Renato Correia, SJ

Na fase da juventude, toma forma a construção da própria identidade. Neste momento, marcado pela complexidade, fragmentação e incerteza em relação ao futuro, planejar a vida torna-se cansativo, para não dizer impossível, dependendo da realidade em que o jovem está inserido. Nesta situação de crise, o pertencimento a grupos eclesiais de jovens, coletivos e/ou movimentos juvenis, muitas vezes, pode apoiar num bom planejamento.

Todo mês de agosto, a Igreja celebra o mês vocacional e incentiva o jovem a refletir sobre as realizações possíveis por meio da concretização das diversas vocações, o que tem relação direta com o discernimento do seu projeto de vida. Ao contrário do que pode parecer ao senso comum, o discernimento vocacional não é direcionado somente aos jovens que desejam a vida sacerdotal como padres ou à vida religiosa como irmãos ou freiras. Assunto transversal, essa forma de discernimento pode estar presente nos mais variados aspectos da vida e auxiliar a caminhada dos cristãos-jovens em muitos momentos. Daí a importância em refletir sobre uma cultura vocacional que dialogue diretamente com a orientação para o projeto de vida.

Na Exortação Apostólica Christus Vivit, Francisco reconhece que a juventude está marcada por sonhos que vão se formando, relações que adquirem consistência sempre maior e tentativas e experiências. Para ele, são justamente essas características que constroem, gradualmente, um Projeto de Vida. “[…] os jovens são chamados a lançar-se para diante, mas sem cortar com as raízes, a construir autonomia, mas não sozinhos” (CV 137).

Processo de autoconhecimento

O Projeto de Vida é, entre outras coisas, um motor de reflexão que considera a autoconsciência e a realização pessoal do jovem, contribuindo com o desenvolvimento de uma consciência ao serviço que pode prestar aos demais e a sua atuação na promoção da defesa da vida. A construção de um projeto é a oportunidade para o jovem lançar-se à frente; ajuda a projetar os próximos passos, os sonhos e como fazer para pô-los em prática, identificando, a partir das trajetórias pessoais, os recursos disponíveis e as limitações presentes.

O processo de construção do projeto de vida é marcado por um espaço de reflexão em torno da própria vida na qual o jovem é convidado a se aprofundar no autoconhecimento e na elucidação das relações pessoais – considerando as dificuldades e possibilidades de realização –, com familiares, parceiros (as), amigos, colegas de trabalho e com Deus. Em todas essas dimensões, o jovem é orientado a identificar o que norteia sua vida e o que o ajuda a fazer as escolhas que trazem concretude aos planos.

Neste sentido, o Projeto de Vida, a partir de uma consciência despertada sobre si na elaboração, que o coloca em movimento, é o que motiva o jovem a seguir em frente na busca por melhores condições de vida e na esperança de um futuro melhor. Ele se baseia na ideia de que o que o jovem busca para a própria vida está diretamente relacionado ao que quer para si mesmo e para o mundo que o rodeia. No entanto, para entender esse processo é importante o autoconhecimento, afinal, ele irá ajudar ao jovem a reconhecer quais são suas fortalezas, fraquezas e como se relaciona com o mundo. Por exemplo, o Projeto de Vida ajuda o jovem a responder perguntas como “quem eu sou?” ou “o que eu quero ser?”.

Por isso, vai além da ideia de selecionar uma carreira para seguir. O Projeto de Vida está fortemente ligado ao processo de entender o sentido da própria existência no mundo. Conforme afirma Hanna Danza, antes dos jovens decidirem o que querem para o futuro, precisam entender primeiro quem é hoje, só assim será possível buscar caminhos para alcançarem os objetivos lá na frente (DANZA, p. 65).

Projeto de vida como processo

É preciso ter em mente que não há um modelo definitivo de Projeto de Vida. Trata-se de um processo sempre inacabado e extremamente diverso, já que são consideradas as diferentes realidades e, por isso, não é algo acabado que um dia se alcançou e se conseguiu para sempre. É algo que cresce, se desenvolve, que sempre se está aprimorando. É um processo que tem metas, passos, etapas, pessoas, gestos visíveis, tempos de avaliação. Não são somente “sonhos”, ideais e valores. O projeto de vida vai-se iluminando à medida que se vai construindo. Convém que esteja formulado e concretizado para evitar que seja algo que fique “no ar”.

