Juventude e Comunidade: entrelaçando emoção, razão e pertencimento 

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Luiz Eleildo Pereira Alves

Olá, caro leitor! Este texto é o primeiro capítulo, um despertar, para um caminho de reflexões sobre o tema juventudes e comunidade. Falar sobre isso é falar de um encontro que molda destinos. Mais do que uma etapa biográfica, a juventude é um tempo de descobertas, riscos e reorganizações internas profundas, marcadas pela intensidade das interações.  

Há um tempo, venho insistindo em reflexões que partem da biologia da Cognição (Cf. ALVES, Luiz Eleildo Pereira. Linguagem, complexidade e formação de professores de língua materna: a constituição de comunidades de aprendizagem nas vivências de metatextos situados a partir de metodologias focadas na pesquisa), em Humberto Maturana e Francisco Varela, para pensar sobre a constituição de comunidades de aprendizagem em ambientes escolarizados. Nesta sequência de textos que inicia com a presente contextualização, quero elastecer essa reflexão para pensarmos, à luz dessa teoria, como as juventudes constituem-se comunidades permanentes em constante processo autopoietico.   

É fato que a existência humana acontece sempre com e a partir do outro, em um tecido de interações que se dão na linguagem, porque ela é nosso instrumento e meio de interação. Os símbolos, as imagens, os discursos que escutamos ou lemos, as conversas do dia a dia, as simples interações, são situações de linguagem. Isso nos leva a afirmar que é nela que as comunidades se constituem, negociando sentidos, propósitos, causas etc. Retextualizando Maturana e Varela (A Árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano): a linguagem humana, unida ao contexto social, possibilita a consciência de si e o pensamento. Essas capacidades só surgem porque, historicamente, desenvolvemos formas de convivência que as sustentam, pois sem elas não é possível entrar plenamente no universo humano. Mente e consciência não estão apenas no cérebro: elas nascem e se desenvolvem nas interações sociais e linguísticas, orientando nossos caminhos de vida. Mesmo sozinhos, é a rede de relações humanas que nos constitui. Portanto, não há um “eu” isolado, mas um indivíduo que se constitui no fluxo das relações em contínuo co-vir-a-ser.  

Nesse universo dialógico que a linguagem e o contexto social proporcionam situam-se também as juventudes com suas experiências. Cada encontro, cada conversa, cada afeto compartilhado atua como gatilho de reorganização estrutural, ou seja, desperta-nos para as mudanças provocadas pelo mundo, pelo outro, e isso provoca mudanças internas profundas. Assim, a experiência juvenil não é apenas um capítulo biográfico; é um fenômeno relacional, tecido no diálogo com pares, mentores, famílias e comunidades. 

Acredito que essa visão dialógica de constituição do sujeito encontra-se com o pensamento de todos nós, cristãos, quando pensamos em comunidade, em vivermos fraternalmente. O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Christus Vivit dirigida aos jovens, afirma: 

Deus ama a alegria dos jovens e convida-os sobretudo à alegria que se vive na comunhão fraterna, ao júbilo superior de quem sabe partilhar, pois ‘a felicidade está mais em dar do que em receber’ (At 20, 35) e ‘Deus ama quem dá com alegria’ (2 Cor 9, 7). O amor fraterno multiplica a nossa capacidade de nos alegrarmos, porque nos torna capazes de rejubilar com o bem dos outros: ‘Alegrai-vos com os que se alegram’ (Rm 12, 15). Que a espontaneidade e o impulso da [tua] juventude se transformem sempre mais na espontaneidade do amor fraterno, no frescor que nos faz reagir sempre com o perdão, a generosidade, o desejo de construir comunidade! Diz um provérbio africano: ‘Se queres andar rápido, caminha sozinho. Se queres chegar longe, caminha com os outros’. Não deixemos roubar-nos a fraternidade. 

Ainda, o relato dos Atos dos Apóstolos 2, 44-45 apresenta uma síntese admirável das vivências das primeiras comunidades cristãs. Obedientes aos princípios ensinados e incorporados na vida do Mestre Jesus, seus seguidores tentavam uma coerência manifestada na partilha do que conheciam – nos encontros -, mas também do que possuíam – na fração do pão. Tudo segundo a necessidade de cada um, em um senso de pessoalidade e de equidade que reflete no texto uma harmonia singular. Unidos de coração, viviam em alegria, alimentavam-se uns nas casas dos outros, correspondiam colaborativamente seus anseios de ter e de ser: tudo era de todos, eram uns para os outros.  

Essa imagem da comunidade primitiva “não é uma fantasia” (Homilia Capela Santa Marta “O Espírito Santo, mestre da harmonia”, Terça-feira, 21 de abril de 2020), mas assemelha-se a muitas outras formações comunitárias de outros tantos povos, uma vez que “A vida é um caminho comunitário onde as tarefas e as responsabilidades se dividem e se compartilham em função do bem comum. Não havendo espaço para ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu território” (Instrumentum Laboris do Sínodo para a Amazônia, n. 24). 

