Emiliana Pacheco Monteiro e
Fernanda Campos Nazaré
A juventude pode ser compreendida como uma fase da vida que apresenta intensas descobertas e transformações. Um período da vida marcado por sonhos e anseios que influenciam a construção e reconstrução da identidade humana, tanto na dimensão pessoal quanto social, envolvendo a busca por autoconhecimento e por um espaço no mundo. No entanto, as experiências juvenis também variam conforme os contextos sociais e culturais em que os jovens estão inseridos. Por isso, é fundamental compreender as juventudes em sua pluralidade, reconhecendo a diversidade das realidades vividas e rompendo com a ideia de uma juventude homogênea (SPOSITO, Marilia Pontes. As juventudes e suas representações sociais. Revista Brasileira de Educação).
A partir dessa compreensão ampliada, torna-se necessário aprofundar a discussão sobre o que se entende por juventudes na atualidade. O conceito vai além da faixa etária: envolve também fatores históricos, econômicos e simbólicos que configuram experiências específicas. Dessa forma, deve-se entender as juventudes como categorias sociais em disputa, cujos contornos são moldados pelas estruturas de desigualdade que perpassam a sociedade.
Juventudes: uma construção social e plural
O conceito de juventudes abarca, portanto, uma construção social que engloba aspectos como classe, raça, etnia, gênero, território e orientação sexual. Esses fatores não apenas moldam as vivências dos jovens. Mas, interferem diretamente em seu acesso a direitos fundamentais e oportunidades de vida digna. Uma vez que a dinâmica social determina o presente e o futuro das juventudes (ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil; CASTRO JÚNIOR, A.R.; ARAÚJO, M.M.; GUBERT, A.F.; LOPES, M.V.O.; SILVA, V.M.; REBOUÇAS, C.B.A. Concept analysis of youth: understanding the plurality of subjects).
Todavia, essa diversidade é frequentemente ignorada em políticas públicas homogêneas e universalizantes. Estudos como o Atlas das Juventudes (2021) demonstram que jovens negros, indígenas, LGBTQIA+ e moradores de periferias urbanas enfrentam barreiras muito maiores do que seus pares em contextos privilegiados — seja na educação, no mercado de trabalho ou na segurança pública (ATLAS DAS JUVENTUDES. Juventudes e Desigualdades). Isso evidencia a necessidade de políticas públicas que considerem as desigualdades estruturais e adotem uma abordagem interseccional, capaz de enxergar as juventudes em suas múltiplas realidades e garantir a equidade no acesso a oportunidades.
Além disso, reconhecer as juventudes como um grupo plural também significa promover sua participação ativa na formulação de políticas. A ausência dessa escuta reforça a reprodução de políticas que não dialogam com suas demandas reais, ampliando o distanciamento entre o poder público e os jovens. Fortalecer os mecanismos de participação social e garantir a representatividade juvenil nos espaços de decisão são passos fundamentais para a construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva. Essa necessidade de escuta e reconhecimento das juventudes em sua pluralidade exigiu respostas institucionais concretas. Uma dessas respostas foi a promulgação do Estatuto da Juventude, que buscou consolidar legalmente os direitos dessa população e orientar políticas públicas de forma mais integrada e sensível às suas especificidades.
O Estatuto da Juventude e os direitos fundamentais
Nesse contexto, a promulgação do Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/2013) representou um marco no reconhecimento legal das juventudes como sujeitos de direitos, com demandas e especificidades próprias. A lei estabelece que esses direitos são universais e, ao mesmo tempo, singulares, e propõe uma abordagem intersetorial das políticas públicas voltadas para essa população.
Ao reconhecer a juventude como protagonista social, o Estatuto rompe com práticas institucionalizadas que tendem a subestimar ou silenciar as vozes jovens. Embora ainda persista uma cultura adultocêntrica — que enxerga crianças e jovens apenas como futuros adultos, desconsiderando seu papel no presente — o Estatuto reforça a importância de garantir o direito à participação ativa e ao reconhecimento pleno desses sujeitos como agentes políticos e transformadores da realidade. Como ressalta Cavalcante, “nesse contexto, as crianças e adolescentes têm o seu presente negado em função de um futuro que elas não escolheram e do qual não desejam participar”, (CAVALCANTE, Emanuel Bernardo Tenório. O conceito de adultocentrismo na história: diálogos interdisciplinares. p. 201). Evidenciando o quanto essa lógica adultocêntrica compromete o exercício pleno da cidadania no tempo presente.
