“Conhece-se a Deus pelos pés” (Carlos Mesters)

“No princípio foi a experiência”. A ela, Santo Inácio remete-se continuamente. A experiência humana é o caminho que Deus escolheu para se comunicar e chegar às pessoas. Inácio fez a experiência do Deus agindo na história, ali O encontra e caminha nela com Ele. Fez-se peregrino com o Deus peregrino. “Deus o conduzia pela mão como um mestre conduz seu discípulo” (Aut.). Inácio faz a experiência da intimidade, da presença, da comunhão, da glória de Deus em sua própria vida. Ao sentir-se cativado, envolvido, amado, sintonizado, habitado por Deus, ele nos revela traços característicos do rosto do mesmo Deus.

Deus é o criador e Senhor, que envolve a criação com seu amor dinâmico e criativo. O Deus criador é comunidade de amor: Deus é Trindade salvífica. A mística de Santo Inácio é uma mística trinitária. É na Trindade onde ele busca o ponto inicial e final de seu discernimento, numa atitude de acatamento e reverência. O traço característico de Inácio não é o repouso que se abandona à contemplação da Trindade em si mesma, em suas relações eternas. Ele passa a contemplar a Trindade dinâmica, agindo na história da humanidade.

Quem é Deus para Inácio?

Inácio passa da contemplação da Trindade à contemplação das obras da Trindade, ou mais exatamente, uma contemplação de todas as coisas a partir da Trindade. O Deus que se comunica com Inácio é o Pai de quem Cristo fala: “Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5, 17). É um Deus ativo, operante, fonte de vida, que realiza obras admiráveis e santas. Deus, em seu amor gratuito, vem ao encontro do ser humano e o introduz no movimento de sua própria Vida. Somos seres agraciados. Viemos de Deus e voltamos para Deus. “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos”.

Esta inspiração está fortemente presente na “Contemplação para alcançar amor” (EE 230-237), onde se expressa aquilo que é o núcleo da espiritualidade inaciana. Aqui a exercitante encontra-se como que no centro do mistério único, que é ao mesmo tempo o mistério do Deus Criador e do Deus Redentor, do Deus que dá Vida e que conserva o universo, do Deus de quem tudo procede e para quem tudo retorna. Em síntese, trata-se do mistério do Amor de Deus.

A partir de Deus tudo é dom. Tudo foi criado e dado de graça para todos. Tudo é graça. Deus é um “esbanjador” de dons e bondade. Tudo tem sentido e valor. Mas Deus não só nos concede dons, Ele faz-se presente nos seus dons. Presença amorosa. Deus vem misturado com a realidade, habita nas criaturas, no ser humano, fazendo de cada um de nós seu Templo. Deus é o princípio vital, enquanto sopro que anima e dá o ser. Deus não permanece exterior à sua Criação, mas habita no meio dela. As criaturas são o que são devido a presença de Deus nelas. Tudo está inundado de Deus, tudo é sagrado, nada é profano. Deus santifica tudo.

A presença de Deus é ativa

Deus trabalha em todas as coisas e em cada um de nós. Tudo está sendo construído e reconstruído por Deus. Ele continua recriando e fazendo tudo novo. Ele é a força inesgotável que conduz tudo para a plenitude. Finalmente, Deus é fonte da qual procede todo bem. Deus se deixa transparecer na Criação, Ele deixa traços e pegadas de sua santidade nas criaturas, se revela. Em todas as coisas aparece a sabedoria, a beleza, o dom Dele. Através da Criação, podemos conhecer algo do que é Deus.

Para Inácio, a devoção consiste na atitude de encontrar a Deus em tudo, para amá-lo e servi-lo: é a familiaridade com Deus em todas as ações da existência. Os Exercícios Espirituais não ensinam chegadas, só partidas. Esse é o desafio: entrar e estar no caminho de Deus é viver em terra de andanças. O caminho se converte para caminho de um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos: Deus e o ser humano.

Texto Bíblico  Is 35

 

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