.

Os personagens da parábola: um homem, assaltantes, um levita, um sacerdote, um samaritano. Todos, exceto o homem que sofre, aparecem designados por sua função social: uns com prestígio e outros marginalizados. “Um homem”, sem mais especificações, representa cada ser humano, para além de suas conotações de nacionalidade, raça, classe social, religião ou posição política. É cada ser humano necessitado, carente, vítima, à margem, que clama por um encontro acolhedor.

A novidade do evangelho consiste precisamente na superação de barreiras

Na parábola, o desconhecido ocupa o centro do relato, visto que todos os demais personagens aparecem em relação com ele. Os bandidos o assaltam, despojam, golpeiam e o abandonam. O sacerdote e o levita veem-no e passam ao largo. O samaritano o vê, comove-se, aproxima-se, cuida dele. Até quando é levado à hospedaria continua sendo o polo das atenções. Essa organização do movimento no espaço em torno de um homem reduzido à impotência indica seu papel central, mesmo que dentro de sua passividade. Todos os personagens se definem a favor ou contra ele: é assaltado, despojado, espancado, deixado semimorto, comiserado, enfaixado, conduzido, cuidado. De viajante passa a corpo inerte e, abandonado por uns, reencontra vida graças a outro.

O samaritano avista ali, no caminho, um homem, e um homem em perigo de vida. Se era de outro povo ou outra religião, é irrelevante. O bom samaritano vai além dos dados de ordem social, moral ou religiosa, avista, para além das diferenças, um ser humano igual a ele, e por isso irmão. Para o sacerdote e para o levita, o homem ferido converte-se em obstáculo a evitar, seguem adiante pelo outro lado. As normas de pureza proibiam-nos contaminar-se pelo encontro com o ferido, visto que deviam manter-se puros a fim de participar do culto. O samaritano não se deixa condicionar pela prevenção de continuar o caminho, nem pelo medo de se aproximar do ferido. Ao contrário, se detém e se envolve na situação do ferido: “Viu-o e teve compaixão” (sentimento que aparece na Bíblia referindo-se somente a Deus e a Jesus). Assume o risco do encontro e se deixa interpelar pela necessidade do outro, cuja vida, para ele, conta mais do que prosseguir sua viagem.

Ele vai além do simples apelo do dever

Na parábola, o samaritano se sentiu impactado, se deixou afetar, seu coração se estremeceu ao olhar um corpo estendido no chão. O movimento interno faz emergir a marca de um verdadeiro encontro: a partir desse momento, ele desvia do seu caminho, sai da sua zona de conforto, e se desloca em direção àquele de quem todos se desviavam e passavam do outro lado. Gasta do que é seu, dedica tempo, mobiliza toda sua atenção frente ao ferido. Mistura sua vida com a de um necessitado e rompe solidões, muda seu esquema de vida e se deixa levar pela misericórdia criativa. Em outras palavras, o samaritano começa a viver novos registros do que são a solidariedade, o amor e a liberdade. Seu coração, tocado pela compaixão, o anima a modelar a vida em prol dos outros, ele se compadece, se aproxima, enfaixa suas feridas, coloca-o em seu próprio animal, o conduz à hospedaria e o cuida. Em todos estes gestos há uma atenção pessoal que exprime a autenticidade do encontro verdadeiramente evangélico. O samaritano realiza atos concretos e os faz com ternura transbordante, até ao excesso

Ninguém poderia ter pedido tanto a ele. Detendo-se, curando o ferido e conduzindo-o ao lugar de descanso, ele já tinha cumprido seu essencial dever de justiça e podia sentir-se satisfeito. Mas ele sente a necessidade de ir além. Sua maneira de viver o encontro com o estranho é verdadeiramente completa, genuína, sem interesses nem meio-termo. É um encontro de puro dom, gratuito, de benevolência. O samaritano não organiza um socorro à distância, não se afasta em busca de reforços, mas ele mesmo quebra a distância, põe mãos à obra, interessando-se pessoalmente pelo ferido e tomando pra si a situação. Com suas mãos, o medica e enfaixa suas feridas, o levanta e o carrega sobre sua cavalgadura. Caminha ao lado por quilômetros e o confia ao administrador da pousada. Só o encontro compassivo é capaz disso.

Texto Bíblico  Lc 10, 25-37

 

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