Odair José Durau, sj

Introdução

Hoje a presença divina também se torna realidade através da generosidade e da dedicação de muitas pessoas que se colocam à disposição dos jovens para ajudá-los a construir um projeto de vida cheio de esperança. Contudo, o que é mais benéfico para quem se coloca à disposição dos jovens: ouvi-los ou acompanhá-los? A sensibilidade de escutar e de acompanhar é uma arte que está presente entre nós e precisa ser recuperada. Ambas são capazes de acolher, acalentar, aquecer e dar esperança aos nossos jovens, sobretudo, nesta etapa da vida tão marcada por decisões, escolhas, possibilidades, desafios, alegrias e angústias.

A reflexão a seguir está dividida em três partes. Num primeiro momento, refletiremos a arte de escutar. Em seguida, aprofundaremos a arte do acompanhamento. Por fim, enfatizaremos o porquê escutar e acompanhar os jovens1.

1- A arte de escutar

Atualmente, assistimos a uma presença constante dos jovens nas redes sociais. Este é um fenômeno positivo, pois dá-lhes a oportunidade de se interagirem e relacionarem com pessoas da mesma cidade, do mesmo país e de todo o mundo. O Papa Francisco aborda lucidamente a temática do ambiente digital na Exortação Christus Vivit fazendo uma referência à Encíclica Laudato si’: “não é salutar confundir a comunicação com o mero contato virtual. De fato, ‘o ambiente digital é também um território de solidão, manipulação, exploração e violência […]. Os meios de comunicação podem expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de contato com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento das relações interpessoais autênticas2’”.

Diante desta situação real e atual, gostaríamos de salientar uma atitude um pouco esquecida, por vezes até considerada “banal” e irrelevante, mas que tem uma eficácia afetiva, humana e divina: a escuta.

A origem da palavra escutar vem do latim “auscultare”, ou seja, ouvir com atenção. É interessante notar que a palavra auscultar está presente no âmbito da medicina. O transitivo direto do verbo auscultar remete à observação e ao diagnóstico de possíveis ruídos de alguma parte do corpo que não está saudável ou que está enferma. Neste sentido, escutar é um movimento que pressupõe atenção. Pela escuta, somos capazes de captar os “ruídos”, mediante a fala e os gestos corporais, daquele que partilha algo. Escutar não é apenas ouvir a sincronia ou desarmonia de palavras, mas uma atitude de colocar-se por inteiro diante de alguém. É uma atitude de reverência perante uma pessoa que está desejosa de partilhar as alegrias, as novidades, as surpresas, as dificuldades, as tristezas e os desafios da vida.

A gratuidade da escuta é algo extremamente humano e incrivelmente divino. Tal atitude é natural entre os amigos. É fácil notar quando alguém próximo de nós não está bem. Logo

intuímos pela fala, pelo corpo, pelo comportamento que alguma coisa está acontecendo. A escuta atenta pressupõe a valorização daquele que fala como um amigo, isto é, como alguém que é importante e merece toda a atenção.

Hoje percebemos uma crescente demanda da escuta numa perspectiva profissional. E isto é excelente. Algumas questões humanas merecem ser aprofundadas através de uma escuta com mais elementos especializados. É o caso da psicologia, da psiquiatria, da terapia, do serviço social, dos testes vocacionais em vista de uma profissão e tantas outras formas de escuta. Contudo, o que pretendemos refletir é a escuta como uma possibilidade de ajudar os jovens a discernir o caminho de sua existência sob o horizonte da fé. Além do mais, o que desejamos enfatizar é uma escuta como a capacidade respeitosa de acolher o outro como ele é, auscultar o coração do outro de uma maneira contextualizada, com os pés no chão e com os ouvidos no coração dos jovens.

A escuta, que pode ser algo pontual, poderá ter um modelo, uma referência: o modo de proceder de Jesus. “A sua entranhada compaixão não era algo que o ensimesmava, não era uma compaixão paralisadora, tímida ou envergonhada, como sucede muitas vezes conosco. Era exatamente o contrário: era uma compaixão que o impelia fortemente a sair de si mesmo a fim de anunciar, enviar a curar e libertar”3.

