Desafios ambientais e vulnerabilidade social
O planeta enfrenta uma crise ambiental de grandes proporções, onde a poluição, o desmatamento, a degradação da biodiversidade e as mudanças climáticas são alguns dos desafios que ameaçam a sustentabilidade e a sobrevivência na Terra. A crise climática caracteriza-se pela alteração na temperatura do globo terrestre, provocando não somente o aquecimento global, mas também afetando a produção de recursos naturais tão necessários para o desenvolvimento humano e animal. Como afirma Leff (2001), “a crise ambiental não é apenas ecológica, mas envolve uma crise civilizatória que questiona os fundamentos econômicos, sociais e culturais do modelo de desenvolvimento vigente” (LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder).
Os problemas relacionados à crise ambiental têm provocado impactos sociais que atingem de maneira desigual as diversas populações: “as adversidades climáticas ampliam vulnerabilidades preexistentes, colocando uma carga injusta sobre as regiões e populações menos preparadas para lidar com tais desafios” (INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS (IHU). Impactos desiguais: as mudanças climáticas e a intensificação das desigualdades sociais). Sachs (2004) destaca que “as desigualdades sociais agravam as vulnerabilidades ambientais, e vice-versa, criando ciclos de pobreza e exclusão difíceis de romper” (SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável).
Em cada parte do planeta há uma disparidade socioambiental que acirra ainda mais a crise climática e social. Furacões, desmatamento, trabalho escravo, carência de água, insegurança alimentar, secas e alagamentos são eventos geográficos causados e agravados pelas mudanças climáticas.
A desigualdade social e pobreza estão internamente ligadas aos problemas ambientais, se revelando por meio da ausência de água potável, da falta de saneamento básico, da escassez de recursos e alimentos e da habitação precária em áreas de risco ambiental. De acordo com Acselrad (2004), “as injustiças ambientais resultam da distribuição desigual dos riscos e benefícios ambientais entre diferentes grupos sociais” (ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental: construção e defesa de territórios de existência).
Neste cenário de desigualdades, os jovens são impactados diretamente, seja pelo espaço em que vivem – nas condições precárias de sobrevivência –, seja pela falta de acesso a serviços públicos e direitos sociais. No entanto, as juventudes também são protagonistas sociais dos debates acerca da justiça climática.
Atualmente, os debates acerca dos desafios enfrentados pela sociedade com as crises climáticas e ambientais buscam soluções práticas e efetivas para criar condições de vida possíveis para o desenvolvimento humano e ambiental. Diante desse panorama de múltiplas ameaças, torna-se fundamental compreender o papel que as juventudes desempenham na construção de alternativas frente às desigualdades socioambientais.
Juventudes e justiça socioambiental: entre a vulnerabilidade e protagonismo
A conjuntura atual de crises e mudanças emergentes tem provocado instabilidades e preocupações no mundo todo. Para as juventudes, as crises climática, ambiental e social não são somente uma ameaça para o futuro — impactam na realidade hoje. Diante disso, é preciso repensar as relações humanas com o meio ambiente e os modos de produção e reprodução das relações sociais. Segundo Arroyo (2007), “os jovens não são apenas sujeitos em formação, mas sujeitos históricos, sociais e culturais que já agem sobre a realidade” (ARROYO, Miguel. Ensino médio: camadas populares e educação do campo).
Dados do IBGE (2022) apontam que cerca de 22,31% da sociedade brasileira é composta por jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Desse percentual, cerca de 30% encontram-se em situação de pobreza, com maior incidência entre os jovens de áreas rurais; da região nordeste; que estão fora da escola; e os autodeclarados pardos (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022).
As juventudes de comunidades ribeirinhas são afetadas pela mineração e pelas barragens; os jovens de periferias urbanas são expostos à poluição, enchentes e ondas de calor; os povos indígenas têm sua cultura e seus territórios ameaçados. Estes são alguns dos desafios que as juventudes enfrentam no dia a dia, que impactam seu presente e intimidam seu futuro. Conforme afirma Porto-Gonçalves (2006), “o território é, para os povos tradicionais, não apenas espaço físico, mas lugar de vida, cultura e resistência” (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização).
