“Canto pela tia que é silenciada
Dizem que só a pia é seu lugar
Pela mina que é de quebrada
Que é violentada e não pode estudar
Canto pela preta objetificada
Gostosa, sarada, que tem que sambar
Dona de casa limpa, lava e passa
Mas fora do lar não pode trabalhar”

(“Não precisa ser Amélia”, Bia Ferreira)

 

A desigualdade entre homens e mulheres no Brasil e no mundo é uma construção histórica. A juventude, em sua pluralidade de realidades, não escapa a essa realidade de desigualdade de gênero. Ao contrário, é nessa faixa etária que podemos encontrar alguns dos retratos mais perversos das consequências do machismo e do patriarcado na vida das mulheres.

No Brasil, pelo menos 53% das adolescentes e jovens convivem diariamente com o medo de serem assediadas ou sofrerem outros tipos de violência[1]. De acordo com a pesquisa da ActionAid, as porcentagens em relação ao medo de assédio e agressão aumenta de acordo com a idade, considerando meninas e mulheres jovens: sendo de 41% das adolescentes entre 14 e 16 anos, 56% entre jovens entre 17 e 19 anos e 61% entre as jovens que têm entre 20 e 21 anos. À medida que as jovens adquirem mais idade, também aumenta sua consciência dos riscos aos quais ficam expostas.

São as mulheres jovens que mais sofrem os impactos das crises econômicas, tanto devido à conhecida “falta de experiência” quanto à realidade de desigualdade salarial que também atinge mulheres nessa faixa etária. É essa parcela da população que tem maior vulnerabilidade à situação de desemprego e à incidência da informalidade. O trabalho doméstico, que em sua maioria recai nas adolescentes e jovens, é um dos principais motivos de abandono dos estudos e impedimento de introdução ao mercado de trabalho[2]

No âmbito da saúde, adolescentes e jovens se deparam com a quase inexistência ou dificuldade de acesso a serviços públicos voltados à garantia e cuidado com os seus direitos sexuais e reprodutivos. Essa realidade, somada à falta de espaços educativos – formais ou não, sobre sexualidade e afetividade, contribui para o aprofundamento das desigualdades de gênero, cuja gravidez precoce é apenas uma das consequências mais perceptíveis. A desinformação e a negação de direitos no âmbito da saúde e da sexualidade e as ineficientes políticas públicas (de saúde, de educação e de assistência social) aumentam o abismo das desigualdades entre homens e mulheres, sobretudo entre jovens.

Medo de sofrer algum tipo de violência. Não conseguir acessar os espaços de educação e não ingressar no mercado de trabalho com os mesmos direitos e igualdade de oportunidades. Ter os direitos sexuais e reprodutivos negligenciados. São apenas algumas das realidades vividas pelas jovens mulheres em nosso país.

Em contrapartida, meninas, jovens e mulheres nunca estiveram tanto em crescente processo de empoderamento como em nosso tempo. Ações diretas, participação em grupos e coletivos, conquista e ressignificação de espaços públicos e privados, maior exigência de políticas públicas voltadas para as mulheres, dentre tantas outras ações, são ferramentas poderosas para a mudanças das estruturas políticas, econômicas e sociais que mantém o histórico privilégio dos homens e as desigualdades de gênero.

Um dentre tantas jovens que está nesse caminho de empoderamento e fortalecimento das lutas das jovens mulheres é Clarisse Nascimento[3], de Fortaleza-CE, que partilhou conosco algumas reflexões sobre o ser jovem e mulher desde a sua realidade:

“Não é novidade que a mulher costuma ser deslegitimada, sobretudo uma jovem mulher. No mercado de trabalho, nos relacionamentos e até dentro da família somos silenciadas. Com o passar dos anos, percebemos uma voz que nos acompanha e diz que não merecíamos estar onde estamos. Você já se perguntou isso?

No entanto, estamos ocupando cada vez mais espaços, mostrando a que viemos. Grandes nomes são revelados: Malala Yousafzai no Paquistão, Artemisa Xakriabá no Brasil, Greta Thunberg na Suécia e tantas outras mostram que o movimento pelas mulheres está ativo e jovem. Muitas das mulheres que conquistaram o que temos hoje o fizeram em sua juventude, Manuela D’ávila é forte exemplo, com sua grande carreira na política, apesar da pouca idade, assim como Talíria Petrone. As duas foram das mais votadas em seus respectivos cargos. 

Será que assim fica nítido que nossa juventude é potência? Quando o fator juventude se une a outros fatores como raça, orientação sexual ou deficiências é ainda mais comum que jovens mulheres sigam sendo deslegitimadas, mas Linn da Quebrada com sua brilhante carreira recheada de produções que são sucesso no cinema nacional juntamente com Anita Malfatti, considerada precursora do movimento modernista no Brasil, mostram que nada, sobretudo nossa condição de jovens, nos impede de mudarmos as nossas vidas e de nossas irmãs”.

Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar
(Eu me levanto. Maya Angelou)

Colaboração: Clarisse Nascimento

[1] Segundo estudo realizado pela organização internacional ActionAid.
[2] Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019.
[3] Clarisse Nascimento é jovem, pedagoga, artista, integrante do coletivo “Sertão das Mariamas” e responsável pela página @focanasmina, que divulga conteúdos de fotografia e vídeo voltados para meninas e mulheres que desejam aprender sobre técnicas e recursos audiovisuais.

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