O PROTAGONISMO JUVENIL E A JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL EM TEMPOS DE CRISES

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Emiliana Pacheco Monteiro e
Fernanda Campos Nazaré

Vivemos em um tempo marcado por múltiplas crises — ambiental, social, econômica, climática e política — que evidenciam a fragilidade de sistemas historicamente excludentes e insustentáveis. No entanto, em meio a esse cenário de colapso, as juventudes emergem como sujeitos centrais de resistência e transformação. A juventude não é apenas impactada por essas crises: ela também protagoniza processos de luta, organização e proposição de novos caminhos para a construção de justiça socioambiental em seus territórios. 

Este artigo discute como os jovens, particularmente aqueles que vivem em contextos de maior vulnerabilidade, assumem um papel protagonista na defesa da vida, dos territórios e da Casa Comum. O protagonismo juvenil é aqui compreendido para além da participação formal — trata-se de uma atuação enraizada, que articula identidade, afetividade e ação coletiva. A análise se baseia em referências teóricas e dados que evidenciam tanto os desafios quanto as potências das juventudes no Brasil contemporâneo. 

Crises Sistêmicas e Impactos nas Juventudes 

A crise climática, agravada pela degradação ambiental e pelas mudanças nos padrões de uso do solo, já afeta milhões de jovens ao redor do mundo. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) (Relatório de Síntese – 6º ciclo de avaliação, 2023), alerta que os eventos climáticos extremos — como enchentes, secas e queimadas — afetam de forma desproporcional as populações jovens, principalmente nos países do Sul Global. No Brasil, os efeitos dessas crises se somam às desigualdades históricas. Segundo o ATLAS da Juventude (Juventudes e Vulnerabilidades no Brasil), mais da metade dos jovens brasileiros vivem em situação de vulnerabilidade social, com acesso limitado à educação de qualidade, trabalho digno e segurança. 

Além disso, muitos desses jovens habitam territórios marcados pela ausência do Estado, pela violência e pela degradação ambiental. O racismo ambiental — termo utilizado para descrever a exposição desproporcional de comunidades racializadas aos riscos ecológicos — é uma realidade cotidiana para juventudes negras, indígenas, quilombolas e periféricas (ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais). 

Juventudes e Território: Identidade e Ação 

A territorialidade juvenil não se restringe ao espaço físico: ela inclui as redes de afetos, pertencimentos, saberes e espiritualidades que dão sentido à vida em comunidade. Milton Santos afirma que o território é “o chão mais a identidade”, indicando que o lugar onde se vive é inseparável da forma como se vive (SANTOS, Milton. A natureza do espaço). Para muitos jovens, especialmente na Amazônia, o corpo é território, e o território é corpo. Assim, lutar pela terra, pela floresta ou pelo rio é lutar por si mesmo, por sua história e por seu povo. 

Como nos lembra Ailton Krenak (2019, p. 39), “nós estamos vivendo uma ideia de humanidade que precisa ser revista. Porque essa humanidade que se dissocia da vida, da natureza, ela é uma abstração”. Essa crítica ecoa fortemente nas práticas juvenis que reafirmam a interdependência entre vida, território e espiritualidade. Ao se oporem a uma visão fragmentada do mundo, os jovens afirmam modos de existência enraizados na coletividade, na memória ancestral e no cuidado com a Casa Comum. 

Essa perspectiva está alinhada com o conceito de ecologia integral proposto pelo Papa Francisco na encíclica Laudato Si’ que defende a interdependência entre seres humanos e natureza, entre justiça social e justiça ambiental (PAPA FRANCISCO. Laudato Si’: sobre o cuidado da Casa Comum). Quando um território é violado, toda uma forma de vida é ameaçada. Por isso, os jovens amazônidas, quilombolas e urbanos não apenas resistem às violências impostas, mas também criam redes de cuidado, comunicação popular, agroecologia, arte e espiritualidade como formas de reconstruir o futuro. 

Protagonismo Juvenil e Esperança 

Apesar de estarem entre os mais afetados pelas crises, os jovens não se restringem à condição de vítimas. Eles protagonizam alternativas. Como afirma Paulo Freire, “a esperança é um ato de coragem e não de passividade” (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança). Essa esperança ativa se manifesta em movimentos e iniciativas que brotam nos territórios. Exemplo disso é o Movimento Jovem Tapajônico, no Pará (PA), que articula juventudes contra os impactos da mineração e em defesa dos rios e da floresta. Na região do Médio Purus, no Amazonas, jovens indígenas promovem educação ambiental e protagonizam ações de monitoramento e preservação. 

No campo urbano, coletivos como o Periferia Sustentável e a Rede de Juventudes pelo Clima atuam em bairros periféricos promovendo campanhas ambientais, formações políticas e ocupações de espaços públicos com arte e diálogo comunitário. O uso das redes sociais, da música e da comunicação alternativa tem sido uma ferramenta poderosa para dar visibilidade às lutas territoriais e ampliar a participação dos jovens nos debates ambientais e políticos. 

A juventude também tem sido protagonista em fóruns internacionais. Durante a COP 28 (2023), jovens brasileiros estiveram entre os mais ativos, denunciando os retrocessos ambientais e propondo soluções baseadas em justiça climática e democracia socioambiental. Como destacou a ativista indígena Txai Suruí, em discurso na ONU: “Não estamos aqui apenas para proteger árvores, estamos aqui para proteger vidas”. 

Inserção Sociocultural e Espiritualidade Transformadora 

A experiência da Companhia de Jesus, por meio do Programa MAGIS Brasil, oferece um caminho pedagógico e espiritual que reconhece e fortalece o protagonismo juvenil nos territórios. A metodologia da inserção sociocultural, adotada pela Rede MAGIS, parte da escuta ativa, da presença encarnada e da valorização da cultura local. Segundo o documento do MAGIS Brasil (REDE MAGIS Brasil. Programa MAGIS e Justiça Socioambiental. 2022), “estar com os jovens é mais do que estar no mesmo lugar: é caminhar junto, partilhar sonhos, dor e fé”. 

Essa inserção possibilita uma ação comprometida com a justiça socioambiental, que integra espiritualidade, formação política e cuidado com o ambiente. Jovens inseridos em contextos desafiadores tornam-se multiplicadores de esperança — não por negar a dureza da realidade, mas por enfrentá-la com coragem, criatividade e fé. 

Conclusão 

As juventudes não são apenas herdeiras de um mundo em crise, mas também arquitetas de um futuro possível. Ao assumirem seus territórios como espaços de identidade, resistência e cuidado, os jovens transformam os conflitos em caminhos de esperança. Sua atuação revela que a justiça socioambiental não é um ideal abstrato, mas uma prática cotidiana, tecida no chão da vida. 

Reconhecer e apoiar o protagonismo juvenil é, portanto, condição fundamental para a construção de um mundo mais justo, sustentável e fraterno. Como afirmou o Papa Francisco na exortação Christus Vivit, “os jovens são o agora de Deus” — e é nesse agora que se planta o futuro (PAPA FRANCISCO. Christus Vivit). 

Referências

ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
FRANCISCO, Papa. Laudato Si’: sobre o cuidado da Casa Comum. Vaticano, 2015.
FRANCISCO, Papa. Christus Vivit. Vaticano, 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Relatório de Síntese – 6º ciclo de avaliação, 2023.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
MILTON SANTOS. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2006.
REDE MAGIS Brasil. Programa MAGIS e Justiça Socioambiental. Documento interno, 2022.
ATLAS da Juventude. Juventudes e Vulnerabilidades no Brasil. São Paulo: Fundação Roberto Marinho, 2021.

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