Nos relatos do Evangelho de Lucas há duas mulheres, Maria e Isabel, que experimentaram profundamente o dom da gratuidade, e seu lugar de carência se converteu em lugar de abundância. As duas descobriram o dinamismo curador das relações e a riqueza que os encontros pessoais revelam. As relações que nos constituem são o tecido pelo qual circula nossa abertura a Deus e por onde crescemos em humanidade, acolhendo e sendo acolhidos pelos outros.

Vivemos em um mundo hiper conectado, em contato permanente e presente, ao mesmo tempo, em todos os lugares. O mundo, nossa vida, se converteu num chat contínuo. No entanto, em meio a este bate-papo universal, a conversação emudeceu: a maior parte de nossos contatos tornaram-se prisioneiros das telas digitais. Corremos o risco de reduzir a comunicação à conexão. Se banalizou os conteúdos da conversa, mas também são amputadas dimensões fundamentais da experiência da comunicação, sobretudo a presença física. Sem essa presença, sem o encontro pessoal, não é possível o diálogo e a verdadeira comunicação. Este empobrecimento da comunicação vivente com o outro, ou a atrofia e medo de um face-a-face, é sinal claro de uma profunda desumanização.

O mistério da visitação nos possibilita recuperar o sentido e o dinamismo de um encontro interpessoal. Se encontrar com outra pessoa tem, até certo ponto, algo de arriscado e imprevisível, derrubando todas as nossas prévias tentativas de controlá-lo. Podemos prevê-lo preparando estratégias, podemos acolhê-lo cheio de expectativas ou, pelo contrário, sem elas, esperando uma mera formalidade, repetição de outras situações semelhantes. Podemos nos mostrar desejosos ou desconfiados, seguros ou ansiosos. De repente, algo inesperado acontece, na outra pessoa, ou em nós mesmos, ou no contexto, convertendo aquele encontro numa situação única e original, afetando nosso viver ou transformando nosso eu profundo.

O encontro é uma realidade inter-humana dinâmica

O evangelista Lucas nos apresenta uma visita inesperada: a visita daquela que não permanece fechada nem ensimesmada em seu mistério. A visita daquela que se sente impulsionada a sair de si mesma para colocar-se a serviço daquela que está necessitada de ajuda. Uma visita alegre, espontânea e gratuita, porque é cheia da experiência de Deus. Maria que faz Isabel sentir a alegria de uma maternidade não esperada. Isabel que faz Maria sentir as maravilhas que Deus realizou nela. Uma visita que se expressa em dois cantos de louvor e ação de graças: “Bendita és tu que acreditaste” e “Minha alma engrandece o Senhor”. Há visitas que não significam muito: só servem para matar o tempo e “jogar conversa fora”. E há visitas que nos despertam, que faz saltar a vida divina que carregamos dentro de nós. Por isso, todos somos seres carentes de mais visitações. Visitações que despertem nossas possibilidades e sonhos, que nos ajudem a reconhecer as maravilhas que Deus realiza em nós e nos outros.

À sombra do encontro entre Maria e Isabel e contemplando o modo de visitar e de ser visitado, agradecemos o tecido das relações que conforma nossas vidas. É um tempo para orar os encontros, para considerar aquelas relações que precisamos continuar alimentando e aquelas que se romperam e que queremos reparar. Agradecer os encontros que nutrem nossa vida. As duas mulheres se encontram em diferentes momentos vitais: Isabel na terceira etapa de sua vida, Maria quase na primeira, entrando na segunda. Uma é estéril e anciã, a outra jovem e virgem, ambas portadoras de uma vida maior que elas mesmas, conhecedoras do mistério que crescia em seu interior.

O diálogo como caminho para a comunhão

Devido à sua gravidez, as duas se encontram fora da norma social. Isabel é idosa para poder conceber, e Maria está grávida sem estar casada. Ambas deviam sentir não só alegria no abraço, mas também a comoção e as dúvidas. O que vai acontecer? Elas apoiam-se mutuamente no momento no qual estão, na situação que atravessam. Reconhecem-se e se confirmam, estabelecem um vínculo entre elas, aceitam-se mutuamente, não se julgam nem valoram em função do que a sociedade considera correto ou incorreto, compreendem o que significa para cada uma delas que algo novo está crescendo em seu interior. Maria não vai só servir a Isabel, ela precisa de alguém que lhe diga: vai em frente, que isso é de Deus. E Isabel, por sua vez, necessita agradecer o sonho de Deus que as duas compartilham e que se tornou possível. Estas mulheres são um ícone preciosíssimo para cultivar as várias dimensões do diálogo, da necessidade que temos de diálogo em todas as dimensões da vida.

Texto Bíblico  Lc 1, 39-56

 

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