Por Ir. Douglas Turri
Se todos nós possuímos um propósito na vida, uma missão específica que aguarda ansiosamente pela nossa realização, por que razão essa vocação não ressoa tão claramente? Esse sentimento interior de que há um desejo ardente, um princípio inegável, mas que parece estar escondido ou incompreendido, e que permanece ali, sufocado, como um aperto no peito que nos faz sentir desconectados. Isso nunca fez sentido para mim, vai contra tudo o que o amor representa. Deus, como criador de todas as coisas, é amor! O amor está no cerne de quem Ele é, e o amor se revela: “Pois aquilo que é possível conhecer de Deus foi revelado aos homens; e foi Deus próprio quem o revelou” (Rm 1,19).
As primeiras palavras do primeiro mandamento do Decálogo: “ouça, Israel” (Dt 6, 4), refletem o estilo de um Deus que deseja que o compreendamos. No entanto, nós, seres humanos, muitas vezes temos os ouvidos adormecidos. Ou seja, até podemos escutar, mas não estamos realmente ouvindo. Como o profeta Ezequiel disse: “Filho do homem, você vive entre essas pessoas rebeldes, que têm olhos para ver, mas não veem, e ouvidos para ouvir, mas não ouvem” (Ez 12,2).
Diante disso, Jesus nos convida a avaliar a qualidade de nossa escuta: “Vejam, portanto, como vocês ouvem” (Lc 8,18). Santo Inácio de Loyola, um mestre em ouvir a voz de Deus, nos presenteou com seus escritos sobre sua jornada espiritual e nos ensinou que “o amor consiste em uma comunicação recíproca” (EE 231). É como se a reciprocidade fosse a chave que destranca a porta da comunicação entre Deus e tudo o que Ele plantou em nosso ser para que pudéssemos florescer.
Um elemento essencial na reciprocidade é a confiança; nesse sentido, não deveria haver problema algum, afinal, Deus é digno de confiança “porque Ele é bom, porque o Seu amor é eterno!” (Sl 136,1). Mas será que essa resposta tão óbvia é realmente verdadeira? Será que nós, de fato, depositamos nossa confiança Nele?
A quebra do vínculo entre Deus e o ser humano: o papel do pecado
Não podemos falar sobre confiança, reciprocidade e compreensão dessa comunicação sem mencionar o pecado. O ser humano, tentado pelo inimigo da natureza humana, perdeu a confiança em seu Criador. Como diz a história bíblica: “Eles ouviram Deus caminhando pelo jardim ao cair do dia. Então o homem e a mulher se esconderam da presença de Deus, entre as árvores do jardim. Deus chamou o homem: ‘Onde você está?’ O homem respondeu: ‘Ouvi seus passos no jardim, tive medo, porque estou nu, e me escondi’.” (Gn 2,8-10). Não se trata apenas de medo, vergonha e culpa, mas de uma ruptura na relação entre Deus e o ser humano. É uma desfiguração do vínculo entre nós e nosso Criador.
O pecado nos leva a nos fechar, a construir barreiras e a interromper nossa conexão com Deus. E isso tem consequências desastrosas. Quando nos afastamos do amor incondicional do Criador, começamos a impor a Ele inúmeras justificativas para nossa escolha de nos distanciarmos. Chegamos ao ponto de acreditar que somos verdadeiramente livres apenas quando rejeitamos, recusamos ou nos opomos ao que Ele nos diz. Criamos a ilusão de que a ausência de Deus é necessária para desfrutarmos de nossa liberdade. Mas, ao fazer isso, comprometemos nosso propósito e desestabilizamos toda a harmonia, tanto em nós mesmos quanto em nossos relacionamentos com outros seres humanos e com o mundo ao nosso redor (cf. Gaudium et Spes, 13).
No entanto, mesmo diante de todas essas escolhas erradas e desvios, o olhar amoroso de Deus por cada um de nós permanece inalterado. Ele confia em nós e revela essa confiança em suas criaturas, na esperança de que todos os seres humanos sintam Seu amor e respondam a ele com amor. A parábola do Pai misericordioso é um belo exemplo da generosidade e bondade ilimitadas do Pai para com seus filhos.
Você consegue imaginar? O filho pródigo, que decidiu partir de casa, abandonar a família e dissipar tudo o que tinha em terras distantes, acabou numa situação deplorável. No entanto, arrependido, ele tomou a decisão de retornar ao lar. E o que aconteceu? O pai, sem julgar ou impor regras, simplesmente acolheu seu filho de braços abertos e o conduziu de volta para casa, onde ele sempre pertenceu (cf. Lc 15,11-32).
A resposta à vocação: responder ao Amor com amor
A experiência humana nos ensina que só podemos conhecer o amor através do amor. Santo Agostinho, um dos grandes teólogos e filósofos dos primeiros séculos do cristianismo, baseado nas Escrituras, nos faz refletir sobre a grandiosidade da vinda do Senhor: “Qual poderia ser uma causa maior para a vinda do Senhor, senão mostrar-nos o amor de Deus?”. Diante de tal maravilha, como podemos sequer cogitar a possibilidade de fechar os ouvidos para não ter de escutar o Senhor? Como podemos conceber uma existência na qual não nos entreguemos integralmente a Ele?
Somos abraçados pelo amor, pois pertencemos àquele que é o próprio amor (cf. 1 Jo 4,8). E a vontade de Deus não pode ser diferente do que Ele é. A nossa vocação é responder a esse chamado amoroso, alinhando nossas ações e projetos com a alegria que transborda em nossos corações quando experimentamos o amor incondicional de Deus. É como Ele mesmo nos ensinou: “Este é o meu mandamento: que vocês se amem uns aos outros como eu os amei” (Jo 15, 12). Ele vive esse mandamento e deseja que também o vivamos.
Cabe a cada um de nós, de maneira pessoal, descobrir onde podemos nos entregar de forma mais radical a esse chamado, fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para servir plenamente a esse amor. Como o discípulo amado nos esclareceu uma vez: aquele que não ama o seu irmão, que está bem diante de seus olhos, não pode amar a Deus (cf. 1Jo 4,20).
O amor é tudo o que importa e, no desfecho, como bem disse Dom Pedro Casaldáliga, quando nossa jornada chegar ao fim, seremos questionados: “E você, viveu? Amou?” E nós, sem proferir uma palavra sequer, abriremos o coração cheio de nomes, mostrando assim que vivemos e amamos intensamente.