“Não tem dor que perdurará, nem teu ódio perturbará” (Emicida)

Há um monstruoso réptil que habita as profundezas de nosso ser, devorando-nos continuamente e expelindo seu veneno mortal: o preconceito. Ele constitui o risco permanente em nossa vida, pois limita a realidade, estreita o coração, inibe o olhar e nos faz incapazes de acolher o bem e a verdade presentes no outro. O mal que o preconceituoso faz a si mesmo é enorme, pois acaba com sua saúde mental, atrofia seu desenvolvimento criativo, aniquila seus sonhos e esfria seus relacionamentos. Marcado pela impaciência e desprovido do espírito de leveza, o preconceituoso é incapaz de relativizar os problemas, vê inimigos e concorrentes por todos os lados e acaba numa extrema solidão.

Ele tem muitas dificuldades de relacionamento, não consegue estabelecer laços duradouros e nem vivencia os prazeres de uma boa companhia. Tal pessoa tem humor irritadiço, é triste, emburrada e entediada a ponto de não suportar mudanças e novidades. Não tolera o inesperado e o improviso da existência. Está o tempo todo petrificada em suas velhas e deformadas opiniões sobre tudo e sobre todos. O preconceituoso dá ao outro o que lhe sobra: autodesprezo e hostilidade. Ele é precipitado em julgar, apressado e ansioso na formulação de juízos sem critérios. Daí seu autoritarismo em não reunir provas, julgando à revelia, de acordo com sua vontade, chegando às raias do fascismo.

O sintoma principal é o  isolamento afetivo das pessoas

Geralmente, os preconceituosos são dogmáticos e fervorosos, muitos deles tornam-se fundamentalistas, com hostilidade e intolerância religiosa. Cegos para a verdade, eles preferem o autoengano ao conhecimento de fato, fincam pé naquilo que pensam que sabem, no que está estabelecido e normatizado, não se atualizam, não conseguem ver o novo e a necessidade de mudanças.

Ao tornarem absoluta uma verdade, se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade e o bem presentes no outro. Não suportam a coexistência das diferenças, a pluralidade de opiniões e posições, crenças e ideias. Daí surgem o conservadorismo radical, o medo à mudança, a violência diante da crítica, a suspeita, a vigilância, o controle autoritário.

A inflexibilidade da alma preconceituosa está ligada ao orgulho, ela tem aquela postura de que tudo sabe e tudo controla, carecendo da humildade de “saber que não sabe”. Não tem senso de igualdade e semelhança, e muito menos de compaixão. É aliada à ignorância, não admite que possa mudar de opinião. Está enraizada à tradição e às leis, quase sempre antiquadas e ultrapassadas. Apesar de se apresentar com ar de superioridade sobre os outros, a pessoa preconceituosa tem autoestima baixa.

Tod@ preconceituos@ é insegur@

Por isso aferra-se a seus caprichos como um náufrago à tábua que o mantém à tona. Enfim, o preconceito impede a pessoa de viver, de se abrir ao mundo, de ser espontâneo e de viver plenamente com folga.

Ingenuamente João, o discípulo amado, compartilha com o Mestre a atitude preconceituosa de proibir um homem de expulsar demônios em Seu nome. O estreitamento de mentalidade de João colide com a abertura do coração de Jesus. Para o Mestre, o que conta é o bem que se faz.  Jamais uma simples pertença grupal, uma simples afinidade ou mesmo proximidades culturais e sociais, podem substituir o bem que se deve praticar. Conta o bem que só pode ser feito em nome de Deus, só Ele é a fonte única do bem. Deus só está presente onde se pratica o bem. O bem que se faz não é, em hipótese alguma, contradição a Deus. A força do bem é a condição única para alargar o horizonte e superar toda atitude preconceituosa estreita. E o bem se torna valor absoluto, definindo a condição do verdadeiro discipulado. Ser discípulo de Jesus, portanto, é compreender a vida como altar de ofertas para o bem.

Com sua presença e ternura Jesus quebra as atitudes preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam proibições que impedem a manifestação da vida. O Mestre traz o dito simples e, aparentemente, tão insignificante da oferta de um copo d’água como remédio que cura a rigidez do preconceito e vence a incapacidade de perceber a ternura acolhedora de cada gesto e sua importância na construção da vida e na recriação da dignidade humana. Vale um copo d’água que se dá. Vale pela importância sempre primeira do outro, não importa quem seja, fazendo valer o princípio norteador do coração amoroso de Deus.

Texto Bíblico  Mc 9, 38-50

 

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