“E aqui começou a espantar-se destas variações interiores que nunca antes tinha experimentado, e a dizer consigo: – Que nova vida é esta que agora começamos?” (Autobiografia, n.21)
Escrito por E. João Melo Silva Junior, SJ
Até certa altura de sua vida, Inácio de Loyola não tinha “nenhum conhecimento de coisas interiores espirituais” (Autobiografia, n. 20). Aos poucos, sua vida interior foi se tornando uma verdadeira aventura e ele “começou a ter grandes variações na sua alma” (Autobiografia, n. 20) quando enfrentou sua primeira grande tentação: um pensamento muito forte que o perturbou lhe mostrando as dificuldades da sua vida, como se lhe dissesse dentro da alma: – E como você vai suportar esta vida nos setenta anos que ainda deve viver? (Autobiografia, n. 20). Inácio se sentiu tentado.
Tentação é uma mentira espiritual sussurrada ao pé do ouvido (Gn 3) para nos desanimar e nos levar a crer que aquilo que fazemos ou deixamos de fazer pode nos separar do amor de Deus (Rm 8,35). Ledo engano! A expressão “ledo engado” provém do latim, onde ledo quer dizer risonho, alegre porque se refere a um engano bobo, daquele que nos faz rir de nós mesmos, depois que se descobre a verdade. Quando uma tentação é desmascarada, torna-se um ledo engano! Tentação é aquilo que cria desconfiança e nos impede de continuar no caminho.
As tentações são vencidas com a força do Espírito Santo, que une a nossa vida com a vida de Cristo, e, portanto, a salva. Da nossa parte, basta acolher a graça (2Cor 12,9) e deixar-se amar pela Trindade. Vendo que aquele pensamento perturbador se tratava de uma ilusão, Inácio respondeu interiormente, também com muita força, que sabia em Quem ele colocou a sua confiança (2Tm 1,12) “e assim venceu a tentação e ficou tranquilo” (Autobiografia, n. 20).
Relação de confiança é relação de comunhão. Basta pensarmos nas pessoas em quem confiamos e constatar a amizade, proximidade e intimidade que temos com elas. Como é a sua relação com Deus? Isso dependerá de como você percebe a sua própria verdade e da imagem de Deus que você tem.
Nessa relação com a Trindade, muitos são os elementos da pessoa humana que entram em jogo: sua história, seu psiquismo, seu caráter, suas tendências, seus gostos, seus feitos, erros e acertos vividos. Para a vida espiritual não basta saber quem eu sou, mas quem sou chamado a ser, qual o significado para a salvação eterna do que me acontece por dentro e dos acontecimentos, isto é, o que fazer comigo mesmo.
Um coração confiante não guarda reservas diante da Trindade, não tem medo de depender absolutamente de Deus porque sabe que não importa aquilo que fazemos ou deixamos de fazer, o amor de Deus é incondicional. Essa convicção possibilita uma leitura espiritual dos eventos que ocorrem na própria história, gerando um novo olhar sobre a vida vivida e nos fazendo desejar cumprir a própria vocação e encontrar o sentido da própria vida e da própria história, numa obra de sinergia entre o humano e a Graça Divina. “Que nova vida é esta que agora começamos?” (Autobiografia, n.21). Uma em que o Espírito Santo é o arquiteto da arte da vida espiritual.
Contudo, a vida espiritual não é uma reta ascendente. Talvez pareça mais uma montanha-russa, com suas variações interiores, como foi a vida de Inácio. Não se iluda! A busca permanente é marcada por uma luta que envolve toda a pessoa humana, com todos os seus sentidos. A fixidez de pensamentos obscurece a imagem de Deus e falsifica a imagem de si mesmo. A pessoa humana, dócil às surpresas do Espírito Santo, visa à renovação constante da vida, da fé na Trindade, e de si mesma. Para Inácio, resistir às tentações significa, antes de tudo, resistir ao medo do novo e em não desanimar diante da tentação (EE 325).
Texto Bíblico: Ef 6,10-20
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