2- A arte de acompanhar

O acompanhamento é um espaço privilegiado para a pessoa partilhar a sua vida, principalmente, uma oportunidade de acolher, tomar consciência e posicionar-se diante dos seus dons, dos seus talentos, das suas limitações e de suas fragilidades. Contudo, para darmos continuidade, convém que tenhamos bem claras as peculiaridades da escuta e do acompanhamento. Reitero que a escuta pode se dar informal e/ou pontualmente, ou seja, é a aptidão de estar inteiro e com reverência diante daquele que partilha algo ou sua própria vida num determinado momento. Já o acompanhamento pressupõe um caminho, um itinerário. Deste modo, apresentarei, em seguida, alguns elementos que são fundamentais na arte do acompanhamento, focando no horizonte espiritual e iluminado pela espiritualidade inaciana.

O acompanhamento espiritual contém duas características: a teografia e a mistagogia. “Teografia significa que a orientação (acompanhamento) é possível graças às marcas de Deus na vida de cada um de nós. Deus escreve em nossa vida. Na vida de cada um de nós há uma escrita, a qual podemos ler […] o que Deus escreveu no nosso próprio coração”4. Já a “mistagogia é a maneira como sou conduzido, através das marcas de Deus na nossa vida, é o sentido dessas marcas. Relendo nossa vida, vamos ver que as marcas que aí se encontram são sinais indicadores do caminho que Deus me fez e faz andar”5. Diante disso, podemos comparar o acompanhante como um médico que ajuda o paciente a fazer um eletrocardiograma, ou melhor, ajuda o jovem a descobrir os pontos altos, baixos, os toques de Deus em seu coração ao longo de sua história.

A pessoa que se dispõe para acompanhar é convidada a estar atenta para perceber os movimentos e a ação de Deus na vida dos jovens. Tal sensibilidade se torna mais aguçada quando o próprio acompanhante possui uma vida de oração profunda. “A familiaridade com Deus, por meio da oração, ajuda o acompanhante a ‘sentir e saborear’ a presença de Deus em sua vida, a descobrir que Ele trabalha, Deus atua, Ele está aí. A pessoa de fé é capaz de transmitir Deus e, principalmente, ajudar o jovem a dar-se conta desta presença serena, próxima e amiga”6.

Nesta perspectiva, destacamos que o acompanhante é aquele que se coloca ao lado do jovem como uma “testemunha qualificada” para ajudá-lo a dar-se conta do que Deus está querendo realizar ou comunicar. Evidentemente que, em alguns casos, o acompanhante poderá precaver dos possíveis enganos, escrúpulos, ilusões e/ou aparentes “fervores” na vida espiritual. Notem que não estamos utilizando a definição de “guia”, “orientador”, “diretor”, pois são características do Espírito. A missão do acompanhante é ser como uma ponte que facilita encontros.

Aqueles que desejam desenvolver a arte do acompanhamento espiritual são chamados a levar em consideração três pontos essenciais: 1) acreditar nos jovens; 2) preparar-se para a arte de acompanhar e 3) conhecer a realidade juvenil.

2.1 – Acreditar nos jovens

Os jovens desejam ser protagonistas de sua história pessoal, social, nacional e mundial. Eles carregam a “semente” da esperança como agentes transformadores. Entretanto, é fundamental ter presente que “há momentos cruciais na vida de toda a pessoa, sobretudo, no tempo da juventude, o qual é um período propício para fazer escolhas. Nesta etapa, caminhar e optar sozinho é muito perigoso, pois os jovens estão imersos nos estudos, no início da vida profissional, envoltos nas pressões externas, na busca de autonomia e tantos outros fatores próprios desta fase da vida. São nestes momentos de encruzilhadas, de dúvidas, de incertezas que o encontro com uma pessoa de confiança pode fazer a diferença na vida deles”7. Neste contexto, colocar-se à disposição e se formar bem na arte do acompanhamento é um ministério atual, necessário, humano e sinalizador de Deus. Acreditar nos jovens faz parte da arte da escuta e do acompanhamento. Caso contrário, estaremos, apenas, ouvindo sem compromissos, uma partilha “desinteressadamente”.