Os jovens, para além de serem vítimas da crise, são também protagonistas de respostas transformadoras e criativas que poderão ser efetivas na construção de novas formas de sociabilidade e na mudança de paradigmas.
A noção de justiça socioambiental refere-se à articulação entre a luta por direitos sociais e a preservação ambiental, compreendendo que as desigualdades sociais e os danos ecológicos estão interligados. Esse conceito reconhece que os impactos ambientais afetam de maneira desproporcional os grupos mais vulneráveis e historicamente marginalizados — como povos indígenas, comunidades tradicionais, populações negras e jovens de periferias — e defende a distribuição equitativa dos recursos naturais, bem como a participação dessas populações na tomada de decisões.
Segundo Acselrad (2004), “justiça ambiental significa garantir que nenhum grupo populacional suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas decorrentes de operações econômicas, políticas ou sociais” (ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental: construção e defesa de territórios de existência).
No Brasil e no mundo, os jovens têm se organizado e mobilizado a sociedade acerca da justiça socioambiental, articulando nos seus locais de base ações pontuais de reflorestamento e criação de hortas comunitárias, mas também promovendo manifestações a nível nacional e internacional por políticas públicas efetivas.
Ao assumir o papel de protagonista, as juventudes tornam-se sinal de esperança, de mudanças e de transformação social. Para os jovens, o cuidado com a Casa Comum é construir um mundo mais justo, humano e sustentável para todos e todas. Nesse sentido, a formação das juventudes e a sua conscientização crítica estão intrinsecamente ligadas aos processos educativos que promovem a justiça e a sustentabilidade. É nesse contexto que a educação ambiental se consolida como um caminho estratégico de transformação.
Educação ambiental como caminho de transformação
O protagonismo das juventudes parte do princípio de uma educação emancipadora, que visa transformar a realidade social com o objetivo de garantir melhores condições de vida para todos. Os debates em cena suscitam ações emergentes com atuações concretas como ferramenta essencial de transformação.
Para Paulo Freire (2006), “a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade), um mecanismo de transformação social que, para além de ministrar matérias e conteúdos programados, busca conscientizar a todos acerca das estruturas sociais que se estabelecem e questionar os modelos de opressão e discriminação que se perpetuam na sociedade.
Freire ainda afirma que “educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!” (FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa), proporcionando uma reflexão acerca que todo ato educativo é carregado por intenções, desejos, valores e provocações sociais. Ou seja, a educação se compromete com o rompimento das estruturas opressores em busca de justiça social, ou ela coopera com a conservação do cenário atual, reforçando desigualdades sociais.
A educação ambiental emerge como instrumento de mudança de novos paradigmas que promovam o bem-estar da sociedade de modo justo, equânime e sustentável. A educação ecológica, seja na esfera formal — escolas e universidades — e/ou informal — movimentos sociais, redes juvenis e iniciativas comunitárias —, tem o objetivo de instruir a população para uma consciência crítica. Guimarães (2000) destaca que “a educação ambiental crítica deve promover a leitura do mundo e das contradições que sustentam a crise ambiental” (GUIMARÃES, Mauro. Educação ambiental: uma via para a cidadania).
Esses âmbitos da educação buscam incentivar uma cultura de cuidado com a Casa Comum — como propõe Papa Francisco na encíclica Laudato Si’ —, reunindo conhecimento científico aos saberes populares e valores éticos. A educação ambiental exige, portanto, uma abordagem transdisciplinar que considere a complexidade dos problemas contemporâneos, articulando dimensões éticas, sociais, econômicas e ecológicas.
Como afirma Morin (2000), “é necessário ensinar a condição humana em sua complexidade e preparar para enfrentar as incertezas, as interações e os desafios planetários que afetam a vida em comum” (MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro). Essa perspectiva propõe romper com visões fragmentadas do conhecimento, fortalecendo uma compreensão integral da realidade e favorecendo a construção de uma cidadania planetária.
