Santidade e Juventudes: um chamado à plenitude da vida cristã no mundo atual 

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Natasha Ribeiro

Em meio às rápidas transformações do mundo contemporâneo, as juventudes vivem intensamente a busca por sentido, autenticidade e plenitude. Cercados por múltiplas possibilidades e por incertezas, os jovens experimentam um tempo marcado por contrastes: de um lado, o desejo de viver com profundidade; de outro, a tentação da superficialidade e da indiferença. Sobretudo na era digital, marcada pelo consumo rápido de conteúdos, o formato de vídeos nas redes sociais favorece um constante zapping (o ato de trocar incessantemente de estímulos) e contribui para a chamada cultura do descarte, na qual, se um vídeo não desperta interesse nos primeiros segundos, é imediatamente substituído por outro.  

Nesse contexto, falar de santidade pode, à primeira vista, parecer algo distante da realidade juvenil, sobretudo diante das inúmeras possibilidades aparentemente mais atrativas que o mundo oferece em comparação à vida eclesial. No entanto, a santidade permanece sendo o grande sonho de Deus para cada pessoa, um chamado à plenitude de vida que o Evangelho continua a propor em todas as épocas, culturas e realidades humanas

O Papa Francisco recorda que “a santidade é o rosto mais belo da Igreja” (Gaudete et Exsultate, n.9). Nessa perspectiva, a santidade não é um privilégio de poucos nem um ideal inatingível, mas a vocação de todos os batizados. Por isso, refletir sobre juventudes e santidade é reconhecer que o Espírito de Deus continua soprando na história, também nas novas gerações, chamando-as a viver a fé como compromisso e testemunho. E através das suas iniciativas, a Pastoral Juvenil pode contribuir para despertar nas juventudes o desejo de uma santidade encarnada, alegre e comprometida com a transformação do mundo

O chamado universal à santidade e sua relação com as juventudes 

          O Concílio Vaticano II recuperou o sentido universal da santidade: “Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (Lumen Gentium, n. 40). Esse ensinamento rompeu a visão clerical e hierárquica da santidade, afirmando-a como vocação para todos os fiéis, vivida nas condições concretas da simplicidade da vida cotidiana. Apesar das diversas histórias de santos que nos inspiram, não existe um “modelo pronto” a ser imitado, mas um caminho a ser descoberto na própria história pessoal diante da abertura comunitária.  

 
Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais (Gaudete et Exsultate, n. 14) 

 
          As Conferências do Episcopado Latino-Americano especialmente a de Puebla e de Aparecida reiteram que os jovens são “um dom para a Igreja” e que “a santidade é a meta da missão e vocação dos discípulos missionários (Documento de Aparecida, n. 438). Essa santidade não se reduz à prática religiosa, mas se expressa no compromisso com a vida, na busca da justiça e no amor aos pobres. Por isso, a Igreja apresenta a santidade como uma forma de participação ativa na transformação das estruturas injustas, integrando fé e compromisso social não os transformando como polos dualísticos, mas intrínsecos à vida cristã. 

Falar de santidade para as juventudes de hoje é reconhecer suas múltiplas faces e realidades. Há jovens que vivem o luto da exclusão social, da violência e do abandono, os que sofrem o vazio existencial do individualismo e da cultura da performance. Além dos diversos “modelos” de juventudes que podemos identificar dentro das igrejas.  

Em todas essas realidades juvenis, porém, deseja-se ser escutado, ter as demandas acolhidas e ser apoiado no desejo por uma vida autêntica que não se conforma com o mínimo. Nesse sentido, a santidade não se apresenta como fuga, mas como resistência evangélica, como escolha de viver o amor em meio à indiferença, a justiça em meio à desigualdade, a esperança em meio à desesperança

Juventudes contemporâneas e o desafio de viver a santidade no cotidiano 

Vivemos em um tempo em que as juventudes são constantemente desafiadas a construir sua identidade em meio à fluidez das relações, às múltiplas possibilidades de escolhas e à busca incessante por sentido. Nesse cenário, a fé e a experiência eclesial nem sempre ocupam um lugar central na vida dos jovens, que muitas vezes se veem diante de uma distância entre o mundo que habitam e o ensinamento magisterial da Igreja. Tal afastamento, por vezes, decorre de uma percepção burocrática e institucional da Igreja, de uma linguagem distante de suas vivências concretas ou ainda de feridas históricas marcadas por situações de injustiça e resistência ao progresso humano (Documento 85, n. 67-68).  