2.2 – Preparar-se para a arte de acompanhar

Toda pessoa que se coloca como acompanhante espiritual “não nasceu pronta, mas vai aprendendo a partir de sua experiência e com o auxílio de Deus a ler os sinais do Espírito na experiência humana e espiritual do jovem”8. Na Exortação Christus Vivit, o Papa Francisco destaca que “os acompanhadores não deveriam levar os jovens a ser seguidores passivos, mas sim a andar ao seu lado, deixando-os ser protagonistas do próprio caminho. Devem respeitar a liberdade que o jovem tem em seu processo de discernimento e oferecer-lhe ferramentas para fazerem o melhor”9. O Espírito poderá atuar melhor e, sobretudo, o jovem poderá entender esta

ação quando o acompanhante, sabiamente, exercer a missão de facilitador deste encontro. Para isto, convém conhecer algumas orientações práticas de como tornar a arte da escuta e do acompanhamento mais eficaz, humana e apropriada. Resgatamos, novamente, a peculiaridade da escuta e do acompanhamento. A primeira poderá ocorrer de uma maneira pontual e única. Pode se caracterizar como um “desabafo”, uma confissão, a busca de uma ajuda instantânea e imediata. Já o acompanhamento é processual. Ele pode acontecer em um retiro e seguir após a experiência, pode ser uma prática quinzenal ou mensal. Em ambos os casos, é fundamental que o acompanhante esteja por inteiro e tenha ferramentas para colaborar com o Espírito e ajudar o jovem.

2.3 – Conhecer a realidade juvenil

A arte da escuta e do acompanhamento leva em consideração a experiência humana e espiritual daquele que se coloca à disposição para exercer este ministério. Convém uma formação adequada para conhecer algumas orientações práticas antes, durante e depois da partilha e, principalmente, um olhar atento para a realidade dos jovens hoje. Talvez o último elemento seja mais desafiante. O grande obstáculo, para muitos, é olhar os jovens como eles são e a partir da realidade em que se encontram. O modo de ver os jovens, pelo acompanhante, poderá estar condicionado às suas convicções, às suas ideologias ou àquilo que “sempre falaram que é o certo”.

É salutar olhar e ajudar os jovens inspirando-se no modo de olhar e ajudar de Jesus. A experiência da multiplicação dos pães é pertinente para percebermos que Jesus deseja saciar a fome de todas as pessoas. Fome de vida, fome de justiça, fome de paz, fome de comida, fome de sentido, fome de esperança10. Durante o acompanhamento propriamente dito, é difícil “intuir” o que o jovem vai falar. No decorrer da partilha, o acompanhante poderá se deparar com questões humanas, espirituais, psicológicas, afetivas e tantas outras, as quais poderão ser uma novidade, um desafio, uma alegria. Para estar preparado diante das surpresas, convém conhecer a realidade em que os jovens estão inseridos, pois é possível entender algumas dinâmicas internas vivenciadas por eles.

A experiência de acompanhar jovens, à luz da espiritualidade inaciana, confirma que as partilhas não são, apenas, espirituais. Às vezes, é uma mescla de vivência espiritual, vivência humana. Enfim, o ser humano é um mistério. A vida é um mistério. A experiência de cada pessoa é única. É impressionante como o Espírito atua mediante a realidade e a história de cada jovem. O respeito e a compreensão, atitudes do acompanhante, são fundamentais para que a graça de Deus vá “curando”, perdoando, acolhendo e dando uma nova chance para os jovens. Podemos aprender com a atitude do pai misericordioso que “viu e encheu-se de compaixão”11.

3- Para quê escutar e acompanhar?

Até o presente momento, procuramos definir a escuta e o acompanhamento enquanto o momento da partilha (humana ou espiritual), o qual poderá acontecer de uma maneira pontual, isto é, uma única conversa (conselho, “desabafo”, orientação, etc.) ou um acompanhamento espiritual mais prolongado. Reiteramos que, no nosso caso, ambas as perspectivas estão relacionadas à vida espiritual, pois sabemos que há inúmeras formas de escuta e

acompanhamento (psicológico, terapêutico, entre outros). De fato, a Igreja e todos aqueles que se inserem no ministério da escuta e do acompanhamento são convidados a ajudar os jovens a elaborar um projeto de vida cheio de esperança.

A arte da escuta e do acompanhamento deve estar direcionada a um fim muito específico: ajudar o jovem a elaborar um projeto de vida cheio de esperança. “Uma consideração importante é a distinção entre projeto de vida e projeto de futuro, expressões/conceitos que têm sido utilizados como sinônimos, a depender do contexto. Ao partir dessa distinção, queremos enfatizar que o projeto de vida não é um instrumento voltado apenas a possibilitar que a pessoa elabore e tome decisões para o seu futuro. Essa é apenas parte do processo e tal abordagem centrada no futuro seria incompleta, ao considerar apenas o resultado e negligenciar a importância do processo em si. Além de organizar planos, o projeto de vida deve permitir a quem se dedica a elaborá-lo criar uma narrativa sobre si, organizando sua biografia, conhecendo mais a si próprio e a conjuntura na qual vive. Ele é um itinerário que ajuda o indivíduo a se constituir como pessoa que é, na medida em que faz memória de sua história pessoal, conscientiza-se de suas características pessoais, e toma decisões que vão diferenciando-o dos demais, numa trajetória cada vez mais autônoma”12.