O Projeto de Vida consiste, de alguma forma, na realização de um processo que permita ao jovem a busca de si mesmo, de sua própria identidade e de um caminho coerente com seus valores, no marco de uma opção fundamental.

Deste modo, o processo de construção propõe a integração das necessidades do eu atual (a realidade mesma da pessoa, seu aqui e agora) com os ideais e valores auto transcendentes do eu ideal. Esta integração se expressa em atitudes e se realiza na vida cotidiana, da qual recebe retroalimentação e contraste.

É o que permite o jovem percorrer um caminho para alcançar uma identidade integrada. Esta integração não se consegue de imediato e com facilidade. É fruto da fidelidade e é resultado de um esforço fatigado e gradual que exige que se implique toda a pessoa com suas capacidades cognitivas e afetivas (PERENGO, 2007 p. 8). O desejo de seguir adiante, de caminhar é fruto da Graça. As estruturas psicológicas da pessoa não causam a ação da graça, mas predispõe a ela.

O acompanhamento

Nenhum projeto de vida pode ser construído pelo jovem sozinho.

São necessárias a comunidade, os amigos, a família e sobretudo pessoas com experiência em acompanhar processos de construção do projeto de vida, que possam ajudar o jovem a encontrar o caminho e os meios para realizar seu projeto de vida e para integrar as necessidades.

Neste sentido, construir um projeto de vida exige um acompanhamento. Um acompanhamento pedagógico, isto é, um acompanhamento que não dá tudo pronto nem condiciona a fazer o que o acompanhante quer, mas, um acompanhamento que ajuda a confrontar, que dialoga sem impor, que contribui com ferramentas, que faz seguimento com paciência e com atitude de escuta.

A pessoa que acompanha tem que ter também seu próprio projeto de vida, tem que saber deixar-se acompanhar e tem que deixar-se confrontar. É importante apresentar modelos de vida concretos que sejam testemunhas de que é possível viver os valores que são propostos: nisto é fundamental o testemunho pessoal do assessor. O acompanhante se enriquece na medida em que trabalha em equipe e é importante criar as condições para fazê-lo (PERENGO, 2007 p. 13).

Projeto de vida e vocação

Projeto de vida e vocação são dois aspectos de uma mesma realidade que devem estar em permanente relação: o caminho de realização intuído, descoberto, assumido e realizado pela pessoa e o chamado de Deus na história através de sinais que se interpretam a partir de um olhar de fé. Assim, entre Deus que chama e a pessoa que responde, dá-se um convite a estabelecer um diálogo que manifeste e ponha em relação, ao mesmo tempo, o amor gratuito de Deus e a liberdade da pessoa humana (PERENGO, 2007 p.19).

Em ambos os aspectos aparece claramente que a iniciativa do chamado é sempre de Deus. A vida e a vocação são manifestações de seu amor. Diante da iniciativa de Deus que chama, o jovem toma consciência do Amor que o cria, mas também de sua realidade de limitação, porém igualmente se anima, a partir da fé de quem se reconhece capaz de responder a esse Amor, chamado a viver uma nova realidade no seguimento de Jesus, que deixa de ser alguém distante, mas se torna próximo, um amigo. E assim se permite uma abertura a um discernimento de como se colocar como seguidor, se no estado da vida religiosa ou como leigo.

Toda vocação pressupõe uma missão. Toda a realização pessoal dá-se no serviço e na entrega aos demais. Deus chama para construir comunidade, para fazer a cada jovem irmão com outros irmãos, para seguir construindo um mundo que seja a casa comum, onde todos possam viver com dignidade. Descobrir o chamado de Deus é encontrar horizontes possíveis para a própria realização pessoal e assim encontrar o sentido para a vida.

Deste modo, discernir e construir projeto de vida não é pensar somente em si, mas abrir-se na relação com os outros.

Referência Bibliográfica:

CEBEL DANZA, Hanna. Conservação e mudança dos projetos de vida dos jovens. 2019. 246 p. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação Educação, Linguagem e Psicologia) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2019.

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus Vivit. Vaticano: 2019. In www.vatican.va. Acesso em 09/07/23.

PENENGO, Horácio. Discernir e realizar o Projeto de Vida. www.clerus.org, 2007. Disponível em https://www.clerus.org/clerus/dati/2007-11/24-13/RealizarProVida.html. Acesso em: 12/07/2023.

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