A vida cristã é sempre comunitária: nasce e se fortalece no encontro com Deus e com os irmãos. Não há vida humana sem interação. Toda identidade se forma em redes de conversação e aceitação mútua, na abertura ao outro, sendo, pois, a comunidade, não apenas cenário, mas condição para que o ser humano se reconheça e floresça (MATURANA. H. R.; VARELA, F. A Árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano). É no vínculo, no “aceitar o outro como legítimo outro” (MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política) que o sujeito encontra a possibilidade de se tornar plenamente humano, uma vez que “o homem não pode encontrar a sua própria plenitude senão no sincero dom de si mesmo” (Gaudium et Spes, n. 24).  

A juventude é, biológica, social e espiritualmente, uma estação de abertura. 
Trata-se de um período de alta plasticidade estrutural, ou seja, de maior capacidade de reorganizar-se internamente a partir das interações com o meio. Essa plasticidade não é apenas cerebral ou fisiológica; é também emocional e cultural. É quando o jovem, mergulhado em novas experiências, reorganiza continuamente o seu modo de ver o mundo e a si mesmo. É um tempo e um modo de ser aberto: diferentes modos de pensar, diferentes gostos, diferentes modos de compreender a realidade, cores, sabores, expressões, tudo aparentemente muito distinto. Causas distintas… É tempo de autopoiese, ou seja, de reconstruírem-se de forma autônoma e criativa.  É quando o “eu” se constrói, aberto ao que vem do outro, porque o que sentimos, ouvimos e vivenciamos modifica não apenas nossas ideias, mas a própria estrutura do que somos. É um tempo em que cada encontro, cada conversa, cada comunidade frequentada é capaz de deixar marcas profundas em nosso modo de perceber a realidade e de sermos no mundo. 

Essa peculiaridade da juventude é reconhecida pelo Papa Francisco no relato que segue: 

Algum tempo atrás, um amigo perguntou-me o que vejo quando penso num jovem. A minha resposta foi que ‘vejo um jovem ou uma jovem à procura do seu próprio caminho, que quer voar com os pés, que assoma ao mundo e fixa o horizonte com olhos cheios de esperança, cheios de futuro e também de ilusões. O jovem caminha com dois pés como os adultos, mas, ao contrário dos adultos que os mantêm paralelos, aquele coloca um atrás do outro, pronto a arrancar, a partir. Sempre a olhar para diante. Falar de jovens significa falar de promessas, significa falar de alegria. Os jovens têm tanta força, são capazes de olhar com tanta esperança! Um jovem é uma promessa de vida, que traz em si um certo grau de tenacidade; tem um grau suficiente de insensatez para poder enganar-se a si mesmo e uma capacidade suficiente para curar a decepção que daí pode derivar’”. (Christus Vivit, n.139). 

Os jovens sonham, avançam, recuam, reinventam-se, ressurgem. Isso é percebido através dos inúmeros movimentos sociais encabeçados pelas juventudes, que, em diferentes contextos históricos, têm assumido o protagonismo na luta por justiça social, equidade e direitos humanos. A juventude, movida por ideais de transformação, não apenas participa, mas frequentemente inicia processos de mudança cultural e política. Segundo Dayrell (2003), o jovem, ao se engajar em coletivos e movimentos, constrói sua identidade em diálogo com o mundo, articulando demandas pessoais e coletivas. Essa capacidade de mobilização revela que a aceitação do outro como legítimo outro, o que significa aceitá-lo em relações de amor, de propósito comum, de generosidade (MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política).  

Para Maturana, o amor é a base do social, pois é a emoção que permite reconhecer e acolher o outro como legítimo na convivência. O ser humano nasce do entrelaçamento entre emoção e razão — e mesmo a razão se apoia em escolhas e preferências assumidas previamente. Daí porque nem toda relação humana é verdadeiramente social: interações baseadas em obediência, exclusão, preconceito ou negação adoecem e rompem nossa natureza biológica de seres que dependem do amor. Por isso, práticas e instituições guiadas apenas pela racionalidade e pela obrigação precisam ser repensadas, carecem de rever como lidam com o outro, sobretudo com a juventude. Será que reprisamos opressões? Quando se é adulto, para onde vai a alegria da juventude e a coragem de viver desafios? Sentimo-nos jovens com os jovens? Formamos com eles comunidade? Responder a essas perguntas não é apenas uma atividade de autorreflexão, mas a base de um motor coletivo para se trabalhar com as juventudes impulsionando ações transformadoras. 