Na perspectiva de oferecer meios adequados para que o jovem tenha condições de elaborar um projeto de vida repleto de esperança, é importante ajudá-lo a desenvolver a arte do discernimento. Esta é condição para desenvolvermos a sensibilidade de acolher, tomar consciência e nos posicionarmos diante da atuação discreta e profunda de Deus no mundo, o qual nos convida constantemente a viver a vida com abundância. Ajudar os jovens a “encontrar a Deus em todas as coisas significa que a união ou a relação com Deus, desde o momento que tem suas raízes no centro mesmo do próprio ser, não só resulta em atividade, mas de tal maneira penetra e transforma toda a atividade e a totalidade da pessoa”13 e, desse modo, “qualquer experiência se converte em experiência de Deus e toda ação não só nasce do contato com Deus, mas é em si mesma um aprofundamento deste contato, que é a contemplação”14. Ser contemplativo na ação é ter a percepção da presença e da atuação de Deus no mundo, da qual nasce o desejo de ajudá-Lo. De fato, “os jovens são portadores desta nova forma de vida humana que pode alcançar, na experiência do encontro com o Senhor Jesus, uma luz que ilumine o caminho rumo à justiça, à reconciliação e à paz”15.

Conclusão

A arte da escuta e do acompanhamento são relações humanas que levam em consideração a personalidade de cada acompanhante, bem como a sua preparação, mediante estudos, formações, e, sobretudo, a graça de Deus. Sendo assim, no encontro de duas pessoas, é pertinente evitar gestos mecânicos ou enrijecidos. Ao contrário, é o momento oportuno para transparecer o modo de proceder de Deus que é sensível às sutilezas do contato humano.

O serviço da escuta e do acompanhamento espiritual dos jovens é uma colaboração fundamental para criar um mundo mais humano. De fato, “a juventude é a etapa da vida humana

na qual cada pessoa toma decisões fundamentais para se inserir na sociedade. É a etapa em que busca sentido para sua existência e para a realização de seus sonhos. Acompanhar este processo, a partir da experiência do discernimento e acompanhamento da Boa Nova de Jesus Cristo, é uma oportunidade para mostrar o caminho que leva a Deus, caminho que passa pela solidariedade com os seres humanos, para a construção de um mundo mais justo”16.

Bibliografia

1. Ir. Valéria Andrade Leal (org.), Evangelização Juvenil – Desafios e Perspectivas, 1ed., Brasília, Edições CNBB, 2022.

2. Odair José Durau e Vanessa Araújo Correia, Projeto de Vida para jovens: um itinerário metodológico de esperança, São Paulo, Edições Loyola, 2020.

3. Papa Francisco, Exortação apostólica pós-sinodal Christus vivit: aos jovens e a todo o povo de Deus, São Paulo, Paulinas, 2019.

4. Papa Francisco, Gaudete et Exsultate: exortação apostólica sobre a chamada à santidade no mundo atual, São Paulo, Paulinas, 2018.

5. Parmananda Divarkar, La senda del conocimiento interno: reflexiones sobre los ejercicios espirituales de San Ignacio de Loyola, Santander, Sal Terrae, 1984.

6. Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus 2019-2029.

7. PROGRAMA MAGIS BRASIL, Acompanhamento espiritual de jovens à luz da espiritualidade inaciana, São Paulo, Loyola, 2020.

8. PROGRAMA MAGIS BRASIL, Exercícios Espirituais para Jovens (EEJ): guia inspirador, São Paulo, Loyola, 2018.

9. Ulpiano Vazquez Moro, A orientação espiritual: mistagogia e teografia, São Paulo, Loyola, 2001.

Partilhamos um pequeno extrato de uma reflexão que pode ser consultada na íntegra em: Odair José Durau, “A arte da escuta e do acompanhamento”, em: Ir. Valéria Andrade Leal (org.), Evangelização Juvenil – Desafios e Perspectivas, 1ed., Brasília, Edições CNBB, 2022, p. 77-102.

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