“A realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus”, Fernando Pessoa.

Escrito por Aline de Sousa Braga

Desde o início do seu processo de conversão Inácio alimentava o desejo de peregrinar até a Terra Santa, tendo assim “o firme propósito de ficar em” (Autobiografia, n.45). Entretanto, o processo da realização desse desejo foi bem diferente do esperado por ele. Além de no início de sua jornada ficar um bom tempo em Manresa, lugar onde Inácio vivenciou intensas e significativas experiências de Deus, viu-se, obrigado pelo contexto da época, a partir de Jerusalém apenas 18 dias após sua tão desejada e sonhada chegada.

Ao conhecermos e aprofundarmos a trajetória de Inácio percebemos que, mesmo diante das incertezas e confusões, ele esteve sempre atento, dócil e aberto aos movimentos de Deus em sua vida e em sua realidade, reconhecendo, assim, por onde o Espírito ia lhe conduzindo. Foi essa atenção, docilidade e abertura junto ao seu desejo do magis que o permitiu experimentar o modo amoroso e particular de Deus amar, chamar e conquistar, bem como Deus trabalha e age (EE 236) na história de cada um de nós.

Inácio em seu tempo de convalescência em Loyola, por falta dos livros de cavalaria que tanto gostava, passou o ler a Vida de Cristo e a Vida dos Santos (Autobiografia, n. 5). Entre as leituras e sonhos acordados começou observar os movimentos que seus desejos cavaleirescos de glória e que a vida de Jesus e dos Santos lhe causavam. “Pouco a pouco, chegou a conhecer a diversidade dos espíritos que o moviam” (Autobiografia, n. 8). Desde então, passou a viver em atitude de discernimento, atento a tudo o que seus desejos, palavras e ações moviam dentro.

Inácio, observando os movimentos dos espíritos em seu interior, pode reconhecer ao longo de toda sua vida se os desejos que brotavam em seu coração o conduziam à vontade de Deus ou ao seu próprio querer e interesse. Foi desse modo que, diante de tantas dificuldades e impossibilidades vivenciadas na Terra Santa, Inácio reconheceu o gesto visível das mãos invisíveis de Deus e pode compreender que seu desejo de permanecer em Jerusalém, não era o caminho que Deus tinha para ele.

Reconhecer a vontade de Deus para nossa vida é sempre um grande desafio. Para isso, é preciso reconhecer e abrir mão dos nossos afetos desornados, que nos levam ao nosso próprio querer e interesse. Além disso, faz-se necessário saber escutar os apelos que o Senhor nos faz pelo caminho em nosso cotidiano e estar atentos(as) a fim de encontrar confirmação e paz no modo pelo qual vamos respondendo esses apelos, confiando sempre que aquele que nos ama e chama também nos conduz ao fim para o qual fomos criados (EE 23).

Inácio, ao mesmo tempo em que conhecia mais e melhor suas fragilidades e manancial, experimentou Deus internamente através de uma intima relação com o Senhor, cultivando assim sua docilidade e abertura ao Espírito. Do mesmo modo, nós também somos chamados(das) a conhecer melhor nossa interioridade e a viver uma profunda e intima experiência de Deus, estando e permanecendo com o Senhor (cf. Jo 1, 39) a fim de conhecer seu modo de ser, de amar e de agir em nossa vida. Essa relação de intimidade, proximidade, abertura e docilidade com o Espírito, guiar-nos-á no desejo de viver em discernimento, estando com o coração sempre atento ao seu gesto visível impresso em nossa cotidianidade.

Texto Bíblico: Jo 1,35-39

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