Ronnaldh Oliveira
Publicado na Revista EKKLESIA BRASIL

Ninguém nasce para estar só. Como animais políticos, precisamos do outro para permanecermos vivos. Tal necessidade se dá desde os primeiros respiros, até os últimos suspiros. Sem relação, o ser humano definha, não cumpre o cotidiano da troca, do crescimento, do amadurecimento, do aprendizado e acaba por chegar a uma espécie de vazio existencial. Quem não consegue chegar ao outro, não chega se quer a si próprio.

O monólogo só é bom quando se trata de uma trama teatral. Fora dessa realidade, o indivíduo é envolto em inúmeras realidades que pedem diálogos com outros sujeitos. Dos mais simples, aos mais engajados, nos desenvolvemos a partir da ótica dessas primícias. 

Quando nascemos, somos envolvidos em uma família, numa cultura, tradições e hábitos. Vamos adquirindo referências e referenciais, aprendendo a partir dos exemplos, dos acontecimentos, dos fatos externos e em um primeiro momento “guardando tudo”. Como um copo, vamos enchendo o nosso recipiente e aprendendo com os outros. Em uma segunda etapa, sob o prisma filosófico existencialista de Bornheim, o indivíduo entra em conflito consigo mesmo passando por uma fase chamada “negativa” na qual se confronta acerca daquilo que foi imposto a ele, por meio dos dogmas tradicionais e culturais, com aquilo que aprendeu com suas próprias experiências e relações. Esse momento historicamente se dá na adolescência, na compreendida fase genital segundo Freud.

O salto qualitativo se dá quando o individuo consegue equilibrar aquilo que foi passado por meio da cultura, com aquilo que aprendeu e absorveu por si, com suas experiências. A justa junção daquilo que é raiz, com aquilo que é assimilado como construção própria do sujeito, mediante sua subjetividade. Se há uma falha neste itinerário, acredita-se uma ruptura de processos e um desenraizamento  geracional. Um individuo sem raiz, pode viver a mesma situação ocorrida na literatura “Alice no País das Maravilhas” quando a protagonista da trama é questionada acerca de seu caminho. Ela diz não saber aonde ir e a personagem com a qual dialoga prontamente responde: Se não sabe para onde ir, qualquer lugar serve.

A Contemporaneidade desenraizada

Os primeiros vinte e um anos do novo século tem oportunizado inúmeras experiências a todos. A tecnologia cada vez mais avançada, o contínuo desenvolvimento da ciência, como também as facilidades na comunicação de massa são alguns exemplos de um possível progresso em relação a outros momentos do ciclo histórico humano. Por um outro viés, as relações fragmentadas e deficitárias, a incessante queda das instituições, as ininterruptas ideologias, as desabilidades que vão além de um problema de linguagem e o desenraizamento histórico são vistos com frequência nas novas gerações. 

A contemporaneidade em seu contexto de rupturas, está perdendo os laços entre as gentes. O autêntico tecido vital para cada vez se sentirem parte um dos outros, de um projeto entendido como comum, está cada vez mais abrindo margens para um pensamento individualista e subjetivado. Uma sociedade desenraizada vai perdendo a consciência e o sentido de pertença a uma história e aos outros; aos seus. Vão perdendo a memória de onde vieram e de quem são. A falta de tempo e a autossuficiência de não saberem olhar para trás e perceberem um caminho já percorrido são fatores dominantes para essa transgressão geracional. 

No período dogmático, onde o sujeito bebe de uma cultura, deve, por meio de seus referenciais, compreender a importância das raizes. “se não temos raízes, qualquer vento pode nos levar”. A terceirização da educação e da presença familiar não proporciona um cenário efetivo da valorização dos vínculos. O individuo pode se  desenvolver alienado a própria história, sem pertencer a ninguém, nem a si mesmo. Sem um princípio de identidade, o ser humano não se reconhece em seu meio; é um estranho dentro de seu habitat, porque sua evolução se dá também no reconhecimento de si no outro. Quando este processo de assimilação de quem se é e de onde se vem é comprometido no período dogmático, os demais itinerários do desenvolvimento humano sem sombra de dúvidas ficam deficitários. 

