“Deus o conduzia pela mão como um mestre conduz seu discípulo” (Aut.)
Na história da Igreja muitos homens e mulheres viveram em atitude de permanente êxodo e disponibilidade, numa espécie de itinerância interior que, além de dar-lhes uma perene juventude, os converteu em vanguardas da história. Santo Inácio, através dos seus escritos, nos revela a experiência de alguém que viveu uma grande mobilização interna: foi impelido a lançar-se, romper fronteiras, assumir novos riscos, renovar-se sem cessar, adaptar-se às condições de tempo e lugar, tenacidade com uma boa dose de paixão.
Porque foi homem “com uma visão que ia além de seu tempo”, Inácio nos revela, na sua vida, um caminho original, alternativo, criativo, diferente, contrastante com o da maioria. Não é uma via como as outras. Se não é anormal, é certamente não-normal. Sua vida é marcada por certa estranheza, não só face ao mundo mas também no seio da Igreja, porque sua existência está situada no umbral, no limite. Liminaridade remete ao termo latino “limes”, que significa caminho entre dois campos, no limite, e remete também ao termo “limen”, que se traduz por umbral, soleira. O “limes” é um lugar de relação, questionamentos, de novidade. É provocador, incitador, desperta a curiosidade, ele atua no nível das raízes mais profundas do nosso ser. Ali se geram as grandes experiências religiosas, ensinamentos e doutrinas, intuições poéticas ou artísticas, imaginação criadora, ideais vitais.
A utopia do Reino gera a audácia
Nem todos os homens e mulheres vivem nessa liminaridade. Aquele que é capaz de suportar e sustentar a abertura do limite e travar diálogo com ele, esse é habitante da fronteira: realiza um reencontro recriador com o seu passado e com o futuro imprevisível e surpreendente.
Inácio foi capaz de se aproximar desse limite, tanto interior quanto exterior. Por isso encarnou ideais vitais da sociedade de seu tempo. Por ser pessoa de fronteira, evitou uma dupla tentação: seja de romper totalmente com a instituição, seja de deixar-se manipular por ela. Ele esteve com um pé no sistema para poder dizer-lhe algo (protesto) e um pé fora para poder anunciar o que o transcende e lhe dá, ao mesmo tempo, o sentido supremo (proposta/utopia).
Ele foi capaz de contemplar o outro lado, de vislumbrar algo novo, inédito. Deslocou-se do centro para a margem, do habitual para o não convencional, da segurança mundana para a insegurança evangélica, da retaguarda para as novas encruzilhadas da história. Houve muito de aventura, de risco, de imaginação criadora, sem modelos prévios, queimando barcos, sob o impulso do Espírito.
Na origem de sua experiência está essa inquietude de sair e ir aos extremos. Na fronteira de si mesmo encontrou o espaço sagrado, onde Deus se manifesta. Ali encontrou-se com o melhor de si mesmo, com as energias adormecidas, com os sonhos escondidos e projetos ocultos. Na fronteira do mundo encontrou seu lugar de missão, ali esperavam ele os desesperados, os mendigos, os excluídos, os marginalizados.
Por isso, partir para a fronteira não é partir, mas entrar, ir de encontro. Entrar no mistério de si mesmo, no mistério da grande fraternidade, no mistério do sentimento cósmico. Partir para a fronteira é penetrar no nosso coração, morada dos nossos medos, lembranças, experiências, desejos e sonhos, morada do amor, lugar de encontro e escuta, espaço de silêncio.
Onde estão as fronteiras?
Enfim, a fronteira converte-se, para quem tem um olhar sacramental, num grande templo, onde Deus revela a sua identidade (“Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó”) e onde descobrimos nossa verdadeira identidade e missão. Estabelecemos nossa moradia no mundo, inseridos nos extremos do trabalho, da luta, da vida, dos direitos, do humano, ali onde se faz mais necessária a atividade profética.
Texto Bíblico Ex 3, l-6
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