No Brasil, por exemplo, os jovens foram a força na luta contra a ditadura militar, na redemocratização, no movimento estudantil e em pautas contemporâneas como a defesa do meio ambiente, a luta antirracista e os direitos das minorias. Tais movimentos evidenciam a potência da juventude como agente político e cultural, capaz de tensionar estruturas estabelecidas e propor novas formas de convivência social. Como observa Groppo (2017), a juventude é um grupo social que, embora marcado por vulnerabilidades, apresenta uma notável capacidade de inovar na ação política e de abrir espaços para a construção de um futuro mais justo e solidário. Viver a juventude, portanto, é habitar um território de possibilidades em aberto. É um tempo em que a comunidade pode se tornar um espaço de fortalecimento ou de dispersão; de cuidado ou de indiferença.  

A decisão de exercer e produzir força em uma relação é mais que um ato puramente racional. Nossas ações não são apenas fruto de processos lógicos ou cognitivos; elas estão sempre enraizadas em um domínio emocional (MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política). É a emoção que orienta a razão, dando direção às nossas escolhas. Assim, a razão opera dentro de um contexto afetivo, mesmo quando achamos que estamos sendo puramente “objetivos”. Por exemplo, a decisão de participar de um movimento social ou de defender uma causa não nasce apenas de argumentos racionais sobre justiça, mas também de emoções como empatia, indignação e solidariedade. 

Se a plasticidade estrutural é uma dádiva biológica, ela se realiza plenamente quando encontra comunidades que oferecem sentido, afeto e projeto. Sem isso, o risco é a dispersão em relações superficiais e o enfraquecimento da própria autopoiese juvenil. Com isso, ao contrário, floresce uma juventude capaz de renovar a comunidade e, ao mesmo tempo, de amadurecer com ela. 

Assim, reconhecer a juventude como um tempo de abertura e plasticidade estrutural é perceber que o encontro com o outro não é periférico, mas central na formação de sujeitos e comunidades. À luz de Maturana e Varela, cada interação vivida é um disparador de reorganização estrutural; à luz da fé cristã, cada vínculo integra o ser da pessoa como um chamado à comunhão e ao dom de si mesmo. Movimentos sociais liderados por jovens, experiências comunitárias eclesiais ou coletivos culturais mostram que a juventude carrega uma força transformadora capaz de renovar a sociedade quando encontra espaços de pertencimento e colaboração. Aceitar o outro como legítimo outro é, portanto, mais do que um princípio ético: é uma estratégia de vida e um caminho para que as juventudes se tornem, elas mesmas, comunidades vivas em autopoiese constante, capazes de florescer e fazer florescer o mundo à sua volta. 

Antes de avançarmos em nossa reflexão e depois de visualizarmos, pelo menos teoricamente, como as juventudes se organizam em estruturas comunitárias, é importante que pensemos sobre os pontos abordados nesta breve reflexão que inicia um caminho que trilharemos em textos seguintes sobre esse tema. Para você: 

  • O que, de fato, faz com que um grupo de jovens se reconheça como comunidade? 
  • Como o conceito de “aceitar o outro como legítimo outro” pode transformar nossas relações e fortalecer comunidades juvenis? 
  • Quais elementos tornam uma comunidade um espaço de fortalecimento e não de dispersão para a juventude? 
  • Como as emoções influenciam nossas decisões de nos engajar em causas coletivas ou movimentos sociais? 

Reflita sobre essas questões provocadoras e interaja conosco! Na próxima parte, pensaremos como as comunidades juvenis permanentes ou provisórias se constituem em relações linguajantes. Até lá!

REFERÊNCIAS

  • ALVES, Luiz Eleildo Pereira. Linguagem, complexidade e formação de professores de língua materna: a constituição de comunidades de aprendizagem nas vivências de metatextos situados a partir de metodologias focadas na pesquisa. 2021. 297 f. Tese (Doutorado em 2021) – Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2021. Disponível em: http://siduece.uece.br/siduece/trabalhoAcademicoPublico.jsf?id=104925 Acesso em: 31 de julho de 2025
  • CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et Spes. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em: 06 de agosto de 2025.
  • DAYRELL, Juarez Tarcísio. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 24, p. 40–52, set./dez. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/j/rbedu/a/zsHS7SvbPxKYmvcX9gwSDty/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 25 de julho de 2025.
  • FRANCISCO, Papa. Christus vivit. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html. Acesso em: 01 de agosto 2025.
  • GROPPO, Luís Antonio. Juventudes e políticas públicas: comentários sobre as concepções sociológicas de juventude. Revista Desidades, número 14, ano 5, março 2017. Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/ocupacoessecundaristas/wp-content/uploads/sites/207/2021/08/30-GROPPO-Juventudes-e-politicas-publicas.pdf. Acesso em: 01 de agosto de 2025.
  • MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
  • MATURANA. H. R.; VARELA, F. A Árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas: Psy II, 1995.
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