Vanildo Pereira da Silva Filho, SJ
Residente em Santarém/PA e adstrito a Comunidade Nossa Senhora de Lourdes em Belém/PA
A Companhia de Jesus é enviada, juntamente com outros, a uma missão de Reconciliação e Justiça, sendo uma “presença estratégica em contextos socioeclesiais de desigualdade econômica, desafios ambientais e violação de direitos humanos não atendidos por outras instituições”, em consonância com os “desafios da atualidade, com atenção aos sinais dos tempos e aos chamados da Igreja” ([1] Plano Apostólico da BRA (2022-2026), nº 43, F2, “c” e “e”, p. 34). No Brasil, a situação dos povos da Amazônia clama particularmente por essa justiça a fim de construir a paz.
Em Santarém/PA, região onde dedico a missão junto ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o cenário é de terras indígenas sendo invadidas para a exploração de madeira, de minérios ou para o cultivo da soja e milho em larga escala, deixando um rastro de destruição, enfermidade e fome. A desumanização que se mostra através dos ataques, agressões, ameaças, discriminação e da conivência ou covardia das autoridades precisa ser severamente combatida. Não se pode mais tolerar e silenciar diante da brutalidade contra os corpos e os modos de ser dos povos originários desta terra, contra as diferenças étnicas e culturais, contra os direitos humanos e fundamentais. É preciso dar um basta na arrogância colonial, escravagista e totalitária.
As mudanças climáticas impactaram gravemente as aldeias indígenas da região com forte estiagem e grandes incêndios. A falta de água foi a tônica ao longo de 2024. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) não conseguiu se organizar para assegurar o mínimo às aldeias, especialmente àquelas que não têm acesso a lagos e rios. Ou seja, as famílias indígenas consumiram pouca água, ou águas poluídas e envenenadas pelos agrotóxicos utilizados nas lavouras de soja, milho e arroz que cercam centenas de comunidades.
Durante o ano de 2024, participei de várias reuniões, encontros, celebrações, audiências, mobilizações indígenas e não indígenas, concedi entrevistas, nas quais relatei as problemáticas que envolvem o povo indígena; proferi falas em defesa dos interesses coletivos em eventos públicos; transmiti as aldeias as problemáticas que envolvem outros indígenas em outras regiões do país. Todas estas iniciativas em Rede visam potencializar e ser um sinal profético nas ações que já existem atuação do CIMI, fomentando a participação de lideranças eclesiais a continuar a ser resistência frente às injustiças e violações dos direitos dos povos indígenas.
Quanta solidariedade encontrei nesta jornada!
Defender a vida neste chão da Amazônia significa testemunhar e anunciar profeticamente a Boa Nova do Reino a serviço da vida dos povos indígenas, denunciando as estruturas de dominação, violência e injustiça, praticando o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico, apoiando as alianças desses povos entre si e com os setores populares para a construção de um mundo igualitário, democrático e pluricultural em vista do Bem-viver.
Defender os povos da Amazônia vai além de um discurso oportunista, é somar forças na defesa de seus territórios, da dignidade, do direito ao lazer, saúde educação, respeitando as realidades, sendo elas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, migrantes ou os que vivem nas cidades que também precisam de um olhar atento diante de tantos desafios contrários a cultura do respeito e cuidado do dom mais preciso, a vida em todas as suas etapas.
O Documento Querida Amazônia, Laudato Si do Papa Francisco e o Documento de Santarém dos bispos da Amazônia nos encorajam nesse desejo de reconhecimento dos direitos da natureza e dos povos da Amazônia e desenvolvem suas habilidades irmanados como Igreja sinodal para que todos tenham vida em plenitude. E, por isso, faz-se necessário que se mantenha vivo o apelo para que Amazônia, com suas populações e suas riquezas naturais, seja respeitada, reconhecida e valorizada como identidade sociocultural, e lhe seja reconhecido o direito de definir e decidir o seu próprio destino e modelo de desenvolvimento.
Sou muito grato a Deus pelo compromisso, assumido enquanto Província (BRA), em “qualificar e apoiar nossas Presenças Apostólicas junto aos povos indígenas, através do serviço indigenista e em colaboração com outros organismos afins” ([1] Plano Apostólico da BRA (2022-2026), nº 38, E2, “c”, p. 27).
Sigamos juntos!
É preciso que a gente não perca a capacidade de sorrir neste momento tão dramático que o mundo vive. Que a gente não perca a esperança! Que seja possível jogar luz sobre os invisíveis. Que possamos enxergar o outro e a outra. Que a consciência de que uma crise não atinge a todos da mesma forma, seja motor para movimento!