Contudo, é justamente nesse contexto que se faz urgente redescobrir o papel da comunidade cristã como espaço de escuta, diálogo e acolhimento, onde a santidade possa ser compreendida não como um ideal distante, mas como um caminho possível e concreto de realização humana e espiritual. 

Esse caminho da santidade convida os jovens a olhar a Igreja não apenas em suas limitações humanas, mas como espaço de encontro com Deus e de transformação pessoal e comunitária. Ao revisitar a história e contextualizá-la, torna-se possível redescobrir a beleza de uma Igreja que, apesar de suas fragilidades, é portadora de um chamado universal à santidade uma santidade que se realiza no compromisso com a vida, na justiça, na esperança e no amor que gera comunhão. 

O Papa Francisco, em Gaudete et Exsultate, nos ensina que o critério da nossa vida é, antes de mais nada, o que fizemos pelos outros (Gaudete et exsultate, n. 104). Isso ressoa profundamente nas juventudes que, mesmo sem linguagem religiosa formal, manifestam uma espiritualidade da solidariedade, do cuidado e da entrega. A santidade, então, se traduz em gestos concretos: na amizade fiel, na defesa da vida, na luta por dignidade, no cuidado com a Casa Comum e no engajamento por um mundo mais justo

Por isso é muito importante que a Pastoral Juvenil se ponha cada vez mais como anunciadora do Evangelho e como promotora do protagonismo juvenil (Christus Vivit, n.202). Superando a compreensão restrita de um “lugar” voltado apenas à formação. Ela deve se constituir como um espaço seguro de partilha de vida e de fé, capaz de suscitar um profundo encontro com o Cristo por meio das experiências de comunhão fraterna (Christus Vivit, n. 204). É nesse entrelaçamento entre fé e cotidiano que se revela o autêntico sentido de “ser jovem sem deixar de ser santo”, reconhecendo que santidade e juventude não são dimensões opostas, mas realidades que se integram e se complementam as diversas expressões juvenis.  

A santidade, quando lida à luz do Evangelho e da realidade juvenil, revela-se como vocação à esperança e à missão. É um chamado que não aliena, mas que envia; não separa, mas insere; não moraliza, mas transforma. O mundo precisa de jovens santos não porque sejam perfeitos, mas porque são autênticos, misericordiosos e comprometidos com a vida. 

Na Conferência de Puebla, a Igreja, além de reafirmar a Opção Preferencial pelos Pobres, afirma sua confiança nos jovens fazendo também sua Opção Preferencial por eles, compreendendo que são eles a força vital e transformadora do corpo social e eclesial, capazes de renovar a esperança e dinamizar a vida da comunidade cristã (Documento de Puebla, n. 1134; 1136). 

Ser santo, hoje, é ser protagonista da Boa-Nova nas periferias existenciais afetivas, sociais e espirituais levando a todos a alegria de um amor que se doa. A Igreja, fiel à inspiração do Vaticano II e do magistério latino-americano, é convidada a reconhecer nas juventudes o rosto vivo da santidade em construção, e a acompanhá-las em seus processos, discernimentos e buscas. 

Assim, a santidade permanece atual porque é a linguagem do Evangelho traduzida no tempo presente. Em cada jovem que sonha, luta, reza e ama com autenticidade, o Reino de Deus já se antecipa e se faz visível. Quando encarnada nas realidades juvenis, torna-se sinal profético de um tempo novo para a Igreja e para o mundo. Em meio às contradições, às incertezas e aos desafios contemporâneos, os jovens que acolhem o chamado à santidade testemunham que é possível viver a fé de forma criativa, engajada, esperançosa e, sobretudo, jovem. Eles revelam que a santidade não é fuga do mundo, mas compromisso com ele; não é isolamento, mas comunhão; não é ideal inatingível, mas caminho de humanização e encontro com Deus. Nessa perspectiva, as juventudes são convidadas a reconhecerem que o verdadeiro sentido de suas vidas se encontra no seguimento de Cristo, que as envia a transformar, com amor e coragem, as realidades em que estão inseridas

Referências bibliográficas 

CELAM. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Paulus/ Paulinas, 2008. 

CELAM. Puebla: a evangelização no presente e no futuro da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1979. 

CNBB. Evangelização da Juventude: desafios e perspectivas pastorais. São Paulo: Paulinas, 2007. (Doc. 85) 

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium: sobre a Igreja. São Paulo: Paulinas, 1997 

FRANCISCO, PP. Exortação Apostólica Christus Vivit: aos jovens e a todo povo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2018. 

FRANCISCO, PP. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: aos jovens e a todo povo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2018. 

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