Existe uma vida potente 
que desponta
trabalha lá fora 
e aqui dentro da gente.
(P. André Araújo, SJ)

Ziraldo, criador do Menino Maluquinho, em uma de suas entrevistas, afirmou que antes de sair de Caratinga (MG) para ir a São Paulo buscar emprego seu pai passou um longo sermão com muitas regras para vencer na vida. Pergunto: o que é vencer na vida? Que significa ser alguém na vida? Não ser reconhecido como alguém? Por isso, a necessidade de projetar ações em vista de uma meta: ser alguém?

Pedro Almodóvar, cineasta espanhol, conta que quando era criança sua mãe iniciou um serviço de escrita e leitura de cartas. Na verdade, ele escrevia as cartas e sua mãe lia as recebidas para as pessoas. Percebeu que sua mãe alterava, aumentava ou criava outro enredo. Defendia-se da acusação de mentirosa valendo-se da felicidade das pessoas que ouviam suas leituras. “Aprendi algo essencial para meu trabalho: a diferença entre ficção e realidade, e como a realidade precisa ser completada pela ficção para tornar a vida mais fácil” (2024, p. 93). Ficção pode ser considerada imaginação tal qual os acontecimentos de Stranger Things. Fictício é alguma coisa imaginária e, por isso, não é real. A verdade é a realidade.

Projeto remete a projectus, o lançamento para frente, ou projicio, a ação de lançar para diante (FARIA, 1962, p. 804). Enquanto verbo, é uma ação orientada para um futuro virtual que, portanto, ainda não existe. Projeto consiste em uma ação de ficcionar de maneira refletida, organizada, e idealizada com o fim de escolher um percurso dentre outros possíveis. A juventude é a fase de desenvolvimento da personalidade marcada por sonhos que se vão formando, por relações que se constituem e por opções realizadasque gradualmente constroem um projeto de vida. Uma etapa da vida marcada pela busca por autonomia em relação à família e aos marcadores sociais vigentes (ChV, n.137).

A vida humana (bíos) se caracteriza, em detrimento da vida animal (zoé), pela possibilidade de se conduzir, transformar e direcionar segundo decisões refletidas. O ato de projetar em meio a uma realidade contextual espaço-temporal específica mediante as condições de possibilidade. A provisoriedade e a reversibilidade das decisões em tempos de crise econômica, social, psíquica, política, demográfica e ambiental tornam precárias esse processo de autonomia. As juventudes são mais suscetíveis à erosão de mecanismos de socialização e transição à autonomia. Por isso, acompanhar as juventudes na construção de projetos de vida diz respeito ao amanhã a partir de hoje.

Imersos na realidade social e individual, os e as jovens, movidos por um desejo incessante de viver e se realizar, criam formas e condições. A força da liberdade, da esperança e do amor que renascem diante das crises demonstram a força de sua esperança. “O maior perigo é não amar” (FT, n. 92). Somos seres de amor e esperança por reconhecermos não ser possível nos demitirmos do laborioso trabalho de protagonizar o processo de criação da própria vida. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança” (EG, n.109).

O acompanhante está disposto a partilhar o pão da esperança com cada jovem. Acompanha colocando-se ao lado para escutar e discernir os movimentos do coração. Eis a nossa missão: ajudar a ler e interpretar a presença e a ação de Deus escrita na vida. Como ensina Santo Inácio, o acompanhar não consiste em trilhar o caminho no lugar da pessoa, mas ajudar a meditar e contemplar a ação de Deus para sentir e saborear a vida interiormente (EE 2). O encontro com Jesus realiza o desejo profundo por vida em plenitude, pois a sua prática consiste em possibilitar histórica e materialmente o definitivo de Deus em nosso viver. A glória de Deus é o ser humano vivo.

A vida não tem o seu valor por sua utilidade no mercado. A vitória na vida consiste na vida nova assumida a partir da escolha projetada e fundada na potencialidade de viver que cada jovem carrega internamente. Ajudamos a descobrir na vida a permanente e atual atuação do Deus vivo e verdadeiro. Vivemos esperançando a maior glória de Deus na vida das juventudes!

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Jordanna Rocha de; Alves, Maria Zenaide. Juventudes e projetos de vida. Belo Horizonte: Fino Traço, 2021. 

ALMODÓVAR, Pedro. O último sonho. Trad. Miguel Del Castillo. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.

CAPRINI, Jonas Elias (coord.). Acompanhamento espiritual de jovens à luz da espiritualidade inaciana. São Paulo: Edições Loyola, 2020. 

CORREIA, Vanessa Araújo. O Contexto sócio-histórico do projeto de vida. In: In: DURAU, Odair José, SJ; Correia, Vanessa Araújo (orgs.). Projeto de vida para jovens: um itinerário metodológico de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2020. 

DICK, Hilário; TEIXEIRA, Carmem Lucia; LEVY, Salvador Segura (org.). Acompanhamento: mística do/a Acólito /a da Juventude. São Paulo: Centro de Capacitação da Juventude, 2008.

DURAU, Odair José. Projeto de vida e espiritualidade inaciana. In: DURAU, Odair José, SJ; Correia, Vanessa Araújo (orgs.). Projeto de vida para jovens: um itinerário metodológico de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2020.

FRANCISCO. Christus Vivit. Brasília: CNBB, 2019.

FRANCISCO. Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulinas, 2013.

FRANCISCO. Fratelli Tutti. São Paulo: Paulus, 2020. 

GABRIEL, Rachel Omoto. Projeto de vida: uma metodologia de sentido (s) e experiência. In: DURAU, Odair José, SJ; Correia, Vanessa Araújo (orgs.). Projeto de vida para jovens: um itinerário metodológico de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2020. 

FARIA, Ernesto. Dicionário Escola Latino – Português. 3.ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1962. 

FOUCAULT, Michel. Subjetividade e verdade. Trad. Rosemary Costhek Abilio. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016. 

KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petrópolis: Vozes; São Leopolod: Sinodal, 2000. 

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. 

MESTERS, Carlos. Deus, onde estás? Uma introdução prática à Bíblia. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 201-214.

SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Exercícios Espirituais. São Paulo: Edições Loyola, 2012.

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