O Programa MAGIS Brasil aqui abre espaço e se solidariza com a realidade da ruptura do sistema de saúde e assistência social aos povos indígenas de Manaus, publicando a nota divulgada pela Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (COPIME), Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) e Arquidiocese de Manaus.
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NOTA PÚBLICA
Manaus: ruptura do Sistema de Saúde e Assistência Social aos Povos Indígenas
Manaus possui aproximadamente dois milhões de habitantes, concentrando 51,7% da população do Amazonas em 1% do território estadual. Destes, de acordo com a Coordenação dos Povos indígenas de Manaus e Entorno (COPIME, 2017), aproximadamente 36.000 são indígenas, residentes em 54 comunidades, ocupações e assentamentos localizados no perímetro urbano.
De maneira geral, o cenário da saúde pública manauara frente a COVID-19 é dramático, despontando como sistema mais fragilizado do país, principalmente após a retirada de 280 médicos, após o fechamento do Programa Mais Médicos, pelo Governo Federal, no início de 2019. Até o dia 23 de abril são contabilizados 2.479 casos e 207 mortes pelo novo Coronavírus em Manaus, entre esses, 23 casos (SESAI – com evidente subnotificação) e 12 óbitos indígenas (COPIME). Manaus está entre as cinco cidades mais afetadas do Brasil.
Nas últimas semanas temos acompanhado casos e recebido denúncias, com muita preocupação, sobre a delicada situação dos indígenas em situações urbana de Manaus perante a desestruturação e negligência do Estado no enfrentamento ao COVID-19.
Historicamente tal população foi invisibilizada pelos governantes, pelos aparatos estatais e pelas políticas públicas, não havendo mapeamento efetivo sobre suas localizações e condições de vida. Como exemplo desta invisibilidade e negligência, em uma pesquisa rápida no site oficial da Câmara Municipal de Manaus; no site da Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (SUSAM) ou na página web da Fundação Estadual de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), assim como nas notas técnicas emitidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena/Ministério da Saúde, até o momento, não encontramos quaisquer menção, decreto, proposta de lei ou regulamentação específica para a população indígena em situação urbana da capital.
Nem mesmo no Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, elaborado pelo Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena, que apresenta medidas que podem ajudar a prevenir o contágio do Novo Coronavírus, encontra-se menção, orientação ou política específica aos indígenas que vivem nas cidades.
Apesar do documento apontar que “os casos indígenas suspeitos de COVID-19 terão prioridade no atendimento à população de modo a diminuir o tempo de contato destes no local de atendimento”, a única referência específica em todo o documento nacional de orientação ao trato de populações indígenas frente ao COVID-19 afirma:
“Para os indígenas em contexto urbano, a responsabilidade sanitária na Atenção Primária é dos municípios. Tratando-se de populações indígenas, destacam-se três questões a serem consideradas na elaboração/adequação dos Planos de Contingência estaduais e municipais: a vulnerabilidade epidemiológica, a atenção diferenciada à saúde, inerente à atuação em contexto intercultural, e a influência de aspectos socioculturais no fluxo de referência no Sistema Único de Saúde (SUS). ” (2020, p. 13).
Apesar do oficio nº 91/2020/SESAI/MS, que trata sobre a vacinação, afirmar que “considera-se que os povos indígenas devam ser entendidos como um grupo vulnerável, dadas as desvantagens mundialmente reconhecidas nas condições sociais e saúde desses grupos em comparação às populações não indígenas nas mesmas localidades, “a política separa e distingue de maneira ilegítima e preconceituosa a população indígena aldeada e a populações indígena urbana, negligenciando à segunda, sua própria condição étnica.
Da mesma forma, a Secretaria Especial de Saúde Indígena/ Departamento de Atenção à Saúde Indígena na nota nº 3/2020-DASI/SESAI/MS, referente a orientações sobre entrega de cestas de alimentos para comunidades indígenas, não faz qualquer menção específica aos povos em situação urbana e isto se repete nas orientações federais, estaduais e municipais frente ao auxílio emergencial de renda mínima.
A questão da saúde pública escancara o vácuo entre o sistema utilizado pelos Distritos Sanitários Indígenas (DSEI) que atende apenas as populações aldeadas e o Sistema Único de Saúde (SUS), com suas secretarias estaduais e municipais, responsável pela cobertura geral das populações, inclusive em situação urbana. Uma política criminosa que distingue e separa a população indígena, reduzindo sua condição étnica ao fato de residir ou não em uma aldeia.
De acordo com os casos que acompanhamos e as denúncias que recebemos, este vácuo e essa invisibilidade das populações indígenas em situação urbana, provocada pela negligência dos órgãos públicos, tem gerado, em Manaus, impossibilidades práticas de isolamento social; subnotificações nas estatísticas de contágio e mortes de populações indígenas; aumento de exposição desta população ao contágio, aprofundamento da fome e da extrema pobreza nas comunidades localizadas em perímetro urbano, desassistência específica no tocante a saúde e a assistência social, entre outros fatores que evidenciam um prognóstico desastroso.
Frente a isto, unimos nossas solicitações a alguns dos apontamentos já assinalados pela organização Indigenistas Associados e solicitamos expressamente ao Ministro da Saúde, Sr. Nelson Teich; assim como ao Secretária Especial de Saúde Indígena (SESAI), Sr. Robson Santos da Silva; ao Presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Sr. Marcelo Augusto Xavier; ao Prefeito de Manaus, Sr. Arthur Virgílio Neto e seu Secretário Municipal de Saúde, Sr. Marcelo Magaldi Alves, além do Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do DSEI Manaus, Sr. Zé Almir dos Santos Gomes, que imediatamente:
- Criem e divulguem um protocolo nacional de enfrentamento da COVID -19 para ás populações indígenas em situação urbana, detalhando, como nos demais documentos de referência, ações e responsabilidades nos três níveis de resposta: Alerta, Perigo Iminente e Emergência em Saúde Pública.
- Coloquem em funcionamento o hospital de campanha exclusivo para populações indígenas de Manaus, como anunciado pelo Ministério da Saúde e confirmado pela Secretaria de Comunicação do Estado do Amazonas.
- As populações indígenas residentes em Manaus sejam incluídas no programa nacional de vacinação como população prioritária, assim como na distribuição das cestas básicas e do auxílio emergencial.
- Seja expressa em comunicado oficial aos agentes de saúde, a obrigatoriedade de descrição étnica dos pacientes indígenas que acessarem os serviços de saúde.
- As Casas de Apoio ao Indígena (CASAI) passem a acolher não apenas indígenas aldeados em trânsito na cidade, mas também aos indígenas urbanas que necessitem isolamento social.
- A formação de um Comitê de Crise Interinstitucional para proteção dos povos indígenas, sob articulação do Ministério Público Federal, visando o monitoramento conjunto de ações de proteção territorial, segurança alimentar, auxílios e benefícios, insumos e protocolos contra transmissão, para todos os povos indígenas.
- Que as Coordenações Regionais da Funai, assim como os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) da Sesai sejam incorporados nos Centros de Operações de Emergência em Saúde Pública em níveis estaduais e municipais.
- Esperamos, assim, que a nossa solicitação seja atendida o mais rapidamente possível e a população indígena em situação urbana receba atenção que lhe é assegurada por lei.
Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (COPIME)
Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES)
Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)
Arquidiocese de Manaus
Brasília DF, 23 de abril de 2020