Porém, a existência de uma legislação, por si só, não assegura sua aplicação prática. Para que os direitos fundamentais da juventude se efetivem, é necessário que os espaços de elaboração e execução de políticas públicas acolham e valorizem a escuta, a participação e o protagonismo das juventudes. O direito à cidade, à educação, à cultura, à comunicação, ao trabalho digno e à diversidade são pilares que devem orientar uma agenda comprometida com a justiça social e com o fortalecimento da cidadania juvenil.
Juventudes como sujeitos do presente
As juventudes que, tradicionalmente, foram consideradas a “esperança do futuro”, hoje são reconhecidas como sujeitos do presente. Sempre participantes nas lutas sociais, os jovens destacam-se pelo seu desenvolvimento pessoal e coletivo. Assumem responsabilidades nas tomadas de decisões e demonstram sua capacidade de propor soluções, planejar, mobilizar mudanças e provocar transformações significativas para a sociedade.
Ao longo das últimas décadas, as juventudes brasileiras têm demonstrado que não são apenas herdeiras de um futuro idealizado. São protagonistas do presente. Estão à frente de mobilizações por justiça social, ambiental e racial; de coletivos culturais e educacionais; e de iniciativas de empreendedorismo social que buscam transformar a realidade em seus territórios (UNESCO. World Youth Report 2022: Youth Social Innovation; United Nations Development Programme. Youth Global Report: Shaping Our Future).
Essa atuação ganha força sobretudo em contextos de crise, como o aumento do desemprego juvenil ou os impactos da pandemia de Covid-19 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD 2023). A juventude se reorganiza, cria redes de solidariedade, tensiona estruturas excludentes e reconfigura os modos de engajamento político. Portanto, falar sobre juventudes é também reconhecer sua capacidade de resistência e reinvenção diante da adversidade.
Espaços de participação e escuta ativa
Para que esse protagonismo continue se consolidando, a existência de espaços reais de escuta e participação é fundamental. A democracia se fortalece quando os jovens são ouvidos, têm suas experiências valorizadas e podem influenciar as decisões que afetam suas vidas (JACOBI, Pedro; COCCO, Giuseppe. Juventude e participação política no Brasil).
Para que as juventudes ocupem os espaços de forma plena e significativa, é necessário que os ambientes estejam abertos aos debates e às necessidades que os jovens trazem consigo. Para além de somente permitir a sua presença, é fundamental acolher suas vozes, reconhecer suas demandas e valorizar suas experiências e formas de expressão. Os espaços devem ser lugares inclusivos e acessíveis, onde a escuta ativa e o diálogo sejam práticas constantes, garantindo a participação efetiva das juventudes na construção de políticas, projetos e decisões que impactam diretamente suas vidas e o futuro da sociedade como um todo.
Nesse sentido, o diálogo intergeracional e a abertura institucional são condições fundamentais para que as juventudes deixem de ser apenas “objeto” de políticas públicas e se tornem “sujeito” delas. Um exemplo concreto dessa abordagem é o trabalho desenvolvido pela Rede Inaciana de Juventude – MAGIS Brasil.
Juventudes como sujeitos de resistência e transformação
A partir desses processos, fica evidente que as juventudes ocupam um lugar paradoxal na sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo em que são protagonistas de mudanças, estão entre os mais impactados pelas desigualdades. As múltiplas crises — econômica, ambiental, democrática — afetam de maneira desproporcional os jovens em situação de vulnerabilidade (SOUZA, André L.; ABRAMO, Helena W. Juventude e Pandemia no Brasil). No entanto, é justamente nesse contexto de contradição que os jovens reafirmam seu compromisso com o futuro e o presente, engajando-se na construção e (re)construção de uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável.
