Uma vez ia, por devoção, a uma igreja que estava mais de uma milha de Manresa. Creio que se chama São Paulo, e o caminho vai junto do rio. Indo assim em suas devoções, assentou-se um pouco com o rosto para o rio, o qual ficava bem em baixo. Estando ali assentado, começaram a abrir os olhos do entendimento. Não tinha visão alguma, mas entendia e penetrava muitas verdades, tanto em assunto de espírito, como de fé e letras. Isto, com uma ilustração tão grande que lhe pareciam coisas novas. Não se podem declarar os pormenores que então compreendeu, senão dizer que recebeu uma intensa claridade no entendimento. (Nisto ficou com o entendimento de tal modo ilustrado, que lhe parecia ser outro homem e ter outro entendimento, diferente do que fora antes)” (Santo Inácio, Aut. 30)

As pessoas são devolvidas  às fontes terrenas

Caminhando por lugares desconhecidos ou sentados às margens de um riacho ruidoso, podemos atingir experiências imprevistas e surpreendentes, ou reconhecer, através do murmúrio das águas, vozes novas, e, ao mesmo tempo, inexplicavelmente familiares. Em outras palavras, pode acontecer que nos sintamos conduzidos ou atraídos para lugares diferentes, conhecimentos novos, experiências surpreendentes.

O ser humano pós-moderno está perdendo o contato com o cosmos, com o chão, com os animais, com a natureza. Isto provoca todo tipo de mal-estar, de doenças, de insegurança e de ansiedade. Ele se sente demais, sente-se um estranho no mundo. Segundo a tradição oriental, quanto mais baixo estiver o corpo, mais feliz fica a mente. O ocidente deseja que as pessoas pensem no céu, e alonguem a cabeça no ar para fazê-las olhar para cima e ver as nuvens. O oriente sabe que a melhor maneira de chegar ao céu é estar solidamente na terra, e por isso convida as pessoas a se agacharem ou se assentarem no chão. A postura cômoda, literalmente na terra, é condição para a paz interior.

Ao encontrar-se com a mãe-terra a pessoa é impulsionada para as experiências transcendentais. Quanto mais proximidade e intimidade com a terra, mais profunda é a experiência espiritual.  Na Índia, quando as pessoas se levantam, sua primeira oração é juntar as mãos e pedir perdão à Mãe Terra por pisá-la. Que não haja ofensa no contato necessário com o chão, mas intimidade. 

Em casa, as pessoas sempre andam descalças. O pé nu acaricia a terra que pisa, agradecendo o apoio e mostrando sua confiança. Cada passo deve ser uma oração e cada caminhar é um rosário de contas que marcam os caminhos da vida com a fé do caminhante. Dá força e inspiração sentir-se junto à terra, palpar sua firmeza, medir sua intensidade. Cada chão tem uma palavra a nos dizer, um valor a preservar, uma mensagem a acolher. É o altar cósmico sobre o qual celebra-se diariamente a liturgia da vida.

Quando o amor nos habita,  tudo se torna sagrado

Não há “terra santa”, mas há uma maneira santa de caminhar sobre a terra. É a nossa maneira de caminhar sobre a terra que a torna sagrada. É a maneira de habitar nossa casa que faz dela um templo. A terra não só dá segurança e sustenta o ser humano, mas também enche de alegria o seu coração, porque o seu contato é mais do que um contato físico, é uma presença viva.

Quando o ser humano não percebe o seu parentesco com a terra, vive numa “casa-prisão” cujas paredes lhe impedem uma comunhão cósmica. Quando se sente a presença de Deus em todas as coisas, seu coração se emancipa e se dilata, sua mente se abre, seus horizontes se ampliam. O universo passa a ser o seu grande lar e o lar é lá onde está o coração. E o seu primeiro lar, a terra, é onde ele encontra o coração de Deus.  Em tudo pode-se vislumbrar um lampejo da divindade.

Acreditar nisso desperta em nossos corações uma grande consolação e uma enorme identificação com tudo o que vive e cresce. “Minha profissão é estar sempre alerta para encontrar Deus na natureza, conhecer os lugares onde Deus está à espreita, assistir a todos os oratórios e todas as óperas… na natureza” (John Muir).

Texto Bíblico  Ex 3,1-6  / Gn 3,8-13

 

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