As relações fluidas, prejudicam o diálogo presencial e a internet que cada vez mais possibilita a virtualidade, deixa conexões no ar, como consequência, voláteis. Vemos cada vez mais famílias que dialogam apenas por aplicativos de mensagens instantâneas e não sabem nem o que dizer quando estão juntos presencialmente. Paralisam. Perdem a noção de que são a soma de suas próprias histórias e na busca incensante do presente, perdem a esperança do futuro. 

A Saída: O diálogo que constrói pontes

O poeta Francisco Luis Bernárdez proclama: “Porque o que a árvore tem de florido, vive do que ela tem sepultado”. Com esse pensamento entendemos o sentido de que conseguimos ver bem as flores, graças as raízes que embaixo possuem. Investir tempo fortalecendo a raiz proporciona a árvore uma solidez e resistência nos dias mais difíceis. Lb

O Diálogo e a humildade entre as gerações, com idosos e jovens é imprescindível para um enraizamento social. A experiência e sabedoria de quem já viveu e aprendeu, com a inovação e visão de quem chega. O investimento de tempo é essencial para que a “terra seja cuidada, arada e dê frutos”. A semente lançada fora do diálogo, não cai em terra boa e não produz frutos. 

Olhamos para os jovens e idosos de nossa contemporaneidade e compreendemos que muitas vezes são os descartados, os não levados a sério, os que não tem credibilidade e acreditem: são eles que mais contribuirão com a sociedade em relação ao enraizamento. Papa Francisco nos recorda insistentemente: “A salvação dos idosos é dar aos jovens a memória. Isso torna os velhos, verdadeiros sonhadores do futuro, enquanto a salvação dos jovens é pegar essas lições, esses sonhos e levá-los adiante com a profecia.”

Proporcionar cenários de enraizamento é uma saída eficaz. Investir tempo no outro, indica um ambiente e uma rede vital capaz de nos permitir sentir em casa. Uma verdadeira engenharia que “rema contra” as ideologias muitas vezes autossuficientes incutidas no sujeito contemporâneo. Uma verdadeira ponte capaz de unir gerações, afetos e vidas. Assimilar isso, torna-nos revolucionários, da ternura e da esperança. Não construímos nada sozinhos, sem a unidade. Se o engenheiro passa tempos calculando suas obras a fim de que sejam sólidas e eficazes, temos nos também, engenheiros da ternura, investimos tempo nas relações, porque conscientes que somos, lembramos da música do compositor brasileiro Gonzaguinha “Cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz”. 

Entre as gerações é altamente importante o conflito. Ele gera crescimento, criatividade, a divergência de ideias que fazem o mundo seguir adiante. O que precisamos muitas vezes evitar é o confronto que é destrutivo, capaz de anular o outro, a existência do ser. Ninguém começa uma guerra por conflito, mas por confronto, onde o objetivo é mostrar quem vence, quem tem maisl bc poder. A ótica da engenharia da ternura, permite-nos compreender a necessidade da aproximação das gerações, sem hierarquias, somente com humanidade. O desejo consciente de somar junto, multiplicar ações.

O equilíbrio oriundo do conflito entre as fases dogmáticas e “negativa”, segundo Borheig são mais eficazes quando se proporciona e cultiva a cultura do encontro. Quando se há a humildade de perceber que todos tem algo a ensinar e aprender. Não se constrói na divisão. A verdadeira ponte, capaz de aprofundar, de gerar relações, afeto e familiaridade é a predisposição para a unidade. Em tempos e passos diferentes, querer caminhar junto. A filosofia do ser e do ente, recorda-nos em seus transcendentais vindos da Beleza – a junção da unidade, bondade e verdade. Na integridade desses elementos há Deus. É para aí que devemos caminhar, juntos!

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