Justiça social e ambiental: lutas interligadas
É nesse ponto que a luta por justiça social se entrelaça à luta por justiça ambiental. As juventudes reconhecem que cuidar da Casa Comum é também enfrentar a marginalização de comunidades inteiras (PAPA FRANCISCO. Laudato Si: Sobre o cuidado da Casa Comum). A ecologia integral, como defendida por movimentos juvenis e organizações religiosas como o MAGIS Brasil, propõe uma transformação cultural profunda baseada no respeito, na solidariedade e na dignidade humana.
Cada vez mais, os jovens têm assumido o protagonismo na defesa da justiça climática e socioambiental a partir de seus próprios territórios. Em suas comunidades, nas periferias urbanas, nas áreas rurais, indígenas e ribeirinhas, têm se organizado em coletivos, redes e movimentos que articulam saberes locais e soluções sustentáveis. Essas iniciativas partem do cotidiano e revelam o compromisso da juventude com a preservação do meio ambiente e com a superação das desigualdades que atravessam seus contextos. Jovens têm desenvolvido projetos de reflorestamento, campanhas de conscientização e ações de resistência frente aos impactos ambientais que afetam diretamente suas realidades.
A pauta de justiça socioambiental, portanto, não é meramente política, militante ou religiosa – ela diz respeito à dignidade humana. Integra aspectos sociais e ambientais na busca de soluções coletivas para as desigualdades que marginalizam tantos homens e mulheres, crianças, jovens e idosos. As juventudes, em sua pluralidade e diversidade, estão cada vez mais conscientes de que justiça social e justiça ambiental caminham juntas. E têm feito disso uma prática concreta, que emerge de seus territórios, saberes e experiências de vida.
A luta por um futuro mais sustentável, plural e justo é tarefa do presente. Por isso, mais do que uma fase da vida, a juventude deve ser entendida como potência ativa de transformação. Suas vozes precisam não apenas ser ouvidas, mas amplificadas e integradas em processos decisórios que construam um futuro verdadeiramente inclusivo e sustentável.
O protagonismo juvenil na Rede MAGIS Brasil
A Rede MAGIS atua com a missão de promover o desenvolvimento integral das juventudes a partir de uma perspectiva que une espiritualidade, justiça socioambiental, formação e ação transformadora. Presente em diversas regiões do país, a Rede cria ambientes seguros e inclusivos onde os jovens podem refletir sobre suas trajetórias, desenvolver lideranças e se engajar em causas que impactam suas comunidades.
O trabalho da Rede se concretiza em projetos como o Voluntariado MAGIS. Este conecta as juventudes às experiências solidárias em diferentes territórios. As Experiências MAGIS proporcionam vivências integradas de fé, cultura e serviço. Ao promover espaços de partilha e discernimento, essas iniciativas fortalecem o protagonismo e a autonomia das juventudes.
Além disso, a Escola de Formação para Lideranças Juvenis e os Centros e Espaços MAGIS atuam como núcleos de articulação comunitária, capacitação e acompanhamento vocacional. Campanhas sobre direitos humanos, ecologia integral e combate às violências estruturais também fazem parte das ações desenvolvidas em rede.
Essa abordagem integral mostra que o fortalecimento das juventudes passa pela articulação entre experiência, reflexão e ação. É uma pedagogia do cuidado e da justiça que reconhece a potência dos jovens como atores políticos e espirituais em suas realidades.
Juventudes como agentes de transformação
As juventudes se destacam por seus desempenhos ativos em comunidades, territórios e redes em diversos ambientes. Enfrentam desafios com esperança e criatividade, e propõem caminhos concretos para um novo modelo de convivência com a Casa Comum e entre as pessoas. Suas vozes ecoam nas escolas, nas periferias, nas redes sociais, nas universidades e nos espaços de decisão política – levando adiante a urgência de uma transformação coletiva pautada na justiça, na sustentabilidade e na dignidade humana.
Diversos jovens demonstram que é possível conciliar engajamento social e atuação concreta nos territórios onde vivem, a saber:
Clara Gentil, jovem indígena de Santarém (PA), iniciou em 2019 o projeto Plantar um Mundo Melhor, mobilizando sua escola e comunidade para o reflorestamento local. Clara permanece engajada em coletivos ambientais e na defesa dos direitos dos povos indígenas, incentivando a participação coletiva na preservação da natureza (EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO. Conheça 4 jovens brasileiras que lutam por justiça climática).