A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída pela Lei nº 9.795/1999, representa um marco legal importante ao reconhecer a educação ambiental como um componente essencial e permanente da educação nacional, presente tanto no ensino formal quanto nas práticas educativas não formais. A PNEA estabelece diretrizes que incentivam a integração entre meio ambiente e cidadania, promovendo a participação ativa da sociedade na construção de modelos sustentáveis de vida.
No âmbito da educação formal, a lei prevê a inserção transversal da temática ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino, sem transformá-la em disciplina isolada. Já na esfera não formal, valoriza as iniciativas comunitárias, os movimentos sociais e os espaços públicos como lugares de aprendizagem, debate e engajamento. Como destaca Jacobi (2003), a educação ambiental precisa articular “dimensões cognitivas, éticas e políticas” (JACOBI, Pedro Roberto. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade), promovendo uma formação crítica que ultrapasse o ensino tecnicista e estimule o engajamento em causas socioambientais.
A lei reforça, ainda, a importância da intersetorialidade, estabelecendo a cooperação entre os setores público, privado e a sociedade civil para garantir ações educativas articuladas, contínuas e democráticas. Assim, ao integrar educação, participação política e consciência ecológica, fortalece-se o papel das juventudes como sujeitos ativos na luta por justiça socioambiental. Essa articulação entre educação e protagonismo juvenil revela-se ainda mais urgente diante dos desafios contemporâneos.
CONCLUSÃO
A crise climática e social que assombra atualmente mostra que é necessário repensar o modo como a sociedade vem se relacionando consigo e com o meio ambiente. Os desafios ambientais acentuam as assimetrias sociais e históricas que afetam as populações vulneráveis, especialmente os jovens. Entretanto, as juventudes não são meramente vítimas deste cenário de desigualdades e vulnerabilidades, mas também atuam como sujeitos ativos na promoção de soluções efetivas, solidárias e sustentáveis.
O duplo lugar — entre vulnerabilidade e protagonismo — que ocupam as juventudes revela a importância de investir em políticas públicas que garantam o acesso a direitos sociais e à participação cidadã. Nesse cenário, a justiça socioambiental emerge como um princípio orientador fundamental, pois compreende que as desigualdades sociais e os impactos ambientais estão interligados, exigindo respostas integradas e equitativas.
A educação ambiental, nesse contexto, se apresenta como instrumento decisivo para a construção de uma sociedade crítica, consciente e engajada. Ao promover a articulação entre conhecimento científico, saberes populares, valores éticos e participação política, ela fortalece o protagonismo juvenil e contribui para a transformação da realidade.
Reconhecer as juventudes como agentes estratégicos de mudança e incluí-las nos processos decisórios relacionados às políticas socioambientais é não apenas um compromisso com o futuro, mas também uma resposta urgente às demandas do presente. A crise climática é um apelo do planeta que clama por uma sociedade comprometida com o cuidado da Casa Comum, com a equidade entre os povos e com a construção de um mundo mais justo, sustentável e solidário.
Referências
- ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental: construção e defesa de territórios de existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.
- ARROYO, Miguel. Ensino médio: camadas populares e educação do campo. In: GENTILI, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu (orgs.). Neoliberalismo, qualidade total e educação: visões críticas. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 175-188.
- BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm. Acesso em 25 jun. 2025.
- FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
- GUIMARÃES, Mauro. Educação ambiental: uma via para a cidadania. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
- IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: . Acesso em 25 jun. 2025.
- INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS (IHU). Impactos desiguais: as mudanças climáticas e a intensificação das desigualdades sociais. São Leopoldo: IHU Unisinos, 2021. Disponível em: . Acesso em 21 jun. 2025.
- JACOBI, Pedro Roberto. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. 189-205, nov. 2003.
- LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes, 2001.
- MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; UNESCO, 2000.
- PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
- SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
- VATICANO. PAPA FRANCISCO. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015.