Justiça Socioambiental: Um clamor ético e espiritual por transformação 

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Emiliana Pacheco Monteiro e
Fernanda Campos Nazaré

Vivemos um tempo em que a interdependência entre questões sociais e ambientais se torna cada vez mais evidentes. A degradação da natureza e o agravamento das desigualdades sociais revelam uma crise sistêmica que desafia os modelos predominantes de desenvolvimento. Neste contexto, o conceito de Justiça Socioambiental emerge como um chamado ético e espiritual à ação transformadora, buscando articular a defesa dos direitos humanos com a proteção da Casa Comum. 

O Conceito de Justiça Socioambiental 

Para aprofundarmos essa temática é importante compreendermos que a Justiça Socioambiental se baseia na compreensão de que os problemas ambientais não são neutros: afetam de maneira desproporcional as populações mais vulneráveis (FABUREL, G. Current debates on environmental in/equities Greening our urban spaces. Justice spatiale | Spatial justice, n.2, p.1-12, 2010). Desse modo, não basta proteger o meio ambiente de forma isolada. É necessário enfrentar as estruturas sociais injustas que tornam determinados grupos mais suscetíveis à poluição, à perda de território, à insegurança alimentar, à ausência de saneamento básico, à falta de acesso à água potável etc. 

Essa compreensão tem gerado debates profundos. Em muitos casos, provoca crises, pois confronta interesses econômicos, estruturas de poder e padrões de consumo. A ideia de Justiça Socioambiental questiona o próprio modelo neoliberal de crescimento ilimitado propondo outro paradigma: o do cuidado, da solidariedade e da responsabilidade compartilhada. 

Dados sobre a degradação ambiental e suas consequências sociais 

Nesse sentido, é urgente tomarmos consciência e assumirmos nossa responsabilidade diante da degradação ambiental e de suas consequências. Os dados a seguir evidenciam que a situação está se tornando cada vez mais grave. 

Em setembro de 2024, a degradação florestal na Amazônia atingiu 20.238 km², o maior índice registrado nos últimos 15 anos, representando um aumento alarmante de 1.402% em relação ao mesmo mês de 2023. Essa destruição ameaça gravemente a biodiversidade amazônica e compromete os meios de vida de comunidades tradicionais, especialmente em estados como o Pará, que concentrou 57% da degradação registrada (Dados de Agência Brasil). 

Além disso, incêndios florestais devastadores no Pantanal em junho de 2024 queimaram 440.000 hectares, área equivalente à metade da Bélgica. Estudos indicam que a probabilidade de ocorrência desses incêndios aumentou cinco vezes. Isto se deve às condições climáticas extremas: altas temperaturas e baixa umidade. Ambas intensificadas pelo aquecimento global (dados fornecidos pelo Jornal El País). 

A Contribuição da Carta Encíclica Laudato Si 

Diante da gravidade desses eventos, como a degradação florestal na Amazônia e os incêndios no Pantanal, torna-se ainda mais evidente a necessidade de uma resposta que vá além das soluções técnicas e alcance também os fundamentos éticos e espirituais da crise socioambiental. No cenário religioso e ético, um dos documentos mais influentes nesse debate é a encíclica Laudato Si, publicada pelo Papa Francisco em 2015.  

A Encíclica propõe uma “ecologia integral”. Este conceito une o cuidado com a natureza, a justiça para com os pobres e o compromisso com as futuras gerações em uma mesma compreensão. Francisco, por meio dessa concepção, denuncia a cultura do descarte, a mercantilização da natureza e a indiferença global diante do sofrimento humano e ecológico. 

Laudato Si traz à tona a necessidade de uma conversão ecológica, que ultrapassa somente a mudança de comportamentos individuais. Alcança, sobretudo, a necessidade de mudanças nas estruturas sociais, políticas e econômicas. Ao chamar atenção para a “íntima relação entre os pobres e a fragilidade do planeta”, o documento fundamenta teologicamente o conceito de Justiça Socioambiental conferindo-lhe um caráter espiritual e ético-moral (Laudato Si, n.16). 

O Compromisso da Companhia de Jesus com a Justiça Socioambiental 

Essa visão proposta pela Laudato Si ressoa profundamente com a missão da Companhia de Jesus. Inspirada pela tradição inaciana de discernimento e compromisso com os mais vulneráveis, a Companhia tem assumido a Justiça Socioambiental como parte central de sua atuação contemporânea. A formulação das Preferências Apostólicas Universais (2019-2029) expressa claramente esse compromisso, especialmente na prioridade de “colaborar no cuidado da Casa Comum”

No marco da atuação da Companhia acerca da Justiça Socioambiental, destaca-se a urgência de integrar fé e justiça por meio de ações concretas que enfrentem as desigualdades estruturais e promovam práticas sustentáveis. A educação, a incidência política, o engajamento comunitário e a espiritualidade ecológica são caminhos assumidos pelos jesuítas e instituições vinculadas, na busca de uma transformação que seja verdadeiramente integral. 

Ações concretas do MAGIS Brasil 

Nesse mesmo espírito de integração entre fé e ação, a Rede MAGIS Brasil — serviço da Companhia de Jesus voltado à juventude — tem se destacado na promoção da Justiça Socioambiental por meio de diversas iniciativas concretas: 

  • Mochilaço Jovem 2024: Realizado em Manaus (AM), o evento reuniu 26 jovens para uma experiência de reflexão, ação prática e espiritualidade com foco no cuidado da Casa Comum. A programação incluiu trilha ecológica e oficinas, promovendo a conscientização ambiental entre os participantes; 
  • Campanha “Ser Mais Amazônia”: Com o objetivo de sensibilizar os jovens para a realidade amazônica, a campanha propôs uma conversão ecológica integral incentivando relações mais justas e de cuidado com as pessoas e a natureza; 
  • Relatório Socioambiental 2023: O documento apresenta as ações realizadas pelo MAGIS Brasil demonstrando seu impacto socioambiental e destacando o fortalecimento do protagonismo juvenil e o acompanhamento das juventudes em diversos eixos. Dentre eles está a justiça socioambiental. 

Um clamor por transformação 

Por isso, quando falamos de Justiça Socioambiental, não se trata apenas de uma bandeira política ou de uma categoria acadêmica — é um clamor da realidade que exige resposta ética, espiritual e concreta. Diante das múltiplas crises que marcam nosso tempo, a Justiça Socioambiental nos convida a repensar nossos estilos de vida, nossas estruturas econômicas e nossos vínculos com a natureza, com os outros e com Deus. Inspirados por documentos como a Encíclica Laudato Si e pelo testemunho de instituições comprometidas com o bem comum, somos chamados a construir uma nova lógica de convivência pautada na justiça, no cuidado e na esperança.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. Disponível em: agenciabrasil.ebc.com.br . Acesso em 02 jun. 2025.
PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em 27 mai. 2025.
JORNAL EL PAÍS. Disponível em: elpais.com. Acesso em 02 jun. 2025.
FABUREL, G. Current debates on environmental in/equities Greening our urban spaces. Justice spatiale | Spatial justice, n.2, p.1-12, 2010. Disponível em: < http://www.jssj.org/wp-content/uploads/2012/12/JSSJ2-6en1.pdf>. Acesso em 30 mai. 2025.
REDE MAGIS BRASIL. Disponível em: https://magisbrasil.org.br/ Acesso em 30 mai. 2025.
COMPANHIA DE JESUS. Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus (2019-2029). Disponível em: https://www.jesuitasbrasil.org.br/wp-content/uploads/2019/02/Carta.pdf. Acesso em 28 mai. 2025.

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