No cenário internacional, Greta Thunberg, ativista sueca, tornou-se símbolo da luta por justiça climática. Criadora do movimento Fridays for Future. Greta defende que a justiça ambiental deve estar intrinsecamente ligada à equidade social, à proteção das gerações futuras e à responsabilidade global frente à emergência climática (EDUCAÇÃO INTEGRAL. 10 jovens ativistas que atuam em agendas prioritárias para o Brasil e para o mundo).
No Brasil, Bruno Souza tem atuado na defesa dos direitos humanos e no combate ao racismo ambiental. Integrante do Núcleo de Jovens Políticos, Bruno desenvolve tecnologias sociais e promove ações afirmativas que visam enfrentar as desigualdades estruturais que afetam as juventudes negras e periféricas (EDUCAÇÃO INTEGRAL. 10 jovens ativistas que atuam em agendas prioritárias para o Brasil e para o mundo).
Já Thalya Souza, jovem ativista brasileira de Castanhal (PA), cofundadora do Coletivo Miri, utiliza a arte como linguagem de resistência e conscientização. Por meio de intervenções urbanas e cortejos com materiais recicláveis, promove a valorização da cultura amazônica e sensibiliza a comunidade local para a degradação dos igarapés e os impactos socioambientais da região (EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO. Conheça 4 jovens brasileiras que lutam por justiça climática).
Essas trajetórias mostram que as juventudes, ao se organizarem em rede, fortalecerem suas identidades e promoverem ações concretas, são capazes de transformar profundamente as estruturas socioambientais. Seus exemplos são sementes de um mundo mais justo, onde o cuidado com o outro e com o planeta se torna uma prioridade coletiva. Em um tempo marcado por urgências, as juventudes não esperam: elas já estão criando hoje os horizontes do amanhã.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 3, p. 423-433, 2005.
ATLAS DAS JUVENTUDES. Juventudes e Desigualdades. São Paulo: Fundação Roberto Marinho et al., 2021.
CASTRO JÚNIOR, A.B.; ARAÚJO, M.M; Gubert, A.F.; LOPES, M.V.O.; SILVA, V.M.; REBOUÇAS, C.B.A. Concept analysis of youth: understanding the plurality of subjects. Revista Brasileira de Enfermagem. a. 77. n. 4. 2024.
CAVALCANTE, Emanuel Bernardo Tenório. O conceito de adultocentrismo na história: diálogos interdisciplinares. Fronteiras: Revista de História, Dourados, v. 23, n. 42, p. 196-215. jul./dez. 2021.
EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO. Conheça 4 jovens brasileiras que lutam por justiça climática. Especial Racismo Ambiental e Infâncias. Disponível em: < https://educacaoeterritorio.org.br/especiais/racismo-ambiental-e-infancias/reportagens/conheca-4-jovens-brasileiras-que-lutam-por-justica-climatica/ >. Acesso em 3 jun. 2025.
EDUCAÇÃO INTEGRAL. 10 jovens ativistas que atuam em agendas prioritárias para o Brasil e para o mundo. Cidade Escola Aprendiz. Disponível em: https://educacaointegral.org.br/rede-de-noticias/10-jovens-ativistas-que-atuam-em-agendas-prioritarias-para-o-brasil-e-o-mundo/. Acesso em 3 jun. 2025.
Estatuto da Juventude: Lei nº 12.852/2013. Brasília: Secretaria Nacional da Juventude, 2013.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD 2023.
JACOBI, Pedro; COCCO, Giuseppe. Juventude e participação política no Brasil. São Paulo: Cortez, 2007.
MAGIS Brasil. Disponível em: www.magisbrasil.org.br. Acesso em 09 jun. 2025.
SOUZA, André L.; ABRAMO, Helena W. Juventude e Pandemia no Brasil. São Paulo: Fundação Tide Setubal, 2021.
SPOSITO, Marilia Pontes. As juventudes e suas representações sociais. Revista Brasileira de Educação, n. 24, 2003.
UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Youth Global Report: Shaping Our Future, 2023.
UNESCO. World Youth Report 2022: Youth Social Innovation. Paris: United Nations, 2022.